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A guerra pelos direitos trabalhistas

Revolta violenta em Chicago deu origem ao Primeiro de Maio - que não é celebrado nos EUA

Redação AH Publicado em 01/05/2017, às 09h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h35

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Crianças trabalhando numa mina de carvão, 1911 - Domínio Público
Crianças trabalhando numa mina de carvão, 1911 - Domínio Público

Imagine uma mina de carvão do século 19. Deve ter vindo à sua mente uma cena mórbida: trabalhadores, incluindo crianças, encerrados em buracos por 12 horas ou mais por dia, ganhando salário de fome. Isso não foi ficção. Essas condições terríveis existiram durante o início da Revolução Industrial, por mais de um século, até serem mitigados por leis sucessivas e negociações com sindicatos. 

Mas não havia sido assim no passado. Antes da industrialização, não havia a figura do proletário. Quem trabalhava nas cidades eram artesãos, comerciantes e profissionais liberais. Todos viviam sob o domínio das guildas, ou corporações de ofício, que tinham direito, concedido pelos reis, para controlar o mercado de trabalho em sua área. Um alfaiate, por exemplo, não podia trabalhar se não fizesse parte de sua guilda. Elas estabeleciam preços e salários, tinham planos de assistência para doença ou morte, e detinham os segredos do ofício.

No campo, o trabalho era regido por tradições ancestrais. No sistema feudal, um senhor que herdava terras recebia com ela os servos, trabalhadores que não podiam ser demitidos, mas eram presos à propriedade. Um servo não era um escravo: não podia se mudar sem autorização do senhor, mas tinha o direito de trabalhar para o próprio sustento - às vezes, até fazendo dinheiro, se conseguisse. Pagava em trabalho, três ou quatro dias por semana. 

A primeira lei trabalhista do mundo foi o Ato de Saúde e Moral dos Aprendizes, da Inglaterra de 1802, que limitava o trabalho infantil e diminuía as condições insalubres na indústria de algodão. Mas a Grã-Bretanha só estabeleceu um salário mínimo e limites para a jornada de trabalho em 1998. 

A primeira lei brasileira foi o Decreto 1.313, de 1891, que regulamentou o trabalho infantil - era proibido o trabalho de crianças menores de doze anos e limitado a sete horas os das entre 12 e 13 anos. E ficou por aí: só em 1932 a coisa mudaria novamente com a criação da Carteira de Trabalho, por Getúlio Vargas, em 21 de março. Era uma formalização do contrato de trabalho, mas não veio atrelada a novos direitos. A lei completa, a Consolidação das Leis Trabalhistas, viria aos poucos e seria finalizada 11 anos depois, em 1º de maio de 1943. Ela sofreria uma grande modificação durante a ditadura militar, em 1966, quando o governo Castelo Branco derrubou a estabilidade por dez anos de serviço e instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) no lugar. 


A carteira de trabalho de Getúlio Vargas / Wikimedia Commons

Desde sua fundação, críticos afirmam que as leis brasileiras tiveram inspiração nas medidas trabalhistas da Itália fascista. Mussolini queria criar uma "terceira via", destruir a luta de classes criando uma sociedade em que trabalhadores e empregadores estariam juntos pela força do Estado - e essas leis serviam para controlar ambos os lados, filiando sindicatos ao governo. Ou talvez não seja assim: defensores dizem que Vargas simplesmente queria criar um estímulo para a industrialização. São uma das maiores polêmicas do Brasil atual: defendidas ferreamente por sindicatos e partidos de esquerda, são tidas por draconianas por entidades de empregadores - e pela direita.

Em países com leis mais liberais, como o já citado Reino Unido e os EUA, onde não há leis assim, não foi o faroeste. Foram os sindicatos que conquistaram direitos parecidos. Essas associações eram proibidas em quase todo o mundo até a segunda metade do século 19, porque eram considerados, literalmente, uma conspiração para elevar os salários. Mas as denúncias desses abusos fizeram com que o movimento trabalhista ganhasse simpatia, e os sindicatos foram liberados. Nos Estados Unidos, em 1842 - o que explica a origem no país de datas importantes como o 1º de Maio (veja abaixo). Na Inglaterra, em 1871. No Brasil, só em 1903. 

Nos países industrializados na primeira leva, a percepção hoje tem menos a ver com direitos que com a fuga das empresas para onde elas não existem ou não são aplicadas. Notavelmente, a China. E a imigração ilegal, supostamente tirando empregos dos nativos. Seja ou não uma reclamação procedente, a segunda parte empurra os trabalhadores para a direita. Foi com um discurso protecionista e anti-imigração que o populista Donald Trump chegou ao poder. 


A Revolta de Haymarket e o 1º de Maio

A organização dos trabalhadores em sindicatos ou associações era veementemente proibida pelos governos que comandavam os países europeus nos séculos 18 e 19. Assim, não era permitido qualquer tipo de protesto na porta das fábricas. “Quem participava de greves era perseguido como criminoso e podia acabar preso. Não havia regras que permitissem a organização dos trabalhadores, e sindicatos ou associações eram considerados ilegais”, afirma Gonzalez.

Em países como Inglaterra e França, os empregados se reuniam clandestinamente e, dessas reuniões, surgiram os primeiros movimentos operários, que brigariam por melhores condições de trabalho. Em 1º de maio de 1886, em Chicago, Estados Unidos, mais de 1 milhão de trabalhadores saíram às ruas para protestar. Centenas foram presos pela polícia. Três dias depois, numa assembléia na praça Haymarket, uma bomba explodiu, matando dezenas de trabalhadores e ferindo outros 200. Oito anarquistas seriam condenados, sete deles a morte, dos quais três tiveram a sentença comutada e outros quatro acabaram enforcados, em 11 de novembro de 1887. 

Mesmo se ilegais e reprimidos, os protestos resultaram em mudanças. Em 1890, o Congresso americano votou e aprovou a lei que fixava a carga horária de trabalho em oito horas.

Em várias culturas do Hemisfério Norte, inclusive os EUA, o 1º de Maio era tradicionalmente um dia de festa, o May Day, celebração com origens pagãs, comemorando a primavera. Uma das primeiras medidas da Segunda Internacional (1889-1916), organização ultra-influente de partidos socialistas e trabalhistas, foi  fixar a data como o Dia Internacional dos Trabalhadores. Esse seria o feriado mais importante da União Soviética. 

Ironicamente (ou talvez não, considerando a rivalidade com os soviéticos), nos Estados Unidos, país do incidente que deu origem à data, o 1º de Maio nunca colou. Lá existe um dia do trabalho, mas cai na primeira segunda-feira de setembro.


Saiba mais
Evolução das relações trabalhistas - Portal Brasil
A influência da Carta del Lavoro na CLT - Alexandre Chaves, Portal JusBrasil
CLT. Fundamentos ideológico-políticos: fascista ou liberal-democrática - Camille Balbinot, UFSC