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Matérias / Terrorismo

SAS britânico: O resgate perfeito na embaixada do Irã

Há exatos 39 anos, o até então pouco conhecido SAS britânico entrou em ação para libertar 25 reféns na embaixada iraniana em Londres

Danilo Cezar Cabral Publicado em 30/04/2019, às 07h00

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Crédito: Divulgação
Crédito: Divulgação

O massacre de 11 atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique em 1972 pelo grupo palestino Setembro Negro foi um evento crucial na história do contraterrorismo ocidental. Essa ação fez com que algumas nações européias aumentassem substancialmente seus recursos voltados ao contraterrorismo e resgate de reféns. O massacre de Munique deixou claro que forças policiais locais, por mais bem treinadas que fossem, não possuíam a experiência e o conhecimento para lidar com um ataque terrorista bem executado.

Na Grã-Bretanha, essa percepção resultou no refinamento das táticas e no treinamento do 22º Regimento SAS – Special Air Service – britânico. Nos anos 80, o SAS estava preparado para enfrentar qualquer tipo de ameaça terrorista, e o sucesso da Operação Nimrod – o fim do cerco à embaixada do Irã em Londres – mandou uma mensagem bem clara a todos os terroristas internacionais.

Embaixada iraniana / Crédito: Wikimedia Commons

A situação 

Três disparos de uma pistola Browning 9 mm nas portas de vidro da entrada da embaixada iraniana em Londres, por volta das 11 horas da manhã do dia 30 de abril de 1980, marcou o início do cerco levado a cabo por seis terroristas árabes fortemente armados. A única resistência que encontraram foi a do guarda do Grupo de Proteção Diplomática, Trevor Lock, de 41 anos, que ficou temporariamente sem visão por causa dos estilhaços de vidro lançados em seu rosto. Lock não conseguiu sacar o revólver Smith & Wesson sob sua jaqueta, mas acionou o alarme silencioso na lapela da camisa, alertando a central do Grupo de Proteção Diplomática da New Scotland Yard. Com o rosto coberto de sangue, Lock tornou-se um dos 25 reféns, junto ao produtor da BBC Chris Cramer e o técnico de som Simeon Harris – que estavam ali atrás de seus vistos.

Os terroristas declararam pertencer a uma organização chamada “Frente Revolucionária Democrática de Libertação do Arabistão”, uma província de etnia árabe localizada a oeste do Irã, com o nome oficial de Khuzistão. Era um movimento extremamente reprimido, pois a maioria no Irã se reconhece ou aceita a identidade persa da nação, mas o Khuzistão era marcado pela identidade árabe, que os aproximava do Iraque.

O líder e porta-voz dos terroristas, Awn Ali Mohammad, apelidado de “Salim”, fazia as seguintes exigências: a restauração dos direitos humanos para o povo do Arabistão, a liberdade, reconhecimento internacional e a autonomia da região, e a libertação de 91 prisioneiros políticos vítimas do regime do aiatolá Khomeini. Se as exigências não fossem atendidas até a tarde do dia 1º de maio, uma quinta-feira, a embaixada seria destruída por meio de explosivos juntamente com os reféns.

Irã, destacado o Khuzistão / Crédito: Wikimedia Commons

Naquela mesma manhã, o major Clive Fairweather, um escocês de Edimburgo com 36 anos, segundo na linha de comando do 22º Regimento SAS, já havia recebido duas ligações telefônicas não oficiais sobre o que poderia estar acontecendo. Um telefonema veio de um ex-colega e outro de sua noiva, informando que havia uma grande movimentação policial em Princes Gate, área conhecida por possuir embaixadas estrangeiras. Fairweather estava no “Kremlin” – sala de operações de Bradbury Lines, no quartel-general do SAS em Hereford – e uma de suas tarefas do dia era transportar a equipe de Projetos Especiais em Contraterrorismo com o codinome “Pagoda” para Catterick, em Yorkshire.

A unidade de Projetos Especiais era dividida em dois times, o Vermelho e o Azul. Após ouvir a confirmação do incidente pelo rádio, Fairweather mandou o time Vermelho para os arredores de Londres. A chegada da unidade ao local deveria ser feita em sigilo. Nas primeiras horas do dia 1º de maio, 24 homens do time Vermelho traziam seus equipamentos em veículos alugados. Eles passaram a coletar e analisar todas as informações relacionadas à “Fortaleza” – codinome dado ao prédio da embaixada.

Na manhã seguinte, após estar “convenientemente” doente e fingir um estado convulsivo, Chris Cramer foi solto pelos terroristas. A libertação trouxe informações fundamentais, como detalhes do interior da embaixada e posicionamento dos terroristas e reféns. A partir desse momento, os times Vermelho e Azul alternariam seus turnos de oito em oito horas. A polícia cortou todos os meios de comunicação da embaixada, deixando somente uma linha telefônica à disposição dos terroristas para o início das negociações.

As negociações

Os prazos dados pelos terroristas iam vencendo sem causar incidentes, mas o líder do grupo continuava a pressionar os negociadores com suas exigências. Apesar de a polícia achar que vencia a batalha psicológica, no dia 4 de maio o clima das negociações mudou. Um dos reféns, o iraniano Abbas Lavasani – chefe de imprensa da embaixada –, discutiu com o líder dos terroristas e, a partir daquele momento, tornou-se um homem marcado. No dia seguinte, por volta do meio-dia, a situação agravou-se. Os terroristas começaram a ficar cada vez mais apreensivos e “Salim” telefonou dizendo que mataria um dos reféns. Vinte e cinco minutos depois, os negociadores ouviram dois tiros dentro da embaixada.

Crédito: Getty Images

Às 18h20 do mesmo dia, mais três tiros foram disparados. O líder dos terroristas anunciou que um dos reféns tinha sido executado e que mataria um refém a cada meia hora. Dez minutos depois, a porta da frente da embaixada se abriu e o corpo de Lavasani foi lançado à rua. O cadáver foi retirado pela polícia e, após o fim do incidente, sua autópsia mostrou que tinha sido morto havia horas. Lavasani não foi vitima dos últimos três disparos, mas dos dois anteriores.

O SAS somente poderia entrar em ação se pelo menos dois reféns fossem executados. À primeira vista, isso soa como uma lógica furada, mas a razão por trás da regra era que somente uma morte “poderia ser considerada um acidente”. A primeira-ministra Margareth Thatcher deixou claro que, apesar de esperar que a polícia usasse a negociação de forma exaustiva até uma solução pacífica, os terroristas estavam sujeitos às leis britânicas e não poderiam deixar o país de maneira nenhuma. Depois da notícia da execução de Lavasani, Thatcher deu o sinal verde para o início da ação.

A ação

O plano de ação ficou acertado da seguinte forma. O grupo de assalto foi dividido em cinco times, com quatro homens cada. O time nº 1 atravessaria o telhado e colocaria dois explosivos na escadaria central do edifício. A intenção era desviar a atenção dos terroristas das outras entradas e janelas. A equipe então desceria as escadas e “limparia” o andar superior. O time nº2 faria a inserção via rapel pela parte de trás do prédio até a sacada do 2º andar, estouraria as janelas e começaria a “limpar” o andar. Já o time nº 3 entraria pelo prédio vizinho, pulando para a sacada do 1º andar na parte da frente da embaixada e efetuaria a “limpeza” do andar. O time nº 4 estouraria a porta de entrada do térreo nos fundos da embaixada, fazendo a segurança das escadas principais e a ligação com o time nº 1, enquanto o time nº 5 entraria, em seguida, pela mesma via e seria responsável por “limpar” o porão.

A detonação do explosivo nas escadarias resultou em confusão, e esse era o sinal para a entrada das equipes de maneira simultânea. Dois homens do time nº 3 colocaram seus explosivos na janela do 1º andar e, de repente, Simeon Harris apareceu na janela ao lado. Um dos operadores do SAS gritou para que ele voltasse para dentro e se protegesse da explosão. Após a detonação, o explosivo não só destruiu a janela, como também parte do piso da sacada. O time saltou o buraco e entrou na embaixada. Minutos mais tarde, Harris sairia da embaixada pela janela, ao encontro de policiais que davam suporte à operação. Todos esses acontecimentos ocorreram sob o foco das lentes de TV de todo o mundo.

Policial analisa as balas no interior da embaixada / Crédito: Reprodução

Um dos homens do time nº 2 ficou preso enquanto descia pelo rapel, e os demais membros do time iniciaram a inserção pela sacada do 2º andar, estourando a janela com marretas e lançando flashbangs (granadas de luz e estampido) na primeira sala. A detonação das granadas ateou fogo nas cortinas, e as chamas começaram a subir e a queimar as pernas do operador preso nas cordas.

Salim e o oficial Lock estavam na sala ao lado do local de entrada do time nº 3. Quando o líder dos terroristas estava prestes a atirar em um dos homens do SAS pela janela, Lock reagiu, lançando-se sobre o árabe e mantendo-o preso ao chão. A porta da sala abriu-se e dois operadores do time nº 3 entraram, tiraram calmamente o oficial do caminho e, quando o terrorista tentou se levantar, eles dispararam 15 tiros em seu peito e em sua cabeça.

Em frente à porta do escritório do embaixador, os outros dois operadores do time nº 3 deram com um segundo terrorista. O árabe levantou sua pistola, mas ficou atordoado pela flashbang lançada por um dos operadores, sendo baleado em seguida. Ferido, entrou no escritório, enquanto um dos homens do time nº 4 e outro operador do time nº3 seguiram-no. Os homens do regimento abriram fogo contra o terrorista e ele foi derrubado com 21 disparos de suas submetralhadoras HK MP5. O soldado preso nas cordas foi, então, solto por homens que estavam no telhado. Um de seus colegas seguiu um terceiro terrorista até uma das salas e, assim que entrou, viu-o tentando colocar fogo em uma pilha de papéis. Quando o terrorista tentou alcançar sua arma, o operador apertou o gatilho da MP5, mas a arma falhou. Em segundos, sacou sua pistola e saiu em perseguição do terrorista, que tentava escapar.

Nos primeiros momentos da ação, dois terroristas atiraram contra o grupo de reféns homens, que estava separado das mulheres. Acabaram matando um dos homens e ferindo gravemente outros dois. Não se sabe ao certo o que aconteceu nos minutos seguintes. Provavelmente, um cenário de grande confusão – sangue, fumaça e gritos. O fato é que o terceiro terrorista e um quarto (um dos que efetuaram os disparos contra os reféns) foram mortos na mesma sala.

Os homens do SAS formaram uma corrente humana na escadaria central da embaixada. Os reféns começaram a ser conduzidos rapidamente, pois ainda havia a preocupação de que algum explosivo fosse detonado. Enquanto guiavam o grupo das reféns, uma das garotas gritou, apontando para um quinto terrorista (que havia tentado assassinar os reféns anteriormente). O homem estava segurando uma granada. Rapidamente, um dos operadores nocauteou-o com um golpe na nuca com a coronha de sua HK. Assim que o terrorista foi ao chão, os outros soldados abriram fogo, matando o terrorista. O tiroteio diminuiu, mas o incêndio nos andares superiores foi aumentando. Dezenove reféns estavam em um dos quintais da embaixada, deitados de bruços, com as pernas abertas e as mãos amarradas para trás.

O resultado

O único sobrevivente do grupo terrorista estava entre as reféns mulheres e foi apontado por Simeon Harris, que tinha escapado pela sacada no início da operação. Os últimos times já se retiravam do prédio e a sala de operações informava que a operação tinha sido encerrada com sucesso. “Eu sempre soube que eles fariam um bom trabalho, mas nunca pensei que seria tão bom”, disse um dos comandantes.

Graças a essa operação, o futuro do Regimento estava assegurado. No entanto, uma década antes do cerco à embaixada do Irã, a unidade esteve prestes a ser dissolvida por falta de aplicação. Aquele mesmo abril de 1980 foi marcado pelo monstruoso fracasso do irmão gêmeo norte-americano do SAS, o Delta Force, durante a tentativa de resgate dos reféns na embaixada americana em Teerã.

Regimento SAS / Crédito: Reprodução

A Operação Nimrod, a ação mais importante e celebrada da história do SAS, durou somente 11 minutos. Apesar de nunca ter sido uma organização secreta, até aquele momento a maioria das pessoas não estava ciente de sua existência, e esse acontecimento provou que o “homem certo” é mais poderoso que a tecnologia e que “menor” é o tamanho perfeito para uma operação bem orquestrada e executada no mundo das forças especiais.