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Joyeux Noël: boa vizinhança na batalha

Intercâmbio de cigarros, comida e bebida: camaradagem entre soldados britânicos, alemães e franceses na I Guerra Mundial é o tema do filme, indicado pelos franceses ao Oscar

Lúcia Monteiro Publicado em 01/01/2006, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Em dezembro de 1914, depois de duras disputas de posições, os combates na frente ocidental na Europa cessaram. Duas linhas paralelas se estabeleceram – desde a cidade belga de Nieuport, no mar do Norte, até Belfort, no leste da França. De um lado, estavam os aliados (britânicos, belgas e franceses). A menos de 100 m de distância, os alemães. O inverno era dos mais severos, com muita chuva e neve. Nas trincheiras, inundadas, os homens tinham os sapatos e as calças molhados. Havia ratazanas aos montes e corpos estirados pelo chão. Um oficial alemão escreveu: “Amigos e inimigos buscam feno para se proteger da chuva. E não há troca de tiros”. Do outro lado, um inglês resumiu: “Nós os odiamos quando matam um dos nossos. No resto do tempo, contamos piadas sobre eles. Pobres miseráveis, estão na mesma lama que nós”.

Esse é o clima do filme Joyeux Noël, de Christian Carion, lançado em outubro de 2005 na França. A trama descreve como soldados alemães, franceses e britânicos passaram o Natal de 1914 no front. Primeiro começam a despontar pinheiros, iluminados por velas. Depois, passam a ser ouvidas as vozes dos inimigos, embriagadas, entoando canções natalinas. Um tenor alemão resolve sair no perigoso espaço que separa as duas trincheiras, para cantar. Quando acaba, os inimigos aplaudem a apresentação improvisada. Os comandantes negociam então uma trégua – necessária inclusive para que os mortos sejam enterrados. A partir daí, fica liberado o intercâmbio de cigarros, bebidas, fotografias da família, histórias e lembranças. Teve até partida de futebol.

Apesar de parecer pouco plausível numa guerra que se arrastou por 4 anos e matou quase 10 milhões de pessoas, o Natal entre inimigos realmente ocorreu. “É um fenômeno da proximidade da guerra de posição”, afirma Rémy Cazals, professor na Universidade de Toulouse-Mirail e co-autor, com Roméo Dallaire, do livro Frères de Tranchées (“Irmãos de Trincheiras”, inédito no Brasil). Cazals, que participou do filme como consultor, falou a Grandes Guerras.

Como foi sua participação no filme?

Minha função era a de conselheiro histórico. Li o roteiro, escrevi pareceres sobre a autenticidade de cada trecho, sugeri mudanças e emprestei documentos aos roteiristas.

O que achou do resultado final?

Como historiador que pesquisou e encontrou documentos sobre a I Grande Guerra, foi uma grande felicidade ver no rosto e nas atitudes de atores e figurantes a personificação daquilo que li nos arquivos.

A amizade entre inimigos na I Guerra Mundial é pouco comentada nos livros. Por quê?

Os historiadores pensavam que as tréguas eram algo marginal, que não mereciam interesse. Nosso livro mostra que há inúmeros documentos e que o fenômeno é um aspecto constitutivo da guerra de trincheiras. Comecei a estudar a guerra depois de meu doutorado, que era sobre o movimento operário. Meu primeiro trabalho sobre a Grande Guerra tenta dar a palavra aos soldados e não apenas a comandantes, jornalistas e políticos.

Alguém de sua família lutou na guerra?

Meus dois avôs. Um deles morreu em 1936, eu não o conheci. Segundo meu pai, ele sofreu muito, foi ferido e evitava falar da guerra. Conheci meu outro avô, ele também não gostava de conversar sobre isso. Deve ter sido um pesadelo.