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Matérias / Guerra Fria

CIA tentou usar LSD como controle da mente

Para desenvolver técnicas contra agentes soviéticos, há 65 anos era lançado o programa MK Ultra, que drogou pessoas sem que soubessem, nos anos 50 e 60 — com resultados às vezes letais

Bárbara Axt Publicado em 12/04/2018, às 07h00 - Atualizado em 13/04/2018, às 15h22

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Uma péssima viagem - Shutterstock
Uma péssima viagem - Shutterstock

Sentado no banheiro, um policial com um martíni na mão observava através do espelho unilateral prostitutas e seus clientes tomando LSD num apartamento em San Francisco. Essa cena fazia parte de uma das pesquisas da CIA, em que o oficial George White, da divisão de narcóticos, pesquisava a ação de drogas psicodélicas para o governo americano. A operação, com o nome sugestivo de Clímax da Meia-Noite, começou em 1960 e foi apenas mais uma das tentativas de a inteligência americana pesquisar o uso de drogas capazes de alterar o comportamento de pessoas. Em seu apartamento, que ele alugou com o nome falso de Morgan Hall, George White avaliava o efeito de drogas como o LSD em indivíduos que não tinham a menor ideia de estarem sendo drogados (colocava a substância em bebida alcoólica) e também testava equipamentos de espionagem, como os espelhos unilaterais – que permitem que a pessoa por trás deles veja o que acontece.

George White Reprodução

O LSD, uma droga alucinógena que também provoca euforia, deixou as cobaias de White bem alteradas – riam muito, falavam sem parar, diziam ver objetos crescendo de tamanho e as cores mais fortes. Alguns deles ficaram tão perturbados que começaram a chorar de aflição, com medo de que a viagem não terminasse. White concluiu que os testes com drogas poderiam ser aplicados em interrogatórios e sugeriu o método à CIA.

Outros testes

Não foi a primeira vez que o serviço de inteligência testou drogas. Em 1942, durante a II Guerra Mundial, o ex-general William Donovan, antigo dirigente do OSS (Escritório de Serviços Estratégicos, que daria origem à CIA), deu início a pesquisas com drogas que pudessem agir como um “soro da verdade”. A primeira substância desenvolvida com esse intuito foi um líquido derivado da maconha que poderia ser colocado em um prato de comida ou injetado em um cigarro. O resultado das experiências foi que a droga funcionava bem em alguns casos, mas, em outros, a pessoa se tornava ainda mais desconfiada.

As pesquisas continuaram, envolvendo cocaína, mescalina (um líquido alucinógeno extraído do cacto peiote) e heroína. Até que, no fim dos anos 1940, os agentes da CIA conheceram o LSD. Os pesquisadores começaram a experimentar a droga em si mesmos e em agentes da própria CIA.

Isso levou a uma tragédia. Um dos que tomaram LSD, sem saber que estava sendo testado, foi o ex-agente americano Frank Olson, em 1953. “Ele se suicidou depois de ingerir uma forte dose de LSD”, diz Henrique Carneiro, autor de Pequena Enciclopédia da História das Drogas e Bebidas. O agente ficou angustiado porque não conseguia controlar a sensação de alteração da consciência. Não houve tempo de os pesquisadores avisarem Olson. Desesperado, ele perdeu o controle e se matou com um tiro na boca. A história foi arquivada pela CIA e só veio à tona mais de 20 anos depois. Uma investigação feita pelo Congresso americano em 1976 resultou numa indenização, não revelada, à família do agente. Mas a CIA continuou a pesquisar o LSD.

Cobaias humanas 

Em 1953 ainda, foi criado o Projeto MK Ultra, chefiado pelo químico Sidney Gottlieb. A CIA acreditava que os soviéticos estavam desenvolvendo pesquisas similares com drogas e técnicas de manipulação. A paranoia da Guerra Fria era o pretexto para o uso de cobaias humanas nas pesquisas. Começaram, então, a testar e observar viciados em drogas, prostitutas e criminosos. Como essas pessoas tinham problemas com a polícia, não procuravam as autoridades para denunciar os abusos.

Sidney Gottlieb, líder do projeto MK Ultra Reprodução

Algumas delas eram os viciados em droga internados no Hospital Lexington, em Kentucky. Os pacientes se apresentavam como voluntários em troca de um pagamento em drogas de sua escolha – de uma qualidade raramente encontrada nas ruas, já que a CIA as comprava diretamente dos laboratórios, como o americano Eli Lilly & Co., que sintetizava o LSD. O diretor do Hospital Lexington na época, Harris Isbell, testava os limites dos voluntários, chegando a ponto de deixá-los sob o efeito de LSD por 77 dias consecutivos – isso mesmo, 77 dias de LSD! –, o que levava alguns pacientes a ter sintomas de paranoia e psicose.

Os planos de intoxicar pessoas com drogas teria sido levado ao extremo com a ideia de envenenar chefes de governo inimigos dos Estados Unidos. Segundo uma reportagem do jornal inglês The Guardian, edição de 14 de agosto de 2001, a CIA queria intoxicar Fidel Castro, colocando sais de tálio – uma substância para matar ratos – na bebida do ditador cubano. A ideia, delirante, era infiltrar um agente no governo cubano e tentar pôr em prática a estratégia. De acordo com o Guardian, isso foi planejado no fim do mandato de Dwight David Eisenhower, presidente entre 1953 e 1961. O contato com a substância causaria uma intoxicação que faria cair todos os pelos do corpo de Fidel, inclusive a famigerada barba. Isso, imaginavam os agentes, prejudicaria seu carisma. O departamento americano não levou adiante o plano.

Colocar drogas em drinques, injetar extrato de maconha em cigarros normais e usar seringas para introduzir líquidos através da rolha de uma garrafa de vinho não são truques fáceis. Para realizar isso, em 1960 o ex-agente da CIA Sidney Gottlieb contratou o mágico ilusionista John Mulholland, muito famoso no período, para treinar os espiões. Foi quando entrou em cena o oficial George White, chamado por Gottlieb para liderar a Operação Clímax da Meia-Noite. A respeito da ação, White escreveu a seguinte declaração numa carta a Gottlieb: “Era bem divertido. Onde mais um garoto americano poderia mentir, trapacear e estuprar com a bênção do Todo Poderoso?”

A CIA passou a usar o LSD em interrogatórios secretos na década de 1960. Mas em 1961 vazou o caso de um interrogatório na França. James Thornwell, um ex-soldado negro americano acusado de traidor por roubar documentos secretos, foi preso em Paris. Levado a um apartamento, James, então com 22 anos, foi confinado e torturado num quarto por seis semanas. Como não revelava por que roubara os papéis, agentes deram a ele LSD em uma dosagem forte. O soldado ficou paranoico e teve um ataque de histeria. Nada falou e os agentes acabaram soltando-o. James Thornwell pediu à Justiça americana a indenização de US$ 10 milhões. Recebeu US$ 650 mil em 1980 e nunca mais foi visto.

Substância proibida 

Em 1971, quando o LSD entrou na lista das substâncias proibidas pela ONU, a CIA deixou de usá-lo em experiências. Porém o governo e os militares americanos manteriam a tradição de proximidade com outras drogas. No Vietnã, as Forças Armadas usaram contra os inimigos o BZ, um alucinógeno da mesma família química do LSD, só que mais potente – ele pode provocar viagens de até quatro dias. Vietnamitas se suicidavam após as sessões, outros eram levados a hospitais psiquiátricos. Já os soldados consumiam drogas variadas para minimizar o estresse da guerra. Conseguiam qualquer substância – de maconha a heroína. Esta, aliás, ficou famosa nos Estados Unidos quando os combatentes voltaram com o hábito de usá-la. 

Timothy Leary era um pacato psicólogo e professor universitário americano até que, no fim dos anos 1950, foi ao México pesquisar a utilização de cogumelos alucinógenos em cerimônias religiosas. De volta aos EUA, criou um grupo em Harvard para pesquisar, junto com os alunos, os efeitos dos cogumelos e depois do LSD. Inicialmente, ele estava em busca de usos terapêuticos, mas se convenceu de que as drogas psicodélicas eram a chave para a expansão da consciência. Em 1970, Leary foi preso na Califórnia por posse de drogas e enviado a uma penitenciária, de onde conseguiu fugir e se exilar na Suíça. Quatro anos depois, foi deportado aos EUA. Negociou com o FBI uma redução da pena em troca de informações. Nos anos 1990, ele se tornou um grande entusiasta da internet, a ponto de colocar webcams transmitindo sua própria morte, de câncer de próstata, em 1996.

Em 1943, o químico suíço Albert Hoffman estava no laboratório pesquisando alcaloides de um fungo conhecido como esporão-do-centeio quando começou a sentir vertigens e ter alucinações. Investigando quais poderiam ser as causas dessa viagem acidental, Hoffmann concluiu que deveria ter absorvido através da pele a substância que tinha acabado de produzir: a dietilamida do ácido lisérgico, que já fora sintetizada por ele próprio cinco anos antes.

O químico suíço Albert Hoffman Reprodução

Para confirmar as suspeitas, ele mesmo tomou a dietilamida dissolvida num copo de água. Saiu de bicicleta pela ruas, rindo e vendo cores mais vibrantes. Foi a primeira “viagem“ de ácido voluntária de que se tem notícia. O laboratório suíço Sandoz, em que Hoffmann trabalhava, foi o único produtor de LSD no mundo até 1954, quando um laboratório americano conseguiu sintetizá-lo.

No momento de sua descoberta, médicos e militares acreditavam que a droga poderia ser usada em tratamentos médicos e psicológicos ou como uma arma militar. Hoje ela é vista apenas como uma droga recreativa. Todos os usos terapêuticos do LSD foram descartados, e ele não é mais produzido por nenhum laboratório.


 Saiba mais 

Acid Dreams - The Complete Social History of LSD, Martin A. Lee e Bruce Shlain, 1986

The Search for the Manchurian Candidate, John D. Marks, W. 1975