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Ali Yahya, embaixador da paz

É o primeiro muçulmano a chefiar uma missão diplomática de Israel. Considera o extremismo a maior ameaça no Oriente Médio. E vê no respeito às diferenças o único caminho a ser seguido

Eduardo Szklarz, de Buenos Aires Publicado em 01/05/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
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Este homem se auto-intitula “mensageiro da paz” – e quem conhece sua história de perto sabe que não são meras palavras ao vento. Ali Yahya foi o primeiro cidadão árabe de Israel a entrar para a carreira diplomática e o primeiro a se tornar embaixador, em 1995, quando assumiu o posto na Finlândia. Antes disso, coordenou projetos de convivência no Oriente Médio, ajudou a arquitetar o processo de paz, chefiou o escritório israelense em Catar e integrou a delegação israelense na Organização das Nações Unidas (ONU). Ao longo de sua carreira, ele tem viajado ao redor do mundo para promover a coexistência de países e culturas, sem melhor credencial que sua própria identidade: árabe muçulmano e sionista, que nutre um profundo amor por Israel.

Nascido em 1947 em uma família de oito irmãos, Ali Yahya formou-se em História e Educação pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Foi diretor do Ulpan Akiva, um instituto de idiomas que reuniu dezenas de milhares de pessoas por meio do estudo do hebraico e do árabe. Deu aulas para visitantes de mais de cem países, entre eles parlamentares, bispos, soldados, chefes de Estado, líderes religiosos e senadores. Também lecionou em universidades, como Harvard e Tufts, e no Instituto Truman para o Avanço da Paz.

Por seu trabalho, recebeu o Israel Prize, a maior honra concedida pelo Estado de Israel, e foi premiado pelo Senado americano por seu empenho em promover a tolerância e a coexistência. Não bastassem tantas tarefas, ele ainda reserva tempo para dedicar à família. “Tenho cinco filhos. Permita-me afirmar que tenho a mulher e os filhos mais bonitos do mundo”, ele diz, com seu famoso bom humor. Ali Yahya concedeu esta entrevista por e-mail de Atenas, na Grécia, onde é embaixador atualmente.

Aventuras na História - Israel passou por grandes conflitos em cada uma de suas seis décadas de existência. Qual é sua perspectiva para a paz entre Israel e os árabes?

Ali Yahya - Infelizmente, apesar de a Declaração de Independência de Israel claramente afirmar que nós queremos viver em paz com nossos vizinhos, respeitando todas as religiões de Jerusalém, muitos países vizinhos não reconheceram Israel como uma realidade. Isso é especialmente verdade para grupos extremistas como o Hamas, a Jihad islâmica e o Hezbollah. Por outro lado, temos paz e boas relações com países árabes moderados como o Egito, a Jordânia e os Estados do Golfo. Os Estados árabes moderados e o mundo perceberam que Israel não é uma ameaça para a região. As verdadeiras ameaças são regimes e organizações extremistas. Um regime que é uma ameaça para todos os moderados é o Irã fundamentalista. O presidente [Mahmoud] Ahmadinejad não tem escondido seu desejo de destruir Israel, e o Irã está tentando desenvolver armas nucleares. Penso que Israel, os árabes moderados e a comunidade internacional concordam que ele deve ser parado. Em nossas relações com os palestinos, acreditamos nas visões moderadas de Mahmoud Abbas [presidente da Autoridade Nacional Palestina]. O Hamas, uma organização que mantém laços estreitos com o Irã e que faz parte do governo palestino, nem ao menos reconhece nossa existência. Como você pode negociar com alguém que nem reconhece o fato de que você está lá? Apesar dos problemas, devo dizer que sou um eterno otimista. Acredito que, com a ajuda da comunidade internacional, vamos chegar à mesa de negociações e normalizar nossas relações com os países árabes moderados e com os palestinos moderados, para o benefício de todos nós. Existe apenas um lugar para resolver nossos problemas, que é a mesa de negociações para nós e nossos filhos. Uma paz “ruim” é melhor que uma “boa” guerra. Se plantarmos a árvore da paz, todos desfrutaremos de sua sombra.

Hoje, quais são as maiores ameaças para o caminho da paz?

O maior obstáculo é a atitude dos extremistas. Eles precisam de problemas. Do contrário, deixariam de existir, assim como um parasita pode apenas viver na água suja. Para limpar a água, precisamos ser realistas. Israel tem deixado claro que a solução é dois Estados para dois povos, vivendo lado a lado em paz e segurança. O povo de Israel deseja a paz porque tem sofrido demais. A guerra é um desastre. Quase toda família em Israel já perdeu algum ente querido. Porém, um clima de confiança deve ser criado e os palestinos devem declarar um fim à violência. Mísseis sendo lançados da Faixa de Gaza, uma área que evacuamos totalmente, devem parar de cair sobre Israel. Não podemos criar um clima de paz com canhões. Nossas crianças nasceram para viver, não para morrer.

Qual é a avaliação que o senhor faz sobre o status de Jerusalém e as fronteiras israelenses?

Jerusalém, a capital de Israel [jamais reconhecida como tal pela ONU], é o lugar para onde convergem as três maiores religiões monoteístas do mundo – judaísmo, cristianismo e islamismo. Por isso, ela deve permanecer unida. Estamos protegendo os lugares sagrados e mantendo-os livres para todas as religiões. Não queremos destruir Jerusalém outra vez dividindo a cidade. A questão das fronteiras deveria ser resolvida por meio de negociações.A solução está lá. Conversemos por mil horas, mas sem disparar um só tiro. Palavras nunca matam ninguém. Ter conversações de paz significa criar um clima de confiança mútua. Claro que isso significa aceitar a existência de Israel como um fato. Israel não é Fata Morgana, mas uma realidade.

Quais são suas visões políticas?

Diplomatas não pertencem a partidos políticos. Pertenço a apenas um partido – meu país. Meu desejo é que todas as nações vivam em paz e com dignidade. Pertenço ao grupo que quer ver o mundo lidando com problemas reais como pobreza, desertificação, destruição do meio ambiente, exploração das mulheres etc. Creio firmemente que as nações devem aprender a se adaptar às novas circunstâncias, como a globalização. Isso é especialmente verdade para o mundo em desenvolvimento, onde deve haver programas que permitam aos países fazer frente à nova era. Creio muito na educação e no combate ao analfabetismo. Toda criança deveria ter o direito à educação e a aprender usando o computador. Nossos maiores inimigos são a ignorância e a fome. Você não pode alcançar a mente das pessoas se elas estão de estômago vazio.

Quem são os líderes, do presente e do passado, que o senhor admira?

Deixe-me antes dizer que admiro a vida e a beleza. Admiro minha maravilhosa mulher. Também respeito muito os líderes de países que tentam melhorar a vida de seu povo. Durante minha carreira, tive a sorte de ser o professor de muitos líderes em meu país. Respeito todos eles. No entanto, sem tirar nada de cada um, diria que o primeiro entre os iguais foi Yitzhak Rabin [o ex-premiê israelense], a quem admiro muito tanto como pessoa e quanto como líder. Entre os líderes internacionais, sou um grande admirador de Mahatma Gandhi e de suas visões sobre os conflitos. Como ele disse, “se seguimos uma política de um olho por um olho, no final estaremos todos cegos”.

Como o senhor se tornou embaixador?

Tornei-me diplomata depois que líderes árabes em Israel se aproximaram de Yitzhak Rabin e perguntaram-lhe por que não havia diplomatas árabes no Ministério das Relações Exteriores. Rabin concordou e abriu as portas para eles. Fui escolhido entre alguns candidatos muito bons, mas obviamente alguém pensou que eu era o melhor. Servi como embaixador na Finlândia e no Catar, e também integrei a delegação de Israel nas Nações Unidas.

Qual é o significado de ser um embaixador de Israel árabe e muçulmano? O que isso representa para o país, para os árabes israelenses e para os países árabes e muçulmanos?

Muitas pessoas não sabem que Israel é um verdadeiro arco-íris multicultural de nações, culturas e religiões. As minorias, entre árabes, muçulmanos, cristãos, drusos e circassianos, somam 20% da população israelense. Também não sou propriamente uma exceção. Há parlamentares árabes dentro de partidos sionistas. Temos oficiais de alto escalão no Exército. O ministro de Ciência e Tecnologia é árabe, assim como um juiz da Suprema Corte e muitos professores e médicos de universidades e hospitais. Participamos de cada faceta da vida diária. De acordo com a Declaração de Independência, somos iguais perante a lei. Podemos eleger dirigentes e ser eleitos para qualquer cargo. O voto de minha mãe tem exatamente o mesmo peso que o da mãe do presidente do Israel.

O senhor enfrenta resistência por parte de líderes da extrema direita e de judeus ortodoxos? E de países árabes e muçulmanos?

Até os profetas enfrentaram resistência. Não há nada 100% neste mundo. No entanto, ensinei a milhares de pessoas de todas as religiões e nações durante minha vida. Com minha personalidade, creio que tenho sido aceito como mensageiro do diálogo e da paz. A maioria das pessoas está muito orgulhosa de minha posição e pensa que sou um grande mensageiro para elas. Alguns artigos positivos também têm sido escritos sobre mim em jornais árabes, afirmando que eles têm grande respeito pela atitude de Israel de me escolher – o filho da minoria – para ser diplomata.

Quais são as perspectivas para as relações entre Brasil e Israel no futuro próximo? Aliás, o senhor já esteve no Brasil. Quais foram suas impressões?

Conheço bem o seu país. Alguns anos atrás [em 2005], tive a honra de ser recebido pelo prefeito de São Paulo [José Serra] em uma homenagem ao Dia da Independência de Israel. Também tive a chance de encontrar pessoas maravilhosas, de muitas áreas diferentes. Brasil e Israel estão desenvolvendo boas relações e existe um aumento de visitas mútuas, incluindo a de ministros e primeiros-ministros. Sei que minha estimada colega, a sra. [Tzipora] Rimon, embaixadora de Israel no Brasil, está trabalhando duro e fazendo um excelente trabalho. Há muitos campos nos quais podemos incrementar nossa cooperação. Infelizmente, nossas relações ainda estão sofrendo pelo fato de o Brasil votar contra Israel no Conselho de Direitos Humanos e na Assembléia das Nações Unidas. Mas o povo de Israel tem sentimentos muito carinhosos pelos brasileiros, sua música, sua cultura e, claro, sua seleção de futebol. Durante a Copa do Mundo, todos nós estávamos torcendo pelo Brasil. Vocês tinham de ver a quantidade de bandeiras brasileiras em Israel durante o campeonato. Meu desejo é que o sol sempre brilhe para o Brasil e para todo o seu povo.