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Sigmund Freud: O preferido da mamãe

Sigmund Freud, o fundador da psicanálise, lamenta ter sido interpretado como um pervertido sexual e revela: o carinho recebido da mãe foi fundamental para que ele acreditasse no próprio sucesso

Juliana Parente* Publicado em 01/05/2006, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Complexo de Édipo, ato falho, inconsciente... Palavras como essas serão para sempre associadas a Sigmund Freud. Nascido em maio de 1856, em Freiberg, no então Império Austro-Húngaro (hoje Pribor, na República Tcheca), ele revolucionou o conhecimento sobre o ser humano ao criar a psicanálise - termo usado pela primeira vez em 1896. Até então, curar pessoas com a conversa parecia um absurdo. Para espanto dos médicos e pacientes, até mesmo paralisias passaram a ser revertidas sem o emprego de remédios.

Antes de ficar mundialmente famoso, o neurologista foi um dos pioneiros no uso da cocaína como substância anestésica. Mas ele nunca atingiu resultados satisfatórios e acabou abandonando as pesquisas para ficar perto da noiva, Martha Bernays, a grande paixão de Freud até morrer, em 1939, em Viena. Mas a mulher mais importante na vida do psicanalista parece ter sido mesmo a mãe, Amalie. Simpático, ele aceitou nos explicar alguns de seus conceitos.

História - A idéia para formulação do complexo de Édipo veio mesmo da leitura de Hamlet, de Shakespeare, e de Édipo Rei, de Sófocles? Ou o senhor pensou o conceito a partir da sua própria experiência como filho?

Sigmund Freud - Apaixonar-se por um dos pais e odiar o outro figuram entre os impulsos psíquicos que se formam na infância. Comigo não foi diferente. Fui o preferido de minha mãe durante toda a vida. Esse sentimento de confiança, aliás, foi determinante na minha certeza de que alcançaria o sucesso real, fora de casa.

Nem as críticas enfrentadas na Universidade de Viena abalaram essa autoconfiança?

Nem mesmo no fim da minha vida os estudos que desenvolvi foram reconhecidos em Viena. Mas eu entendo. Não é fácil ser obrigado a conviver com alguém que consegue ler os aspectos mais repulsivos e sórdidos da sexualidade em cada pequeno acontecimento. Por isso fui - e, para alguns, talvez ainda seja - visto como um pervertido sexual. Mas, se houve algo que me causou alguma mágoa, foi o rompimento com alguns colegas, entre eles Carl Jung. Minha amizade com ele nunca mais seria a mesma após ele dizer que, caso excluíssemos os temas sexuais, a psicanálise se tornaria mais aceitável.

Ao inventar o inconsciente, o senhor não obrigou os homens a conviver com o próprio fracasso? Afinal, é duro saber que jamais poderemos realizar todos os nossos desejos...

Em primeiro lugar: não fui eu quem inventou o inconsciente. Antes de mim, outros pesquisadores já trabalhavam com esse conceito. Talvez meu mérito tenha sido o de dedicar a esse tipo de pensamento a atenção que ele merece. O homem vive a desejar, só não pode ter tudo aquilo que quer - o eterno embate entre os princípios do prazer e da realidade. Mas não se engane: esses desejos proibidos não desaparecem simplesmente porque não podem ser satisfeitos. Eles continuam à espreita, esperando um instante em que possam se realizar. Essa realização também pode ocorrer de maneira indireta - e normalmente ocorre.

Por meio de um sonho, por exemplo?

Mais ou menos. O sonho é, na verdade, uma forma de expressão das emoções mantidas sob pressão durante o dia e que, durante à noite, conseguiram vir à tona. Na maioria dos casos, as imagens oníricas são resultado de fantasias sexuais inconscientes. Mas essas fantasias também podem se manifestar em fobias histéricas ou outros sintomas. Uma vez tratei uma paciente que vomitava diariamente, sem que houvesse explicação biológica para isso. Com a análise, descobrimos que o ato de vomitar estava relacionado a uma fantasia inconsciente que datava da puberdade: o desejo de estar continuamente grávida e ter inúmeros filhos. Ao pôr a comida para fora, era como se ela desse à luz todos os dias.

Isso significa que, uma vez interpretados nossos desejos, estamos livres do mal-estar, mesmo não podendo realizá-los?

Calma com as simplificações. Durante a análise, o paciente promove uma série de associações livres, falando sobre tudo o que vier à cabeça dele, por mais boba ou sem sentido que uma idéia pareça. A intenção disso é tentar acessar os conteúdos inconscientes, que deram origem àquele pensamento ou sonho que ele citou lá no começo da conversa. Daí o divã: quando se está deitado numa posição relaxada é mais fácil centrar-se em si mesmo. Poder falar sobre algo que foi recalcado, barrado pela consciência, traz, sim, um grande alívio - trata-se da catarse. Mas esse entendimento súbito, chamado insight, não é suficiente. Por isso a terapia psicanalítica pode ser longa. Ela tem por objetivo promover uma reestruturação na personalidade do indivíduo, cujas dificuldades se revelam a partir da própria relação com o analista, marcada por tensões como qualquer outra.

Às vezes, queremos dizer uma coisa e acabamos falando outra. Isso é reflexo de nossas vontades inconscientes?

Sim. Trata-se do que chamamos de parapraxias ou, como se diz no dia-a-dia, "atos falhos". Eles acontecem quando falamos, escrevemos e até quando gesticulamos - quem não se lembra de ter dito "tchau" numa ocasião que pedia uma saudação de chegada? São situações em que nossos pensamentos inconscientes conseguem driblar a censura a que estão sujeitos e acabam vindo à tona.

O senhor tem algum palpite que ajude a explicar como a psicanálise, um assunto que enfrentou tanta rejeição e preconceito, tenha conseguido uma penetração tão forte na sociedade?

Algumas das maiores e mais poderosas criações da arte constituem enigmas ainda não resolvidos pela nossa compreensão. Sentimo-nos cheios de admiração reverente por elas e as admiramos. Mas somos incapazes de dizer o que representam para nós.

*Juliana Parente é jornalista. Atualmente, tem passado bastante tempo tentando decifrar os sonhos que tem, com o auxílio inestimável de sua analista e a companhia de textos de Sigmund Freud. Para elaborar as respostas acima, usou como referência as obras completas do fundador da psicanálise.

Saiba mais

Livros

A Vida e a Obra de Sigmund Freud, Ernest Jones, Imago, 1999

Escrita em três volumes, a biografia descreve a trajetória do médico austríaco. O autor explica didaticamente os conceitos da psicanálise.

A Arte da Entrevista, Fábio Altman (organizador), Boitempo, 2004

A coletânea inclui uma entrevista concedida por Freud em 1930. Já sofrendo com o câncer que o vitimaria, ele fala sobre a proximidade da morte.