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Ocultar o corpo do inimigo é tática usada desde a Roma Antiga

O líder da Al Qaeda foi lançado ao mar pelos americanos. Surpreendente? Nem um pouco. Desaparecer com o corpo de um inimigo que pode criar problemas depois de morto, como o führer, é comum desde a Roma antiga

Vinícius Cheronibo Publicado em 25/07/2012, às 18h54 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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cultar mortos - Arquivo Aventuras
cultar mortos - Arquivo Aventuras

O cemitério de Père Lachaise fica no fim da avenue de la République e é atração turística em Paris. Ali repousam os corpos de celebridades, como Balzac, Oscar Wilde, Chopin, Maria Callas, Isadora Duncan, Allan Kardec... Mas é o túmulo de Jim Morrison, da banda The Doors, o que assusta as autoridades parisienses. Morto em 1971, aos 27 anos, Morrison se tornou uma espécie de mártir de sua geração - teria sido mesmo uma overdose ou foi uma conspiração da CIA para eliminar agitadores como ele, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Brian Jones? Sua tumba virou ponto de peregrinação, culto e vandalismo. No início de maio, quando os americanos lançaram o corpo de Osama bin Laden no mar, cortaram pela raiz a chance de seus seguidores também terem um local para pranteá-lo, para transformar em destino de peregrinação e para manter como foco de propagação de suas ideias. Se a cova de um roqueiro tinha esse poder, do que seria capaz o túmulo de um líder terrorista?


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Em geral, quando não se teme mais o inimigo derrotado, os vencedores costumam exibir seu corpo como troféu. Aquiles fez isso na Guerra de Troia, ao arrastar o corpo de Heitor - uma reação natural quando você derrota alguém que o combate há muito tempo. "Provavelmente, muitos nos Estados Unidos gostariam que Barack Obama tivesse preso o abatido Bin Laden a um carro e o arrastasse pelo empoeirado Afeganistão", afirmou o articulista Jacinto Antón, no jornal espanhol El País. "Desonrar e mutilar o líder inimigo caído, converter seu crânio em taça, cortar uma mão ou o cabelo tem sido habitual na história." O problema é quando o inimigo continua perigoso mesmo depois de morto. Nesse caso, a melhor estratégia é sumir com o corpo o quanto antes - foi assim que Roma agiu quando eliminou o general cartaginês Aníbal e Cleópatra.

No século 20, não haveria corpo mais perigoso que o de Adolf Hitler. Ele não ofereceu a oportunidade de ser preso pelos soviéticos (não queria virar troféu dos Aliados). Depois de almoçar, às 15h30 do dia 30 de abril de 1945, seguiu para seu quarto e encontrou a amante Eva Braun (com quem se casara na véspera). Ouviu-se um tiro. Sentado no sofá, Hitler estava ao lado de Eva - ela teria tomado cianureto. Funcionários leais ao ditador seguiram sua recomendação escrita e tentaram cremar os cadáveres com petróleo numa cratera ao lado do bunker. A história foi confirmada por Traudl Junge, secretária de Hitler, e Rochus Misch, seu guarda-costas (veja Misch hoje na pág. 66).

O Exército Vermelho interrogou os sobreviventes e partiu em busca do corpo do führer. Dois dias depois, encontrou o que sobrou da cremação de Hitler e Eva. Os vencedores, diferentemente do que Hitler temia, não o queriam como troféu - sabiam de seu poder mesmo depois de morto. Por isso, o material foi recolhido e enterrado na cidade de Maddeburg, na antiga Alemanha Oriental, em local conhecido por poucas autoridades. Josef Stálin, em pessoa, deu ordem para que tudo que dissesse respeito aos restos de Hitler fosse transformado em segredo de Estado. O bunker foi destruído em 1947. Ao longo dos anos, temendo que o segredo vazasse e atraísse nazistas em peregrinação, os soviéticos mudaram a tumba várias vezes, até 1970.

O general Vasily Khristoforov, arquivista-chefe do Serviço de Segurança Federal da Rússia, órgão que sucedeu a KGB depois do fim do comunismo, disse recentemente à agência Interfax que documentos da KGB comprovam a ordem de autoridades soviéticas para que os corpos encontrados no bunker fossem destruídos. Agentes teriam feito uma fogueira com o material e só pararam quando tudo virou cinzas, jogadas no rio Shoenebeck. Guardaram-se apenas uma parte de um crânio com um buraco de bala, que acreditava-se ser de Hitler, e um pedaço de mandíbula. Assistentes do dentista do führer, presos pelos soviéticos, teriam confirmado que a arcada dentária era mesmo do nazista. Aqui o mistério aumenta. O pronunciamento de Khristoforov aconteceu meses depois de cientistas americanos descobrirem que o tal crânio furado pertencia a uma mulher anônima de menos de 40 anos. Análises de DNA, feitas na Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, confirmaram que a única evidência física do suicídio de Hitler não pertencia ao ditador.

"Hitler se tornou paradigma quando se fala em algoz. Nesse contexto, ele e Bin Laden se tornam dignos de comparação", diz Ana Maria Dietrich, professora da Universidade Federal do ABC, em São Paulo.
Outro inimigo dos Estados Unidos, Che Guevara (veja ao lado), que prometia criar "um, dois, três, muitos Vietnãs", foi morto em 1967 na Bolívia e teve as mãos decepadas - para identificação por peritos forenses e para esconder sua identidade depois de enterrado. O jornalista americano Jon Lee Anderson, da revista The New Yorker, descobriu o local da cova coletiva onde estaria o corpo de Che, perto de um campo de aviação, ao entrevistar um militar boliviano reformado, em 1995. Os restos mortais foram levados para Havana e atraem milhares de cubanos e turistas estrangeiros ao seu mausoléu. "Com o enterro no mar de Bin Laden, os Estados Unidos supostamente trataram de evitar uma longa e interminável saga de ‘onde ele está enterrado?’", escreveu Anderson.

Saiba mais

Livro


Martyrdom in Islam, David Cook, Cambridge University Press, 2007
O papel dos mártires na fé islâmica. Em inglês.