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Dona Maria I - doida demais

Fanática religiosa, ela quase levou a corte portuguesa de volta à Idade Média, antes de enlouquecer misteriosamente

Reinaldo José Lopes Publicado em 01/03/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

É difícil levar a sério uma rainha cuja alcunha é “a Louca”, o que explica por que dona Maria I virou uma fi gura tão folclórica e caricata no imaginário luso-brasileiro. Mas o fato é que, de engraçada, sua biografi a não tem nada. Na verdade, a vida da rainha foi marcada pela maior sucessão de desastres da história portuguesa. Por incompetência e uma dose de má-sorte, seu reinado acelerou a decadência de Portugal. E desencadeou os eventos que levariam à perda do maior tesouro do império português: o Brasil.

Dona Maria cresceu numa época em que seu país fi nalmente parecia estar fazendo um esforço sério para se modernizar. Seu pai, dom José I, concedeu plenos poderes ao controverso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como marquês de Pombal, para tirar Portugal do atraso. A partir da metade do século 18, Pombal tentou racionalizar a economia e a sociedade portuguesas, estimulando as manufaturas, acabando com a discriminação aos cristãos-novos (judeus convertidos ao catolicismo) e expulsando os jesuítas de Portugal e suas colônias.

O marquês só não contava com a religiosidade de dona Maria I e seu marido, dom Pedro III. O primeiro ato da nova rainha, ao assumir o trono, em 1777, foi demitir o ministro e ordenar que ele deixasse Lisboa. Era o começo da chamada Viradeira, uma reação tradicionalista que tomou conta de Portugal.

PESADELOS E VISÕES

Devidamente entronada, dona Maria pôs-se a restaurar o poder e o prestígio que a Igreja tinha usufruído no país antes de Pombal – e fazia isso como se fosse uma atitude fundamental para a salvação de sua própria alma. O aristocrata britânico William Beckford, que visitou Portugal antes da fuga da família real para o Brasil, registrou em suas memórias que a rainha tinha pesadelos e visões recorrentes envolvendo a alma de seu pai. Acreditava que o falecido rei tinha sido condenado ao Inferno por ter perseguido os jesuítas.

Talvez essas alucinações fossem os primeiros sintomas da loucura que acometeria a rainha mais tarde. Mas foram duas tragédias reais, e não imaginárias, que tiraram a monarca do prumo: primeiro, a morte do marido, em 1786; dois anos depois, outra morte, a de seu fi lho mais velho e herdeiro, dom José. Aparentemente, foram as gotas d’água que faltavam para desestabilizar de vez o já precário equilíbrio mental de dona Maria I. Usando sempre enormes vestidos negros, ela corria de um lado para o outro por seus palácios, aos gritos de “ai, Jesus!”. Passou a seguir uma dieta, digamos, pouco ortodoxa (ostras com cevada, entre outras esquisitices) e a falar palavrões de modo incoerente.

Foi esse estado deplorável da mãe, que levou o príncipe dom João a assumir o papel de regente. Após a cena de humor involuntário durante a fuga da família real (a rainha teria dito a seu cocheiro algo como “Mais devagar! Vão pensar que estamos fugindo!”), dona Maria foi instalada num antigo convento de frades carmelitas no centro do Rio de Janeiro. Passou a ser levada todos os dias para um passeio de carruagem, seguida por dois cavaleiros que carregavam água e uma escadinha, caso ela quisesse descer um pouco.

Para acalmar seus surtos paranóicos, a rainha gostava de serpentear pelos morros cariocas e contar as montanhas no horizonte, ou então de ser levada até a praia de Botafogo, onde contemplava o mar quebrando na costa por algum tempo. Às vezes, dizia a seus acompanhantes que o Demônio a estava espreitando atrás do Pão de Açúcar. Com poucas mudanças nessa rotina, ela acabaria morrendo em março de 1816.

Loucura real

A rainha portuguesa provavelmente foi vítima da porfiria, uma doença que também fez enlouquecer o rei britânico Jorge III

Dona Maria I não foi a única representante da realeza européia a enlouquecer no fi m do século 18. Outro monarca, o britânico Jorge III, também colocou seu reino em polvorosa ao perder a sanidade e desenvolver sintomas como falar ininterruptamente por 19 horas e engolir a comida sem mastigar. Seus longos surtos de melancolia, parecidos com os da rainha portuguesa, levaram alguns estudiosos a supor que os dois sofriam da mesma doença, a chamada porfi ria. Trata-se de um defeito no metabolismo sangüíneo que acaba tendo repercussões no organismo inteiro – afetando, inclusive, o sistema neurológico.

Jorge III e dona Maria tiveram outra coisa em comum: os médicos. Francis Willis, que havia aplicado uma camisade- força ao soberano britânico, recebeu o equivalente a R$ 4 milhões para tentar curar a rainha de Portugal – em vão, naturalmente. Outro médico da Grã- Bretanha, James Graham, ofereceu-se para tratar dona Maria usando “banhos de terra” supostamente milagrosos, mas não foi admitido na corte.

Saiba mais

LIVRO

A vinda da família real portuguesa para o Brasil, Thomas O´Neil, José Olympio, 2007

Publicado originalmente em 1810, na Inglaterra, ganhou sua primeira edição brasileira com a tradução de um exemplar que pertence à biblioteca de José Mindlin.