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James Cook: O deus do Pacífico

O obstinado James Cook venceu a infância pobre e sem perspectivas e, desbravador do maior e mais misterioso dos oceanos, virou um herói - tanto que foi confundido com uma divindade

Fabiano Onça Publicado em 01/02/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

No século 17, as nações européias já sabiam que o mundo era redondo e que não havia abismos no fim dos mares. Navegando para o Oriente, portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses e franceses já cruzavam regularmente o cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África. O oceano Índico, caminho obrigatório para as riquezas das Índias, era conhecido de longa data por esses navegantes europeus – quer pelos registros náuticos dos árabes e hindus, quer pela crescente presença dos comboios comerciais europeus que transportavam especiarias. Do outro lado, rumando sentido oeste, o Atlântico também era familiar. O Novo Mundo era abastecido por navios abarrotados de bens das metrópoles, que voltavam carregados de produtos como peles, açúcar, tabaco e, claro, ouro, muito ouro. Das porções de água salgada que circundavam a Terra, apenas uma delas, a mais vasta de todas, permanecia praticamente um mistério para os navegadores europeus: o oceano Pacífico.

Um insuspeito britânico foi quem se atirou na arriscada tarefa de desvendar esse colosso, com mais de 155 milhões de quilômetros quadrados, ou 28% da superfície do globo. Insuspeito porque nada no começo de sua vida indicava que ele se tornaria um herói. James Cook, segundo filho de uma família de camponeses, nasceu pobre em 27 de outubro de 1728, na pequena vila de Marton, em North Yorkshire, no norte da Inglaterra e distante 16 quilômetros do mar. Não era, porém, a distância do mar que mantinha Cook afastado das águas. Na verdade, sua infância foi orientada para que, como o pai, se tornasse um agricultor. Desde os 5 anos, o pequeno James ajudava nos deveres da fazenda. Em troca, a mulher do proprietário o ensinou a ler e escrever. Mais tarde, recebeu noções de matemática na escola local, enquanto trabalhava no resto do período. Aos 12 anos, fim do privilégio: hora de largar a escola e dedicar-se totalmente ao trabalho.

De início, Cook trabalhou como servo. Aos 16, já “homem feito”, foi contratado como empregado no armazém de William Sanderson, na miserável vila de Staithes. De fato, o povoado não tinha nada de excepcional, exceto por um detalhe: foi naquele vilarejo de pescadores que Cook viu, pela primeira vez, o mar. E seu chamado provavelmente o contaminou. Tanto que Cook ainda trabalhou durante um ano e meio com Sanderson, mas o velho comerciante desistiu de tê-lo como empregado ao notar que o que o rapaz queria era lançar-se ao mar, sair da pacata vida em terra. Assim, Sanderson foi com ele até o porto mais próximo, 12 quilômetros à frente, em Whitby. Ali, apresentou-o aos Walkers, donos de uma frota de navios carvoeiros que fazia a rota até Londres em grandes barcaças. Aos 18 anos, ele embarcou no navio carvoeiro Freelove. Corria o ano de 1747. Ele finalmente alcançara o mar.

A bordo

O fato de ter botado os pés em um navio logo tornou-se pouco para Cook. As grandes e lentas barcaças carregadas de carvão, que singravam do estuário do rio Tyne, bem ao norte, até a capital, Londres, mantinham sempre o mesmo curso. Cook não queria render-se à monotonia. Seu sonho agora era tornar-se capitão de um navio. Por vontade própria, iniciou seus estudos em álgebra, geometria, trigonometria, navegação e astronomia, requisitos básicos para um comandante. “Existia uma coisa que era fortemente entranhada no capitão Cook, que era a perseverança com que ele perseguia os nobres projetos aos quais sua vida era devotada”, escreveu Andrew Kippis (1725-1795) em seu Narrative of the Voyages Round the World, Performed by Captain James Cook,(“Narrativa das viagens ao redor do globo executadas pelo capitão James Cook” inédito no Brasil).

Oito anos depois, em 1755, o rapaz que saíra do meio rural no norte da Inglaterra havia se tornado, aos 26 anos, graças a seu inacreditável esforço e habilidade, capitão da marinha mercante. Cook aprendera a navegar através da espinhosa costa leste da Inglaterra, infestada de recifes traiçoeiros, e também havia enfrentado os perigos do mar Báltico ao empreender viagens rumo a lugares distantes como São Petersburgo, na Rússia. Sua carreira como oficial da marinha mercante chegara ao ápice. Para Cook, significava que seu mundo havia ficado pequeno. Foi quando surgiu uma nova oportunidade de expansão.

Naquela época, a Inglaterra preparava-se para entrar em guerra com a França, na chamada Guerra dos Sete Anos (1756-1763). A marinha, principal arma britânica, necessitava de braços. Foi quando Cook, para surpresa de seus colegas, decidiu alistar-se. “Esse foi outro momento crucial da vida de Cook, já que ele largou o posto de capitão na marinha mercante para começar do zero, como simples marujo, na marinha de guerra”, afirma Luciano Ramalho, especialista em História Naval Militar. Em 17 de junho de 1755, ele embarcava no HMS Eagle. No mesmo mês, sua habilidade foi notada e ele, numa promoção-relâmpago, tornou-se mestre-navegador. Dois anos depois, prestou os exames para tornar-se oficial. A despeito de sua falta de nobreza, foi aprovado. Cook rompera mais uma barreira. Agora ele poderia, teoricamente, governar um dos navios de sua majestade.

Cook participou diretamente do conflito contra os franceses, que lutavam pela posse do atual Canadá. Comandando o Pembroke, fez parte do cerco naval a Québec, em 1759. Ali, sua capacidade extraordinária de observação e sua facilidade em fazer mapas brilharam pela primeira vez. Ele fez um mapa tão fiel da região do rio São Lourenço (fronteira entre Estados Unidos e Canadá) que as tropas inglesas, orientadas pelas anotações, conseguiram realizar um ataque-surpresa fulminante contra os franceses, na decisiva batalha dos Campos de Abraão.

Em 1762, aos 34 anos, Cook retornou à Inglaterra. Lá, casou-se com Elizabeth Batts e foi morar na zona leste de Londres. Com ela, teve seis filhos e tentava, ao menos em terra, levar uma vida tradicional. Aos domingos, por exemplo, podia ser visto na igreja de São Paulo, a chamada “igreja dos capitães do mar”. Entretanto, seus talentos para a cartografia, a ciência de fazer mapas, não passaram batidos para o almirantado britânico. Em 1763, Cook foi encarregado de uma tarefa duríssima: cartografar o mapa da grande ilha de Newfoundland, localizada na costa leste do Canadá. Com 108860 quilômetros quadrados (pouco maior que Pernambuco) e um litoral frio, acidentado e cheio de correntes, ela era um desafio. Durante cinco anos, deteve-se em cada reentrância e não descansou até concluir de modo brilhante sua tarefa. Nesse período, já acalentava um sonho ainda maior. Escreveu: “A ambição me leva a ir mais longe do que qualquer homem foi antes de mim, tão longe quanto eu penso ser possível”.

Para o Pacífico

A essa altura, em 1768, Cook gozava de certo prestígio junto ao almirantado, suficiente para que fosse promovido a tenente e indicado como o comandante que conduziria, a bordo do HMB Endeavour, uma expedição da Real Sociedade Científica ao Taiti. O objetivo era examinar o trânsito do planeta Vênus pelo Sol, o que, em última instância, permitiria aos astrônomos calcular a distância da Terra ao Sol. O fenômeno já havia sido insatisfatoriamente observado em 1761 em outras partes do globo. Dessa vez, os cientistas não queriam perder a chance da observação perfeita do planeta, ainda que o melhor ponto fosse do outro lado do mundo, no desconhecido oceano Pacífico. Junto com a tarefa científica, Cook recebeu ordens secretas do almirantado. Ele deveria procurar por um continente que – segundo suspeitas cartográficas – estaria localizado no Pacífico. O suposto continente tinha até nome: Terra Australis Ignota, ou Terra Austral Desconhecida. A ordem era tomar posse dele em nome da coroa britânica.

Cook pegou a rota do Atlântico. Naquela época, não existia o canal do Panamá. Ele teve que dobrar o perigoso cabo Horn, na ponta da América da Sul, para ganhar acesso ao Pacífico. Na data marcada, estava no Taiti, onde as observações astronômicas foram feitas. Cook guinou então seu navio para o sul, o que era um ato bastante arriscado. Até então, o que se conhecia do Pacífico – e mal – era uma única rota, que levava os navios das Américas até as Filipinas. “As tempestades daquela região eram poderosas o suficiente para tragar um barco em poucos minutos”, diz Ramalho. Sem encontrar continente algum, Cook virou para o oeste. E sua ousadia rendeu frutos.

Em 1769, alcançou a Nova Zelândia. A ilha já havia sido visitada pelos holandeses quase 30 anos antes, mas boa parte da tripulação tinha sido morta em luta contra os nativos maoris. Incansável, Cook fez questão de circunavegar a ilha e, em seis meses, colocá-la inteira nos mapas. Rumando mais a ocidente, Cook esbarrou na parte leste da Austrália, região completamente desconhecida. Subindo pela costa, ele foi se dando conta de que o pedacinho de terra que os holandeses previamente pouco conheciam (e que chamavam de Nova Holanda) era na verdade a grande massa de terra que ele procurava, a tal Terra Australis Ignota. Claro, a viagem teve seus perigos. O maior deles foi quando o Endeavour bateu na Grande Barreira de Corais. Os danos obrigaram-no a ficar dois meses reparando o navio.

Entretanto, quando ele finalmente retornou à Inglaterra, em 1771, a viagem compensara o risco. Em termos náuticos, Cook havia mapeado mais de 8 mil quilômetros de terras, trazendo Austrália, Nova Zelândia e Nova Guiné definitivamente para os mapas ocidentais. Os botanistas que o acompanhavam catalogaram mais de 3 mil espécies. Além disso, alguns dos marinheiros da expedição chegaram com uma novidade nos braços: tatuagens iguais às que viram nos corpos dos maoris. E Cook conseguira realizar outro grande feito, ao menos para as famílias dos marinheiros. Ele descobrira a cura para uma doença que devastava os marinheiros: o escorbuto.

Deus e morte

Em 1772, o agora capitão Cook empreendeu sua segunda viagem ao Pacífico. Dessa vez, a bordo do Resolution e com um sofisticado aparelho científico, o cronômetro, Cook alcançou o Círculo Polar Antártico, indo mais ao sul do que todos antes dele – queria tirar qualquer dúvida quanto à existência de algum grande continente desconhecido no Pacífico. Na viagem, descobriu diversas ilhotas. Foi Cook, por exemplo, o primeiro ocidental a pisar na Ilha de Páscoa, nas ilhas Marquesas, em Tonga, nas ilhas Sociedade e, claro, nas ilhas Cook. Também visitou o Taiti e a Nova Zelândia e mapeou a costa ocidental da Austrália.

Ao retornar à Inglaterra, aos 47 anos, Cook era um herói. Tornou-se Colega da Real Sociedade Científica, foi pintado para a posteridade e ganhou, na Casa dos Lordes, o título de “primeiro navegador da Europa”. Atingira a glória – e poderia gozar de uma existência tranqüila até sua morte. Mas esse não seria o capitão Cook. Em pouco tempo, já estava envolvido em outra grande dúvida científica de seu tempo: haveria uma ligação do Atlântico ao Pacífico pelo norte da América?

Em 1776, lá ia nosso herói de novo rumo ao Pacífico. Em sua viagem, foi o primeiro ocidental a pisar no Havaí e mapeou toda a costa oeste dos Estados Unidos e Canadá. Dimensionou corretamente o Alasca, passou pelas ilhas Aleutas e chegou ao estreito de Bering. Entretanto, desta feita, Cook parecia nervoso –talvez por não ter encontrado a tal ligação entre os oceanos. Ainda assim, decidiu retornar para o Havaí, para mapear o arquipélago. Por duas semanas, deu a volta à ilha principal, rodeando-a em sentido horário – o que, segundo alguns historiadores, fez com que nativos acreditassem que ele era uma encarnação de Lono, deus da paz e da prosperidade cujo festival se realizava naquela época (outros vêem nisso apenas uma visão imperialista dos fatos). Cook permaneceu um mês na ilha, sendo recebido em glória. Ao partir, o mastro principal do Resolution se rompeu, e ele retornou à ilha para reparos.

O que aconteceu então é objeto de investigação até hoje. Segundo anotações de seu diário, em 14 de fevereiro os nativos roubaram um de seus botes. Enraivecido, Cook exigiu a devolução. Não demorou para estourar uma briga entre a tripulação e um grande grupo de nativos. “Cook foi atingido na cabeça enquanto ajudava a colocar um bote na água. Ele e mais quatro marinheiros morreram na escaramuça. Seu corpo jamais foi encontrado. Provavelmente, a discussão só ocorreu porque Cook estava nervoso, já que roubos eram freqüentes nas viagens, mas eram resolvidos de outras formas”, diz Ramalho.

Seu trágico fim, entretanto, não ofuscou suas descobertas. “As observações de Cook e seus colegas tiveram um papel importante para os campos da História Natural, Astronomia, Oceanografia, Filologia e muitos outros. No século seguinte, essas viagens ajudariam a fundar disciplinas como a Antropologia e Etnologia”, afirma o professor Glyn Williams, da Universidade de Londres e autor de livros sobre Cook, como Captain Cook’s Voyages (“As viagens do capitão Cook”, inédito no Brasil). Graças a ele, a vastidão do oceano Pacífico, a última fronteira náutica, estava desbravada. Ele chegou mais longe do que qualquer homem jamais fora.

Vitória sobre o escorbuto

Cook conseguiz salvar seus marinheiros da temida doença

O escorbuto é uma doença conhecida desde a Antiguidade. Hipócrates, conhecido como “pai da medicina”, descreveu os sintomas da moiéstia: hemorragia nas gengivas, inchaço, dores nas juntas, feridas que não cicatrizam, dentes que caem e até morte. A causa, hoje conhecida, é a falta de vitamina C, presente em diversas frutas. Entretanto, na época das grandes navegações, ninguém sabia disso. Não raro, as tripulações, que passavam meses no mar comendo apenas conservas e carne salgada, eram dizimadas. Em 1520, por exemplo, Fernão de Magalhães perdeu cerca de 80% de seus homens assim.

Muita gente tentava explicar a doença: falta de sal, falta de oxigênio no corpo, maus ares... A única coisa que sabiam realmente é que, em terra, os sintomas melhoravam gradativamente (isso porque a alimentação era mais rica, mas nem isso tinha sido notado então). Cook fez seus marinheiros virarem cobaias de uma nova teoria científica, que pregava que boas condições de alimentação e alojamento combatiam a doença. Ele ordenou que os alojamentos fossem limpos regularmente e arejados. Obrigou seus marinheiros a uma dieta que incluía doses de malte, sopas, suco concentrado de frutas, vinagre, mostarda, melado e feijão. Quem se recusasse levava uma surra. Finalmente, ele ordenou que todos ficassem aquecidos e agasalhados. O resultado foi espetacular. Durante toda a viagem de quatro anos, apenas três marinheiros dos 91 caíram doentes.

Diário de bordo

Cook fez descrições precisas do que via em seus registros

Vestimentas

Ilha del Fuego, Chile, 16 de janeiro de 1769

“Sua roupa consiste basicamente de peles de lhama ou de foca, vestidas tais como foram tiradas dos animais. As mulheres vestem um pedaço de pele sobre suas partes íntimas, mas os homens não observam esse ato de decência.”

Armas

Austrália, agosto de 1770

“A arma ofensiva dos aborígenes é o dardo. Alguns simplesmente são afiados na ponta, já outros utilizam dentes de tubarão. Eles lançam o dardo com apenas uma mão. Nesse processo, eles fazem uso de uma peça fina de madeira de quase 1 metro, sobre onde apóiam a arma.”

Tatuagens

Nova Zelândia, março de 1770

“Muitos dos velhos e alguns dos homens de idade madura têm suas faces marcadas com pinturas pretas (...) Dificilmente encontrei algum jovem com essas tatuagens completas, o que me leva a pensar que isso demora muitos anos para ser feito, e que o indivíduo que as faz deve ter muita perseverança, porque a maneira como isso é feito certamente causa uma dor intolerável.”

Saiba mais

Livro

The Journals of Captain Cook, James Cook, Penguin Classics, 2000

Material bruto dos diários de viagem do capitão Cook, traz relatos de três expedições entre 1768 e 1779.