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Alfredo Pires Filho: um garoto na Revolução Constitucionalista

Em 1932, aos 12 anos, o paulista testemunhou - e até teve um pequeno papel - na Revolução Constitucionalista

Danila Moura Publicado em 01/08/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

O sorriso fácil desse senhor de 88 anos esconde um verdadeiro arquivo vivo sobre a história do estado e da cidade de São Paulo. Alfredo Pires Filho, nascido em Sorocaba, interior paulista, participou ativamente da Revolução Constitucionalista de 1932. Alguém pode pensar: se ele tem hoje 88 anos, no ano da Revolução era ainda um menino de 12 anos. Como um garoto pode ter participado do conflito armado? Alfredo não chegou a pegar em armas nem se expôs aos tiroteios. Seu papel foi atuar em serviços de entrega de mensagens aos soldados paulistas, assim como fizeram vários escoteiros jovens da época. Alfredo ajudou como pôde, seguindo o exemplo da população paulista, que, unida, enfrentou as forças notadamente superiores do Exército federal.

A Revolução Constitucionalista de 1932 foi o maior confronto militar no Brasil no século 20. A revolta explodiu em julho daquele ano, quando os paulistas se rebelaram contra o presidente Getúlio Vargas, que havia abolido o Congresso Nacional e governava o País com amplos poderes. Ele havia também destituído todos os governadores dos estados e nomeado interventores. A população paulista aderiu em peso à rebelião, mas as tropas federais eram bem mais numerosas e bem equipadas. Após três meses de conflito, durante o qual cidades paulistas foram bombardeadas, a rebelião foi sufocada. Apesar da derrota, a luta dos paulistas não foi em vão. Dois anos depois, em 1934, uma assembléia eleita pelo povo promulgou a nova Constituição do País.

Anos depois, já adulto, Alfredo iria se tornar piloto de avião e instrutor de vôo no Aeroclube de São Paulo. Ele ajudou a preparar pilotos brasileiros que iriam combater os alemães na Segunda Guerra Mundial. Em sua biografia, há outro fato curioso: no final da década de 1930, ele atravessou o rio Tietê a nado, num trajeto de 5,7 mil metros – algo inimaginável nos dias de hoje por causa da poluição do rio no perímetro urbano.

Quais suas primeiras memórias referentes à Revolução de 1932?

Inicialmente, recordo-me do dia 23 de maio. Foi quando assassinaram os quatro estudantes que originaram posteriormente a sigla MMDC [Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, sigla que depois designou o movimento de resistência paulista], durante os protestos contra as intervenções de Getúlio Vargas na cidade. Eu estava nas dependências da Rádio Record e houve tiroteio na porta da emissora. Só não me lembro se houve alguma paralisação nas transmissões. Estava bem perto de onde ocorreram vários protestos, no centro de São Paulo. Antes dessa data, lembro-me do tenente Gregório e suas invasões a redações de jornais e outros estabelecimentos da cidade. Até meu pai teve seu escritório de advocacia invadido e destruído, pois havia contratado o filho de Ataliba Leonel [ex-senador pelo estado de São Paulo e que era radicalmente contra o governo Vargas] para a função de estagiário. As invasões eram iguais às da ditadura militar, violentas. Entravam chutando a porta, mesmo.

E de que forma um menino de 12 anos participou da Revolução?

Alistei-me como escoteiro da Tribo Piratininga. Servia de estafeta, fazia entregas de mensagens ou de mantimentos entre as bases de soldados na cidade. Certa vez, busquei caixotes com capacetes em uma fábrica para entregar no quartel. Lá, ganhei um capacete de presente. Coloquei-o na cabeça e cheguei em casa. Minha mãe e a cozinheira levaram um tremendo susto, ao me verem no portão de poncho e capacete aos 12 anos de idade. Mas não levei nenhum castigo e meu pai, muito amigo e compreensivo, apoiou-me totalmente.

Esse período é muito lembrado pela união da população paulista por uma causa em comum. Quais manifestações populares o senhor testemunhou?

Foi um momento muito bonito, todos tentaram ajudar de alguma forma, inclusive crianças e idosos. As escolas viraram alojamentos para soldados. As mulheres doaram jóias, durante uma campanha chamada “Ouro para São Paulo”, que visava arrecadar recursos financeiros de apoio à resistência paulista. Meus pais entregaram até as alianças. Minha mãe, com muito orgulho, exibia uma aliança de ferro usada para substituir a original. Mas não sei, era muito ouro. Não duvido que alguém tenha levado algo por fora (risos). Quando a cidade foi invadida pelas forças de Vargas, foi uma tristeza geral. Acabaram com a alegria do paulista.

Há algum outro episódio marcante?

Ah, lembro-me de quando soldados do governo invadiram minha escola, o Colégio São Bento, pois souberam que lá havia armas guardadas e poderia abrigar uma base de resistência. Na verdade, eram fuzis velhos usados nas aulas de tiro de guerra. Eram usados para exercícios com os meninos, nem balas tinham. A suspeita não tinha o menor fundamento. Presenciei também os aviões federais bombardearem o aeroporto do Campo de Marte. Os hangares tinham teto de zinco e chão de tijolos, que se estilhaçaram, parecia uma chuva de pedras. Recordo-me de as tropas gaúchas amarrarem seus cavalos no Parque Fernando Costa, ao invadirem a cidade.

E anos depois o senhor se alistou.

Eu tinha por volta de 17, 18 anos. Ajudava meu primo na função de classificador de algodão em uma espécie de órgão de agricultura do governo de São Paulo. O secretário de Agricultura do estado visitou nosso local de trabalho e perguntou se eu tinha me alistado no Exército. Soube das vantagens em me alistar e o valor do soldo, bem alto para a época. Dava até para comprar sapato de cromo alemão (risos). Mas me interessei também pela aventura. Saí correndo e pedi autorização para meu pai no mesmo dia. Fato inusitado na época, quando muitos fugiam para o mato quando eram chamados para servir (risos).

Conte sua experiência como reservista do Exército no final da década de 1930.

Fui designado para a Companhia do Batalhão de Fronteira, formada em Cáceres (MT), que seguiria para Casalvasco, fronteira com a Bolívia. Para sairmos de São Paulo até a fronteira da Bolívia foram muitas paradas. Fiquei aquartelado na região do Parque Dom Pedro, na capital, até pegarmos um trem com destino a Bauru, depois outro trem para Campo Grande. Lá ficamos na sede da 9ª Região Militar. Pregavam peças aos novatos e, como tal, tive de limpar o chão, arrancando o mato com as mãos durante horas. Depois, fomos para Porto Esperança e Corumbá, onde embarcamos no navio Etrúria, finalmente rumo a Cáceres.

O treinamento militar consistia em abrir estradas, limpar terrenos e construir campos de aviação. Cuidávamos da cadeia local, curiosamente aberta à noite. Fiquei lá por volta de oito meses, no ano de 1939. Recordo-me das festas na cidade, os soldados eram muito queridos pela população. Participei de provas de natação feitas pelos soldados. Fazia muito calor em Cáceres, voltei com cor de chocolate (risos).

O senhor participou também de provas de natação no rio Tietê, no trecho da cidade de São Paulo. Como foi isso?

Acredite, o rio Tietê aqui em São Paulo já foi muito bonito. Dava até para ver os peixinhos batendo em seus pés, tamanha a limpeza da água. Fiz a travessia de São Paulo a nado por três anos seguidos, em 1936, 1937 e 1938. Eram cerca de 5,7 mil metros. Eu representava o Clube dos Estudantes de São Paulo. Minha vitória maior era conseguir executar todo o trajeto.

E como o senhor foi parar na aviação?

Eu tinha por volta de 21 anos e queria muito me tornar piloto. Porém, o curso era caríssimo. E minha família também ficava muito preocupada em ter um filho arriscando-se nos ares. Eu dizia a minha mãe que estava jogando futebol ou nadando e almoçava na casa de minha tia. Depois pegava o bonde e ia ao Aeroclube de São Paulo, onde eu lavava e encerava aviões. Dessa forma, eu acumulava horas de vôo. O pagamento das lavagens era em talões de vôo necessários para eu tirar o brevê de aviador. Fiz posteriormente o curso de instrutor de vôo na quarta turma de monitores do Aeroclube de São Paulo.

É verdade que o senhor ministrou um curso preparatório para pilotos que foram à Segunda Guerra Mundial?

Sim, no Curso Universitário Pré-Solo de Vôo. Dávamos as noções iniciais de aviação aos pilotos, que depois eram encaminhados para o Texas e a Califórnia, nos Estados Unidos, onde teriam um treinamento mais bélico, específico para guerra. Todavia, considero o curso inicial aqui no Brasil o mais importante, pois fornecia a base. Afinal, de que adiantaria aprender a mexer em artilharia se não tivessem uma base boa de aviação?

E os pilotos que iriam para a frente de batalha estavam com medo? Ansiosos? Recorda de ter perdido algum de seus alunos na guerra?

Não, todos estavam muito felizes e sem medo. Eu me lembro de ter perdido somente um deles, que era meu amigo, na Itália. Mas não morreu em batalha, e sim atropelado por um veículo.

Tem alguma história curiosa sobre seu tempo como instrutor de vôo?

A mais divertida era sobre dois irmãos, muito insistentes, que teimavam em fazer o curso para pilotos. Mas todas as vezes que eles faziam a aproximação para o pouso... era batata! Os dois vomitavam na hora (risos). Não teve jeito, desistiram.

Qual a sua esquadrilha preferida?

Cheguei a ver de pertinho os Ratos Verdes, em 1935, esquadrilha italiana comandada por Ítalo Balbo [aviador e político italiano, morto em 1940 depois que seu avião foi abatido na Líbia – segundo alguns, a mando do ditador Benito Mussolini, que o considerava uma ameaça]. Fizeram um vôo na região do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Mostraram-se muito ágeis e talentosos. Porém, a nossa Esquadrilha da Fumaça é impecável. Pelo conjunto harmonioso, é a minha predileta. Não deve nada às melhores esquadrilhas estrangeiras.