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A fuga da família real portuguesa: bye-bye Lisboa!

Medo, correria, ruas enlameadas, muita confusão. Foi assim que a Corte despediu-se de Portugal - sem nenhuma pompa, mas a tempo de salvar a própria pele

André Luis Mansur Publicado em 01/03/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Uma das maiores tragédias da história de Portugal foi o terremoto de 1755, que arrasou a cidade de Lisboa. Cinqüenta e dois anos depois, em novembro de 1807, outro “tremor” voltava a chacoalhar o país. Desta vez, no entanto, o abalo era simbólico. A família real e toda a corte abandonavam sua terra natal, fugindo do avanço de Napoleão Bonaparte. O chão não chegou a se abrir. Mas o episódio imprimiria marcas tão profundas na história portuguesa quanto as deixadas pelo terremoto anterior.

A atabalhoada fuga de dom João e sua trupe foi decidida no dia 24 de novembro. Imagine a proporção épica da cena: algo entre 10 mil e 15 mil pessoas, na maioria de grande importância social e política, preparando-se para deixar o país, atravessar o Atlântico e ir morar numa terra completamente desconhecida. Já não bastasse a confusão instaurada, a natureza tratou de complicar a situação. Chovia sem parar em Lisboa e a lama tomava conta de todos os caminhos que levavam ao porto.

Planejado por Joaquim José de Azevedo, futuro Visconde do Rio Seco, o embarque foi caótico em todos os sentidos. Carruagens e carroças chegavam de várias partes da cidade, entulhando a zona portuária de caixotes, arcas, baús, pipas d´água e alimentos. A papelada oficial do governo acumulava-se em dezenas de caixas, assim como os 60 mil volumes da Biblioteca Real da Ajuda – entre eles, edição original de Os Lusíadas.

RAPA NOS PALÁCIOS

No palácio de Mafra, residência oficial de dom João, funcionários desmontavam adornos valiosos, tiravam quadros das paredes e recolhiam todo o ouro e a prata que podiam. Em Queluz, outro palácio real, antiguidades, porcelanas e pratarias foram amontoadas em diversas carroças. Era lá que a mãe do príncipe regente, dona Maria I, e a esposa, Carlota Joaquina, aguardavam para se juntar à comitiva em fuga, junto com os oito filhos do casal.

Dona Maria I, então com 73 anos, acabaria sendo autora da frase mais irônica dita naquele momento tão dramático. Ao reclamar da velocidade da carruagem que a transportava, teria dito ao cocheiro: “Não vá tão depressa, pensarão que estamos fugindo!” Ao chegar ao cais, não quis descer da carruagem, o que obrigou o comandante da frota a carregá-la e embarcá-la na nau capitânia. Também embarcaram a cunhada de dom João, Maria Benedita, de 61 anos, e sua tia Maria Anna, de 71.

E o príncipe regente? Bem... Consta que, preocupado com a reação do povo, fez o percurso incógnito, numa carruagem sem distinção, conduzido por um cocheiro de roupas comuns e acompanhado apenas de seu infante espanhol, Pedro Carlos. Havia um grande temor de que a população, ao descobrir o que estava acontecendo, tentasse impedir a fuga. Rumores circulavam por toda a cidade. Mas a verdade é que, momentos antes do embarque, a ficha ainda não tinha caído. Os portugueses que assistiam àquele corre-corre não acreditavam – ou não queriam acreditar – que estavam sendo deixados à própria sorte. Portugal teria de resistir aos franceses contando apenas com o apoio dos aliados britânicos. Enquanto isso, seus soberanos estariam sãos e salvos, a um oceano de distância.

Saiba mais

Livro

Império à Deriva, Patrick Wilcken, Objetiva, 2005

Com vitalidade narrativa e apuro histórico, Wilcken recria o período em que o Rio de Janeiro foi capital do império português.

Em cima da hora

Faltou pouco para os franceses pegarem dom João em Lisboa

A fuga da Corte portuguesa rumo ao Brasil estava prevista para 27 de novembro de 1807, dia em que todo mundo já estava embarcado. Mas a partida teve de ser adiada por causa do vento, que soprava forte do mar para o continente e impedia a esquadra de zarpar. A tensão a bordo era enorme. Além de mal acomodados, todos temiam a chegada das tropas francesas, que estavam a poucos quilômetros de Lisboa.

Só no dia 29 o vento mudou. Às sete horas da manhã, foi dada a ordem para levantar âncoras. Na saída da barra, uma ventania imprevista quase obrigou as embarcações a dar meia-volta. Testemunhas relatam que, quando as tropas de Junot chegaram à cidade, ainda se podia ver a frota no horizonte, carregada com metade do dinheiro circulante em Portugal.

Na correria do embarque, foi esquecida no cais a prataria recolhida das igrejas. Ela acabou confiscada e derretida pelos franceses. Também ficaram para trás os livros da Biblioteca Real. Esses, dom João felizmente voltaria a ver. Os livros foram recolhidos por religiosos e enviados para o Brasil três anos mais tarde. Eles dariam origem, no Rio de Janeiro, à Biblioteca Nacional.