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A fuga da corte portuguesa para o Brasil: Yes, nós temos nobreza

O subtítulo de 1808 diz tudo: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil.

Helena Bagnoli Publicado em 01/10/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Era uma vez uma nobre e atrapalhada família portuguesa que, por motivos de força maior, veio dar com os costados no Brasil – terra que, diga-se de passagem, lhe pertencia. O evento ocorrido há quase 200 anos poderia render um divertido sitcom. Nas mãos do jornalista Laurentino Gomes, resultou em uma obra saborosa. O livro 1808 narra um fato que, embora burlesco, resulta em episódio dos mais marcantes da história do país.

Depois de quase dez anos de pesquisa, o autor fez um dos estudos mais completos sobre o significado da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. A história vai sendo contada como uma grande reportagem, com situações realistas, em ambientes tão diversos entre si quanto eram o Brasil e Portugal ou a Inglaterra e a França do século 19.

O primeiro capítulo deixa claro que dom João VI, à época príncipe regente (sem, portanto, esse título), não tinha escolha. Ou saía de Portugal ou provavelmente seria preso e deposto por Napoleão Bonaparte, que em 1807 vivia o auge de seu poder. Ele tinha se autodeclarado imperador dos franceses havia três anos e, desde então, desenhava ambiciosos planos para conquistar a Europa – o que estava em vias de ocorrer, já que vencia os mais poderosos exércitos do continente.

Dom João não se fez de rogado e fugiu mesmo. Não apenas por isso, construiu reputação pouco fiável. Entrou para os anais como um monarca abobalhado e glutão, indeciso e enredado em cenas picarescas. O autor, porém, nos convida a perscrutar o personagem com olhos mais generosos ao nos lembrar que João não fora educado para dirigir o destino de um país e reinava em nome da mãe, dona Maria I, declarada insana e incapaz de exercer suas funções.

À parte isso, Laurentino, diretor superintendente da Editora Abril, escolhe para abrir o primeiro capítulo uma citação de Napoleão. Em suas memórias, referindo-se a dom João VI, escreveu: “Foi o único que me enganou”. A partir daí começamos a enxergar o rei como um personagem diferenciado, que, embora medroso e indeciso, fugiu lucidamente, porque essa pareceu-lhe a decisão mais sensata.

Mais adiante, ficamos sabendo que no Brasil suas providências foram mais resolutas e perspicazes. Por exemplo, a corte que aqui chegou, empobrecida, estava fragilizada e precisava de apoio. A Bahia era muito importante no cenário político da época – assim, dom João VI resolveu fazer uma parada estratégica em Salvador, antes de seguir para o Rio de Janeiro, local que sediaria a coroa. Muito diferente de uma parada provocada por acaso de percurso, como se acreditou por muitos anos.

A narração da partida da família real no dia 29 de novembro de 1807 é quase melancólica: um povo incrédulo que observava uma nobreza fujona, pressionada de um lado pelas ameaças napoleônicas e, de outro, pelos interesses econômicos da Inglaterra, maior rival de Napoleão. Os britânicos ofereciam à corte portuguesa proteção na travessia do Atlântico, em troca de livre comércio com a colônia. Portugal dobrou-se às ofertas dos ingleses, que lhes cederam para a fuga dezenas de naus, capitães e comandantes.

À população portuguesa, o monarca deixou um decreto que mandou afixar nas ruas de Lisboa. Nele, explicava que as tropas napoleônicas se aproximavam e que resistir a elas seria derramar sangue inutilmente. Por isso, mudava-se para o Rio de Janeiro e voltaria assim que a situação se acalmasse. Aqui ficou por 13 anos.

Em 1808, a narrativa vai se construindo a partir da descrição de passagens interessantíssimas baseadas em referências bibliográficas e documentos primários que revelam a extrema organização da pesquisa. Longe de um tratado acadêmico, alcança impacto de boa epopéia. As informações se cruzam, se bifurcam e se reencontram o tempo todo. E constroem um painel que resgata questões-chave do fim do século 18 e do início do 19 – sem se esquecer de estabelecer as conexões com a atualidade. Isso nos permite pensar no período com senso crítico e perceber as nuances das relações entre a colônia deslumbrada e a metrópole dirigida por uma corte destituída de qualquer valor e movida pelo ideal da riqueza fácil. O que, sem dúvida, contribuiu para engendrar uma corrupção sistêmica no Brasil – que, parece, nos acompanharia por pelo menos mais 200 anos.

Horror ao brasil

"Carlota Joaquina detestava o Brasil. (...) ‘Neste país nada resiste·, escreveu depois de chegar ao Rio de Janeiro. ‘Até as carnes salgadas não duram nada, logo apodrecem.‘ Ao embarcar de volta para Portugal, em 1821, tirou as sandálias e bateu contra um dos canhões da amurada do navio. ‘Tirei o último grão de poeira do Brasil dos meus pés‘, teria dito."

Rei com medo de siri

"Príncipe regente e, depois de 1816, rei do Brasil e de Portugal, D. João tinha medo de siris, caranguejos e trovoadas. Durante as freqüentes tempestades tropicais do Rio de Janeiro, refugiava-se em seus aposentos na companhia do roupeiro predileto, Matias Antônio Lobato. Ali, com uma vela acesa, ambos faziam orações a santa Bárbara e são Jerônimo até que cessassem os trovões."