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A cineasta de Hitler

Leni Riefenstahl inventou técnicas cinematográficas e produziu imagens com efeitos espetaculares. Além de talentosa, era linda. Nada disso bastou para libertá-la da sombra nazista

Bruno Vieira Feijó Publicado em 20/07/2009, às 11h32 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

No dia 1º de agosto de 1936, eram abertos na Alemanha os XI Jogos Olímpicos da história moderna. Pela primeira vez, a recém-inaugurada televisão transmitia para aparelhos instalados em prédios públicos de Berlim a espetacular cerimônia. Fascinado, o povo alemão viu e ouviu, ao vivo, um orgulhoso Adolf Hitler recebendo do grego Sypiridon Louis (campeão da maratona de Atenas, em 1896) um ramo de oliveira colhido nos montes de Olímpia, ao som de 100 mil vozes bradando "Heil, Hitler! Heil, Fuerher!" Todas as cenas da cerimônia foram registradas em 400 quilômetros de filme pela cineasta alemã Leni Riefenstahl.

A cobertura do evento foi uma encomenda do Comitê Olímpico Internacional, mas teve, claro, a mão de Adolf Hitler, presidente do país-sede dos jogos. Foi dele a palavra final sobre quem seria a responsável pelas imagens que terminaram se tornando um poderoso instrumento de propaganda a favor do regime nazista. Numa época de tecnologias cinematográficas incipientes, Leni soube tirar proveito da megaestrutura colocada à sua disposição. Ela inventou novas formas de olhar pela câmera, revolucionando as imagens de um jeito a que até hoje assistimos na televisão ou no fotojornalismo esportivo.

Os contornos épicos dados ao evento não se limitaram à abertura dos jogos. Seis meses antes, Leni já estava dirigindo os técnicos que cobririam as provas realizadas na piscina. Como a tecnologia ainda não permitia captar imagens ao nível da água, Leni teve a ideia de construir plataformas especiais nas bordas para os operadores de câmera, que também eram posicionados com o atleta nos saltos de trampolim e dentro da água (veja na pág. seguinte).

Nas provas de corrida, ela também inovou ao mandar cavar buracos e instalar trilhos para poder captar imagens à altura do chão. E equipou de câmeras corredores que acompanharam os atletas. Os planos ousados - focados no esforço e tensão dos competidores - e a fotografia única de Leni geraram imagens consideradas por especialistas uma aula de estética e de hipervalorização do corpo, com efeitos obtidos a partir de closes muito próximos ou de enquadramentos de baixo para cima, que davam aos atletas aspecto de estátuas gregas.

"É a glorificação da perfeição física que até hoje se irradia na propaganda, no design moderno, nos editoriais de moda. Se retirarmos a influência de Leni, provavelmente ainda estaríamos no século 19, do ponto de vista visual", diz Vicente Amorim, cineasta brasileiro que, em 2008, dirigiu o longa-metragem Um Homem Bom.

Triunfo da propaganda

A aproximação de Leni com Hitler aconteceu em 1932, quando ela dirigiu seu primeiro filme, A Luz Azul, juntamente com o húngaro Bela Balázs, um dos críticos mais influentes nos anos 30 e 40. Abordava a história de uma jovem montanhesa, representada pela própria diretora, em busca de uma pedra que projetava luminosidade singular. Antes disso, ela havia atuado como atriz em seis películas do alemão Arnold Fanck, especialista em filmes de montanha, que impressionaram muito a artista. Rodados em penhascos e em meio a avalanches, há quem diga que veio daí "o culto à monumentalidade" de Leni.

Mas foi Balázs quem apresentou a ela O Couraçado Potemkin, obra-prima do russo Sergei Eisenstein, famoso por suas teses sobre a montagem dialética, que dizem que as sensações de um filme podem ser construídas. Conversando sobre essas teorias com Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, Leni caiu rapidamente no gosto do chanceler da Alemanha, que, dizem as más línguas, sempre teve uma quedinha por ela - questionada, a diretora afirmou que, para Hitler, fez apenas documentários.

E que documentários. Depois do inexpressivo Vitória da Fé, de 1933, sobre o quinto congresso do partido nazista, ela foi convencida por Hitler a produzir um longa-metragem sobre o sexto congresso. Foi sua obra-prima e sua condenação. O encontro partidário, marcado para setembro de 1934, em Nuremberg, transformou-se no filme O Triunfo da Vontade, extraordinária peça de propaganda. A logística de produção foi apoteótica para a época: mais de 100 técnicos e 30 câmeras. Segundo a própria Leni, no documentário The Wonderful Horrible Life of Leni Riefenstahl ("A maravilhosa vida horrível de Leni Riefenstahl"), de Ray Müller, feito em 1993, Hitler queria "um filme feito por um artista, e não por um diretor de partido".

Para sua realização, ela desenvolveu truques e artifícios até então inéditos. Por exemplo, um elevador construído e encaixado entre os mastros das enormes bandeiras do partido permitiu mover a câmera da esquerda para a direita e de cima para baixo, e fazer longos travellings (quando a câmera se desloca de forma contínua). Outro recurso, diz André Piero Gatti, pesquisador do Centro Cultural São Paulo e professor de História do Cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), foram "câmeras muito próximas (close-ups) que tornaram agigantados objetos simples e contribuíram para a distorção da escala, para a captação em imagens de uma espécie de místico poder absoluto, escondendo atrás de uma beleza plástica a podridão de um regime".

Para o filósofo Paul Virilio, no livro Guerra e Cinema, "o evento foi organizado de maneira espetacular, não somente do ponto de vista de uma reunião popular, mas de modo a fornecer material para um filme de propaganda". Tudo foi determinado em função da câmera: os rostos voltados para o mesmo lugar, os braços levantados em cumprimento nazista, as ruas apinhadas de gente, que se fundem em um grande corpo, o conceito-chave da unidade alemã.

Dois anos depois é que veio o documentário Olympia, que fez dos jogos uma celebração do corpo e do Terceiro Reich. Leni era linda, talentosa e mulher, numa área dominada por homens. Mas foi a cineasta de Hitler. E a vinculação ao nazismo a perseguiu para sempre. Até a morte, aos 101 anos, em 2003, ela afirmou desconhecer os crimes cometidos por seus patrocinadores.
No fim da Segunda Guerra, a cineasta foi presa por quatro anos. Solta, tentou filmar, mas foi hostilizada pela opinião pública. Trabalhou então como fotógrafa. Nos anos 70, lançou dois livros sobre os nubas, tribo do Sudão com quem passou seis meses nos anos 60, fotografando obsessivamente. Esse material forma o que os críticos consideram seu mais importante ensaio. Cobriu os Jogos Olímpicos de Munique (1972) para a revista Time e fotografou celebridades, como Mick Jagger. Nos anos 80, mergulhou no silêncio da fotografia submarina, que resultou no filme Impressões Subaquáticas (2002).

Receita para fazer voar
Muitas câmeras para seguir o mergulho

Em 1932, houve uma tentativa de filmar os Jogos Olímpicos de Los Angeles. Mas eram poucas câmeras e para poucas modalidades. Em 1936, nos jogos de Berlim, Leni Riefenstahl produz um documentário com uma superestrutura de produção. A imagem dos mergulhadores no ar virou um marco para a foto esportiva. Operadores trocavam lentes embaixo da água para acompanhar a parte final dos saltos, criando uma sequência sem pausas, do início ao fim das provas. Hans Ertl, fotógrafo-chefe, criou uma câmera subaquática e uma plataforma de apoio para filmar ao nível da superfície. Leni subverteu o ponto de vista clássico "de plateia", em troca de ângulos inesperados.

Do trampolim

Saltos filmados em plongée (de cima para baixo) e de baixo para cima, do trampolim, dão impressão de voo. De uma plataforma ao nível da água, a câmera pega a hora do mergulho.

Do céu

Um dirigível levava uma câmera automática, com objetivas de até 600 mm, o limite máximo da época. O resultado eram panorâmicas aéreas do evento e do mergulho.

Dentro d’água

Equipamentos à prova d’água filmam o fim do mergulho. Diferentes lentes captam detalhes do músculo, da respiração e da expressão dos atletas.


Saiba mais

LIVRO

Leni - The Life and Work of Leni Riefensthal, Steven Bach, Knopf, 2007

Biografia que explora as fronteiras éticas entre arte, beleza e verdade, muito crítica às escolhas feitas pela cineasta.

SITE

http://leni-riefenstahl.de/eng/
Fotos, informações sobre a artista, críticas e dados técnicos.