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Mísseis, os mensageiros nada amistosos

Levar encrenca ao território inimigo é o grande papel dos mísseis, que voam cada vez mais longe para acertar seu alvo com mínima margem de erro

Carlos Chernij Publicado em 01/03/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Numa guerra, levar destruição ao território do inimigo sempre foi um bom negócio. O conceito pode ter sido inaugurado com os aviões, mas hoje nada é mais significativo do que o uso de mísseis. Bombas capazes de viajar milhares de quilômetros em poucos minutos, eles são hoje a primeira opção de ataque para destruir a infra-estrutura civil, militar e industrial e preparar o terreno para as invasões terrestres.

Os mísseis fizeram sua estréia durante a Segunda Guerra Mundial. Desde então, a tecnologia não parou de evoluir, com seus representantes de cada época marcando presença nos noticiários, como os franceses Exocets, os russos Scuds e americanos Tomahawks. Isso sem falar em seus irmãos maiores, os mísseis intercontinentais, que conseguem atingir qualquer ponto do planeta, e são a base do arsenal nuclear americano e russo.

“O que torna os mísseis diferentes de meros foguetes é sua capacidade de aliar um sistema de propulsão (o foguete ou a turbina) a sistemas que lhes permitem corrigir sua rota”, explica o engenheiro Jacques Wal­dmann, professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Quanto maior a distância a ser percorrida, maiores as chances de ele sofrer desvios. “Sem os sistemas de orientação, a chance de errar o alvo é enorme”, diz Waldmann.

Esse problema era evidente nos primeiros modelos empregados em guerras: os V-1 e V-2 alemães, utilizados durante a Segunda Guerra Mundial para atingir a Inglaterra – especialmente a cidade de Londres – a partir da costa francesa ocupada. O V-1 “Flying Bomb” é pai dos chamados mísseis de cruzeiro, que voam toda sua trajetória utilizando seus motores. Era capaz de viajar até 240 quilômetros e transportar cerca de 800 quilos de explosivos em sua ogiva. Já o V-2 foi o primeiro míssil balístico. Sua trajetória consistia em subir até grandes altitudes (mais de 150 quilômetros) com a ajuda do foguete e dos sistemas de orientação. Depois, seguia seu caminho em queda livre até o alvo, levando uma tonelada de explosivos a até 300 quilômetros de distância. Mas ambos tinham sistemas de orientação bastante primários, compostos basicamente de um altímetro, uma bússola e um giroscópio que indica­va a inclinação do míssil e ten­tava manter seu curso. O resultado era que os mísseis erravam seus alvos em mais de 20 quilômetros. Mirar qualquer coisa menor do que uma cidade era perda de tempo, já que não se sabia exatamente onde o míssil iria cair.

“Os V-1 e V-2 não foram decisivos na guerra, mas pouparam os alemães de arriscar as vidas de seus soldados e pilotos”, diz o professor Peter Zimmerman, pesquisador do programa de Estudos de Guerra do Imperial College, em Londres. “Seu grande efeito foi aterrorizar os ingleses, já que sua interceptação era praticamente impossível.” Nesse sentido, o V-2 era especialmente temível. Com sua trajetória balística, conseguia atingir velocidade até quatro vezes superior à do som, tornando-se totalmente silencioso e quase invisível. Ao longo da Segunda Guerra, os alemães dispararam cerca de 10 mil V-1 e 3,5 mil V-2 contra os aliados.

Impulso no pós-guerra

Apesar da falta de precisão, todos os envolvidos na guerra perceberam que os mísseis alemães eram armas formidáveis. Nos dez anos seguintes, americanos e soviéticos tomaram por base os V-1 e V-2 capturados dos nazistas e aperfeiçoaram a tecnologia a passos largos. O primeiro deles foi o aprimoramento do sistema de pilotagem. “Por meio de sensores mecânicos e eletrônicos, os mísseis tornaram-se capazes de determinar melhor dados como a altitude, a direção e a inclinação”, diz Waldmann. “Com base nisso, um sistema mecânico ou eletrônico vai ajustando a rota de acordo com o planejado, controlando superfícies aerodinâmicas que modificam a direção do míssil. A potência do foguete também pode ser aumentada ou diminuída, de acordo com o que for necessário.”

Só isso já seria suficiente para resolver a maior parte dos problemas dos V-1 e V-2. Mas logo surgiu outra necessidade: modificar a rota depois de o míssil ser lançado. Com isso, seria possível equipar aviões com mísseis e usá-los contra outras aeronaves – era o nascimento dos mísseis ar-ar teleguiados. “Com novos sensores, os mísseis tornaram-se capazes de rastrear o calor emitido por uma aeronave”, explica Waldmann. “Esse processo, chamado de guiagem, permite que o míssil reaja sozinho a alvos que estejam tentando fugir.”

A partir desses sistemas, a precisão au­mentou e os mísseis tornaram-se ar­mas bem mais confiáveis. Suas aplicações cresceram a uma velocidade impressio­nante. Mísseis de menor tamanho e cur­to alcance, usados por tropas terrestres ou helicópteros, viraram armas formidáveis contra tanques. Mísseis terra-terra, transportados por caminhões, podiam ser facilmente levados a diferentes locais e lançados de acordo com a necessidade. Em vez de apenas despejar bombas, os aviões agora podiam disparar mísseis que tinham boas chances de acertar um alvo específico. E logo os submarinos também se tornariam plataformas de lançamento.

“Em nenhum conflito até hoje os mísseis foram o único fator a virar o jogo num campo de batalha”, afirma Zimmerman. “Mas há vários exemplos de conflitos onde eles foram muito importantes. Os mísseis antinavios usados pelos argentinos contra os destróieres ingleses durante a Guerra das Malvinas (1982) são um deles, assim como os mísseis antitanques utilizados no conflito entre Israel e Egito em 1973 e nas duas guerras do Golfo.”

O céu é o limite

As distâncias percorridas pelos mísseis também foram aumentando. Em 1957, os soviéticos testaram o R-7, o primeiro míssil balístico intercontinental (ICBM, na sigla em inglês). Capaz de viajar até 8 mil quilômetros carregando uma ogiva de 300 quilos, era o mensageiro perfeito para bombardear os EUA com armas nucleares. Em 1959, os americanos testaram com sucesso seu próprio ICBM, e a possibilidade de as duas potências se destruírem numa guerra nuclear tornou-se mais real do que nunca.

Os ICBMs forçaram o aprimoramento do sistema de navegação, que determina com precisão em que ponto da rota se encontra o míssil. Para isso, são empregados sensores que medem, entre outros, a aceleração do ICBM e as variações na força da gravidade ao longo da rota. Juntando tudo isso com os dados do sistema de pilotagem, o computador de bordo do míssil tem condições de saber sua posição na Terra e manter sua rota sem intervenção de centros de controle externos.

Segundo os engenheiros, os mísseis podem se virar muito bem apenas com seus próprios dados. Os ICBMs Minuteman III, que compõem a maior parte do arsenal atômico dos EUA desde a década de 1960, têm atualmente uma margem de erro estimada de apenas 100 metros – mesmo depois de uma viagem de 10 mil quilômetros em cerca de 30 minutos.

Precisão cirúrgica

A evolução tecnológica também continuou nos mísseis de curto e médio alcance. Melhores sensores, guiagem via laser e radar, câmeras e sistemas de navegação baseados nos sinais da rede de satélites de GPS foram sendo incorporados. Essas novidades melhoraram ainda mais a precisão, a ponto de os EUA criarem o conceito de “bombardeio cirúrgico” – embora a quantidade de “danos colaterais” por eles causados demonstre que há ainda muitos desafios a serem vencidos. Um representante dessa geração é o míssil de cruzeiro Tomahawk, muito utilizado pelos americanos nas duas guerras no Iraque. Em vez de propulsão a foguete, ele utiliza uma turbina a jato e voa em baixas atitudes para fugir dos radares.

Outro reflexo dessa evolução foi a criação dos mísseis antibalísticos, como os Patriot que os EUA vêm instalando em pontos da Europa e do Oriente Médio. Seu objetivo é interceptar mísseis balísticos de médio alcance ou mesmo ICBMs, numa manobra que exige cálculos de rota rápidos e precisos. Os americanos vêm quebrando a cabeça com o assunto há bastante tempo, tentando achar uma forma de viabilizar seu tão sonhado escudo antimísseis. “Os americanos estão muito preocupados com a possibilidade de algum país hostil desenvolver mísseis equipados com armas nucleares capazes de atingir os EUA”, diz Zimmerman.

Apesar da paz atual, os russos também estão preocupados com a possibilidade de os Estados Unidos se tornarem ainda mais confiantes e propensos a atacar primeiro. E já avisaram que estão desenvolvendo uma nova geração de mísseis com capacidade de manobras tão superior que tornaria o atual projeto americano totalmente ineficaz. Pode até ser um blefe. Mas, em se tratando de tecnologia militar, não há invencibilidade que dure muito tempo.

A China mostra sua força

Parecia um revival da Guerra Fria. Em janeiro deste ano, a China realizou com sucesso o teste de um míssil anti-satélite, destruindo um de seus antigos satélites meteorológicos. Apenas os EUA e a URSS haviam obtido sucesso em empreitada desse tipo. O recado foi claro: americanos e russos têm superioridade estratégica por conta de seus satélites, mas não são intocáveis. “É necessária uma rede de estações de radares bastante robusta, com uma comunicação eficaz e diversos outros dados para conseguir acertar um satélite em órbita”, afirma o Waldmann. É mais um motivo para os EUA se preocuparem cada vez mais com o crescimento militar da China.

Guiados por satélites

Os mesmos sinais emitidos pelos satélites do Sistema de Posicionamento Global (GPS), utilizado para navegação civil, também são usados para guiar mísseis de curto e médio alcance. A única diferença é que os receptores civis só funcionam até 18 km de altitude e a velocidades de até 140 km/h. Embora os receptores militares sejam fornecidos aos aliados dos EUA (que controlam todos os satélites), a possibilidade de ter seus sinais suspensos ou manipulados pelos americanos no caso de um conflito que contrarie seus interesses está levando ao surgimento de alternativas.

NOVOS SISTEMAS

Os russos, em parceria com a Índia, estão revitalizando o Glonass, sistema idêntico ao GPS criado pela URSS durante a Guerra Fria. A União Européia começou a lançar os satélites do sistema Galileu, que deve se tornar operacional em 2010. O projeto contava com a participação financeira da China, que surpreendeu os europeus ao anunciar que está trabalhando num sistema próprio, chamado Beidou. Com tudo isso, existe uma certeza: ainda serão desenvolvidas muitas gerações de mísseis guiados por satélite.

Para saber mais

Livro

Thunder over the Horizon: From V-2 Rockets to Ballistic Missiles, Clayton K.S. Chun, Praeger Security International , 2006

A história, o uso e a evolução dos mísseis balísticos ao longo do tempo.