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O CSI da vida real: A criminologia através dos séculos

Da China do século 13 a.C. à Chicago de Al Capone, confira quatro casos que mostram como agiam os criminalistas de antigamente

Álvaro Oppermann Publicado em 19/09/2017, às 10h46 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h35

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Os criminologistas revolucionaram o modo de solucionar crimes  - Shutterstock
Os criminologistas revolucionaram o modo de solucionar crimes - Shutterstock

Quando em 2000 estreou na TV americana, CSI figura presente na lista de seriados mais assistidos dos Estados Unidos, o mundo estava diante do misterioso trabalho dos criminologistas. Só para se ter uma ideia do prestígio que o programa alcançou, um de seus fãs é o cineasta Quentin Tarantino, que inclusive dirigiu o episódio de encerramento da temporada de 2005. O assunto que moveu a trama é o dia a dia no laboratório da polícia de Las Vegas, que usava a ciência para explicar crimes de difícil solução. Não faltou sangue e histórias escabrosas.

O sucesso que CSI alcançou é um exemplo moderno de um fenômeno antigo. Desde que a humanidade se entende por gente, a morte nos fascina. E, apesar de ser um trabalho literalmente sujo, o estudo de cadáveres sempre atraiu algumas das mentes mais brilhantes do mundo. Filósofos, juristas, matemáticos, físicos, químicos e, principalmente, médicos empregaram seus conhecimentos para a solução de crimes.

O primeiro livro que mostrou como a ciência podia ajudar a desvendar crimes foi escrito na China, em 1248 a.C., pelo médico e jurista Song Ci. Chama-se Xi Yuan Ji Lu (algo como "Seleta de casos de retificação da Justiça"). Na obra, o genial Song Ci mostrava, por exemplo, como distinguir um estrangulamento de um afogamento (o rompimento da cartilagem do pescoço era indício do primeiro). No Ocidente, um pioneiro na arte da investigação de crimes foi o advogado Quintiliano. Em Roma, por volta do ano 1000, ele conseguiu condenar um cego que matara a mãe, usando como prova o sangue materno na palma da mão do assassino (não foi assim uma façanha, já que, sem poder enxergar, o matricida não deve ter lavado direito as mãos).

A ciência da investigação criminal só ganhou nome e se desenvolveu para valer a partir do século 17. Na gigantesca obra Quaestiones Medico-Legales, concluída em 1651, o médico italiano Paolo Zacchia usou a expressão "medicina legal", que foi adotada nos países latinos. Já os ingleses e americanos preferem o termo "ciências forenses", que é mais amplo e inclui áreas além da medicina. Os alemães, por sua vez, gostam muito do termo "criminalística".

Hoje a ciência do crime se ramifica em especialidades como patologia, balística, toxicologia, entre outras tantas. Algumas delas são bem curiosas, como a entomologia forense, que analisa o tamanho e o tipo das larvas de insetos presentes num cadáver para verificar a hora, o local e a causa de sua morte (seu maior expoente foi um francês, Bergeret d"Arbois, que viveu no século 19). Nas legítimas histórias de detetive a seguir, você vai ver o trabalho de homens que, ao longo dos séculos, usaram a cabeça para resolver os mais cabeludos crimes.

Moscas no campo de arroz


As moscas foram fundamentais para a solução do crime 

Província de Hunan, sudeste da China, início do século 13 a.C. Um dia quente de verão. Camponeses labutam nas plantações de arroz, enquanto seus filhos correm e brincam no meio do charco. Tudo como sempre, a não ser por um detalhe: um dos trabalhadores, Li, sumira na noite anterior. De repente, ouviu-se o grito de um menino: "Olhem, olhem ali!"

Havia um corpo caído no chão. A cabeça afundada na terra úmida. Um filete de sangue do cadáver se misturava à água barrenta. Um dos agricultores mais velhos se aproximou e virou o corpo. Ao fazer isso, os demais não puderam conter expressões de horror. Era o desventurado Li, com uma dúzia de cortes profundos no peito, nos braços e na garganta.

"Espero que o senhor Song Ci venha a ter conosco", disse um ancião. Os camponeses arregalaram os olhos. "Song Ci, o destacado médico e jurista da suprema corte de Hunan?!" A corte, imaginavam, não iria se incomodar com o caso do obscuro Li. Talvez a elite pouco se importasse, mas não Song Ci. "O crime é um desequilíbrio que precisa ser corrigido", dizia.

Sem demora, o médico rumou para a aldeia do camponês morto. A arma do crime, Song Ci deduziu pelo tipo de ferimento, havia sido uma pequena foice, de uso comum dos camponeses. Ou seja, havia pelo menos 50 suspeitos no local. Song Ci não tinha pressa. Interrogou-os um a um a seu modo, tomando chá na estalagem em que se hospedara. Por que, afinal, alguém teria motivos para matar o bondoso Li? A nota destoante entre os depoimentos foi o de um certo senhor Wong: "Li... Humm ... Mau sujeito. Devia estar metido em confusão e acabou assassinado por salteadores."

Numa manhã, bem cedo, Song Ci reuniu todos os suspeitos no local do crime. Pediu que depositassem suas foices sobre a terra. Depois, sentou-se sobre uma esteira e ali ficou, sem dizer uma única palavra. Quando chegou o meio dia, no auge do calor, um bando de moscas varejeiras pousou em festa sobre uma delas. Song Ci pareceu acordar de um transe, ordenando: "Por favor, que o dono desta ferramenta se aproxime". Wong cumpriu a ordem, temeroso. "O senhor está preso pelo assassinato do camponês Li. As moscas, senhor Wong, foram atraídas pelo sangue do morto, sangue que ainda se encontra em sua foice."

Wong então confessou o crime. Estava devendo dinheiro a Li e achou que, matando-o, todos culpariam os bandoleiros que infestavam a província. "A situação estava em desequilíbrio, e agora voltou ao equilíbrio", concluiu o sábio Song Ci.

Cadáver à bolonhesa


A autópsia daria a resposta para uma cidade divida 

Naquele ano de 1302, a cidade italiana de Bolonha vivia uma época de discórdia. O povo dizia que o conde Azzolino degli Onesti tinha sido envenenado por alguém da família Lambertazzi. Aquilo não cheirava bem. Azzolino pertencia aos guelfos, grupo que defendia a supremacia do papa e da Igreja nos assuntos de Estado. Já os suspeitos Lambertazzi eram gibelinos, que achavam que o poder deveria ficar na mão dos imperadores germânicos – então em conflito com o papa. As duas facções rivais eram poderosíssimas. Muito sangue poderia jorrar caso a boataria continuasse.

Na Faculdade de Medicina (então o centro mais avançado da ciência na Europa), um conselho médico foi reunido às pressas para julgar a melhor conduta a ser tomada no caso do nobre morto. "Devemos proceder a uma autópsia", pronunciou-se com ousadia um velho professor. Houve um mal-estar entre os presentes. Uma autópsia?! Até então, ninguém ousara abrir o cadáver de uma pessoa da estatura social de Azzolino. Apenas bandidos e malfeitores eram exumados. Muitas vezes, abriam-se os corpos ainda em vida em casos de tortura ou para aumentar a dor numa execução.

Quem ousaria cortar a carne do ilustre Azzolino? Depois de hesitar, muitos médicos começaram a disputar a primazia da tarefa. Aquilo renderia fama, sem dúvida. Um dos presentes, o doutor Bartolomeo de Varignana, permanecia quieto. Foi quando um dos presentes lembrou-se do eminente médico: "Varignana é a pessoa certa para o caso, disse. Afinal, quem é o maior discípulo de Alderotti, o Florentino?" Todos ficaram em respeitoso silêncio. O médico Taddeo Alderotti, já falecido, ganhara em vida o status de mito. Nascido em Florença, ele fundara aquela escola de medicina. O poeta Dante Alighieri, seu conterrâneo e amigo, não se cansava de louvá-lo.

Munido dos instrumentos cirúrgicos da época  serrote, cinzel, escalpelo, bisturi, pinças e tesouras ,Varignana fez a autópsia, junto a dois clínicos gerais e dois cirurgiões. Ao final, aliviado, disse: "A causa mortis de Azzolino não foi envenenamento, mas uma estagnação do sangue no fígado". O glutão Azzolino abusara de alimentos gordurosos e condimentados, além de vinho. E isso provocou sua morte. Naquele dia, guelfos e gibelinos foram dormir aliviados. Para recomeçarem a briga no dia seguinte.

Desventuras em série

Afinal o que estava por trás de uma mera febre? 
- Mamãe, estou com febre de novo!

- Não se preocupe, ela já vai passar.

Poucos dias depois da seca resposta de Mary Ann Cotton, Charlie, de 7 anos, estava morto. "Pobre Mary! Todos os seus filhos morrem dessa febre gástrica. Deve ser algo no sangue da família", comentava a vizinhança em Durham, na Inglaterra. Enquanto isso, Mary ia ao cemitério enterrar mais um morto. Até aquele momento, em 1872, haviam sido 12 filhos, além de três maridos e da sua mãe. Todos vítimas da tal febre gástrica.

A Scotland Yard, a polícia inglesa, designou um investigador para ir a Durham acompanhar o caso. Uma vizinha bisbilhoteira de Mary Ann logo se prontificou a fazer um comentário. "Faz pouco tempo que a senhora Cotton mora aqui na região, mas, nas duas vezes em que eu a vi comprar arsênico para combater os ratos, dois de seus filhos adoeceram e morreram. Que Deus me perdoe. Ora, deve ser tolice minha, uma mera coincidência. Pobre senhora Cotton!"

Na época, o arsênico era usado no combate a roedores. O envenenamento por pequenas doses provoca dores de cabeça, náusea, dores no corpo e fraqueza, como descrevera em 1813 o francês Mathieu Bonaventure Orfila, considerado o pai da toxicologia. Em 1851, diante da profusão dos homicídios causados pelo veneno, o Parlamento inglês aprovara a Lei do Arsênico, proibindo a venda do pó a menores de 21 anos.

Para o olhar treinado da Scotland Yard, aquele caso não parecia coincidência. Mary Ann passou a ser investigada. Ela vivera em diversas partes do nordeste da Inglaterra, deixando um rastro de defuntos. "Vamos exumar os corpos e fazer com eles o teste de Marsh", disse o investigador. Referia-se ao teste inventado em 1836 para a detecção do veneno.

O veneno foi encontrado em todos os corpos e Mary Ann, interrogada, acabou confessando os crimes. "Matei todos para ganhar o seguro-enterro dado pela coroa. Ganha-se um bom dinheiro desse jeito. Eu sou uma pobre mulher e não tenho como me sustentar", justificou-se a assassina diante do inspetor da Scotland Yard. A opinião pública ficou chocada com a frieza de Mary, e logo a apelidou de "Dama Podre". Em 1873, Mary Ann foi enforcada. Tinha 41 anos.

O sorriso de Capone


Al Capone não deu a mínima 

Chicago estava coberta de neve naquela quinta-feira, 14 de fevereiro de 1929. Era dia de São Valentim (o equivalente americano ao Dia dos Namorados), mas beber para celebrá-lo era crime. A cidade vivia a Lei Seca, que proibia a venda de bebidas alcoólicas.

A proibição era, claro, ignorada pelos criminosos. Às 10h30 da manhã, capangas de George "Bugs" Moran, um dos chefões do tráfico de bebidas, foram buscar uísque contrabandeado num galpão da rua Clark. Era uma cilada. Foram recebidos por rajadas de metralhadoras. 

Testemunhas garantiram que homens com o uniforme de policiais haviam chegado ao local num furgão e feito os disparos a sangue frio. Para se defender da acusação, a polícia ganhou um aliado inesperado. O próprio "Bugs" Moran. O criminoso sabia quem matara seus homens: o mafioso Al Capone, seu grande rival. "Isso não foi coisa da polícia. Quem manda matar assim é aquele carcamano filho duma p...", disse. Al Capone, que na ocasião estava longe de Chicago, negou ser o mandante do massacre e riu da acusação. Continuou na sua mansão na ensolarada Flórida, bebendo martínis e apostando em corridas de cavalo.

As autoridades convocaram então o investigador Calvin Goddard, de Nova York, especialista em balística forense, a ciência que analisa projéteis utilizados em crimes. Obsessivo, Goddard havia passado anos montando um banco de dados sobre todos os tipos de armas de fogo existentes nos Estados Unidos.

As mais de 70 cápsulas de cartucho deixadas no local do crime foram logo identificadas como sendo de submetralhadoras calibre .45. A polícia possuía oito dessas armas. Agora era preciso saber se as balas extraídas dos corpos tinham saído delas. Goddard pediu a um atirador que disparasse com as submetralhadoras suspeitas contra um grande rolo de algodão. Depois, com um microscópio, comparou as ranhuras deixadas nos projéteis pelas armas da polícia com as que existiam nas balas disparadas no crime.

O resultado não batia: as marcas eram diferentes. A polícia não cometera o massacre de São Valentim. "Agora só falta achar as armas do crime", disse Goddard. E elas foram encontradas, dez meses mais tarde, na casa do assassino de aluguel Fred Burke, que fazia trabalhos regulares para Al Capone.


Kit da ciência macabra

Confira a tecnologia à disposição dos antigos criminalistas

No muque


Reprodução 

Os primeiros instrumentos usados para cortar e revirar corpos surgiram na Antiguidade, mas mudaram muito pouco até o século 19. Naquela época, quem fazia autópsias tinha que ter braços (e estômago) fortes. A sinistra serra cirúrgica, por exemplo, era usada para abrir o crânio.


Teste indiscreto


Reprodução 

O químico inglês James Marsh desmascarou muitos assassinos que usavam arsênico para fazer o serviço. Em 1836, ele inventou o teste de Marsh, que coloca um pedaço de tecido ou sangue da vítima em contato com zinco e ácido sulfúrico. A mistura é aquecida e, ao fim do processo, o veneno aparece.


Sangue que brilha


Reprodução

A invenção do químico alemão Walter Specht é uma das mais legais usadas pelos criminalistas. Em 1937, ele criou o luminol, um reagente químico que, ao ser misturado ao sangue, ganha uma cor azul fosforescente. Funciona mesmo se o local do crime tiver sido lavado.


Bala contra bala


Reprodução 

Nos anos 1920, o americano Charles Waite (colega de Calvin Goddard, pioneiro da balística) criou o microscópio de comparação, com dois conjuntos de lentes e espelhos. O equipamento permite ver, lado a lado, as características de dois projéteis  e saber se eles saíram da mesma arma.


Saiba mais

The Casebook of Forensic Detection, Colin Evans, John Wiley & Sons, 1996