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Das traquinagens em São Borja à formação militar e anticlerical: os fatos que marcaram a vida e definiriam a trajetória do político que mais tempo passou à frente da Presidência da República do Brasil

Texto Cláudia de Castro Lima Publicado em 19/12/2012, às 18h16 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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getulio - Arquivo Aventuras
getulio - Arquivo Aventuras
<p>Naquela tarde de ver&atilde;o de 1896, na fazenda Itu, a 30 km de S&atilde;o Borja, no Rio Grande do Sul, o coronel Manuel Vargas tomava chimarr&atilde;o com um grupo de estancieiros para tratar de neg&oacute;cios e pol&iacute;tica. Um estrondo vindo de dentro da casa fez com que o bravo veterano da Guerra do Paraguai interrompesse a reuni&atilde;o e entrasse em casa para ver o que ocorrera. Era a pintura a &oacute;leo de Julio de Castilhos, considerado um her&oacute;i e um mito naquela casa republicana por ter, 7 anos antes, conspirado a favor da proclama&ccedil;&atilde;o da Rep&uacute;blica brasileira, que se espatifara no ch&atilde;o. Manuel Vargas n&atilde;o teve d&uacute;vida: aquilo era obra do terceiro de seus quatro filhos ent&atilde;o, Get&uacute;lio Dornelles Vargas.<br /><br /> Getulinho, mirrado e pequeno aos 14 anos (pequeno, ali&aacute;s, continuaria a vida toda: s&oacute; chegou a 1,57 m de altura), apavorado com o acidente que causou ao mostrar o guarda-chuva do pai ao amigo, fugiu da sala e subiu em um umbuzeiro ao lado da casa. Ficou ali, vendo o pai col&eacute;rico ordenar que pe&otilde;es dessem uma busca na fazenda. S&oacute; desceu na manh&atilde; seguinte, quando a raiva paterna tinha virado afli&ccedil;&atilde;o - ele e a mulher, dona Candoca, haviam passado a noite em claro, desesperados com o sumi&ccedil;o. Get&uacute;lio escapou do castigo e levou do epis&oacute;dio uma li&ccedil;&atilde;o: o melhor a fazer &eacute; esperar, resistir, usar o tempo como aliado at&eacute; que tudo esteja a seu favor. E ent&atilde;o descer do umbuzeiro.</p><p><img width="376" height="400" src="http://guiadoestudante.abril.com.br/imagem/getulio-12-anos-106.jpg" alt="" /><br /><br /> A li&ccedil;&atilde;o do umbuzeiro &eacute; uma das hist&oacute;rias da inf&acirc;ncia do homem que por mais tempo comandou a Rep&uacute;blica brasileira: 18 anos, somados os dois per&iacute;odos no Pal&aacute;cio do Catete. Ela est&aacute; em Get&uacute;lio, o primeiro de 3 volumes dedicados &agrave; vida do sujeito que dizia ser contra biografias, de autoria do jornalista e escritor Lira Neto e que ser&aacute; lan&ccedil;ado este m&ecirc;s. O jornalista leu dezenas de livros e teses sobre Get&uacute;lio e pesquisou em fontes prim&aacute;rias (processos judiciais, despachos diplom&aacute;ticos, folhetos, charges e at&eacute; suvenires) para tra&ccedil;ar um retrato surpreendente do pol&iacute;tico que entrou para a hist&oacute;ria do pa&iacute;s ao comandar a Revolu&ccedil;&atilde;o de 1930.<br /><br /> &quot;&Eacute; poss&iacute;vel antever em sua inf&acirc;ncia e juventude uma s&eacute;rie de caracter&iacute;sticas que condicionaram Get&uacute;lio a tomar atitudes como pol&iacute;tico&quot;, afirma Lira. &quot;O poder unipessoal, por exemplo, era natural para ele, que viu Borges de Medeiros (l&iacute;der do Partido Republicano Rio-Grandense, ao qual a fam&iacute;lia Vargas era filiada) ficar 25 anos no poder do Rio Grande do Sul. Get&uacute;lio herdou desde cedo tal germe autorit&aacute;rio. Ao mesmo tempo, &eacute; cheio de contradi&ccedil;&otilde;es, como ser um ditador que tamb&eacute;m foi o primeiro pol&iacute;tico de massas do pa&iacute;s.&quot;<br /><br /> Em S&atilde;o Borja, Get&uacute;lio gostava de brincar de guerra, reproduzindo as aventuras militares do pai, que tinha de ficar repetindo hist&oacute;rias das batalhas para o menino. Tamb&eacute;m constru&iacute;a armadilhas para animais e aprendeu, garoto, a carnear boi. Apesar das peraltices, foi uma crian&ccedil;a com sa&uacute;de delicada. Aos 2 anos, quase morreu ao tomar alguns goles de querosene. Aos 7, teve graves acessos de febre. &quot;Cresceu uma crian&ccedil;a calada, dada a longos sil&ecirc;ncios, trancafiado em seu pr&oacute;prio mundo, ao qual poucos tinham acesso&quot;, escreve Lira em Get&uacute;lio. &quot;Preferia ouvir a falar. Quando provocado, respondia de forma evasiva, quase arisca.&quot;<br /><br /> Essa reserva &eacute; tra&ccedil;o caracter&iacute;stico de sua personalidade futura: Get&uacute;lio desenvolveu um jeito bonach&atilde;o, escondendo-se atr&aacute;s do sorriso, uma esp&eacute;cie de escudo para os que se arriscavam a desvend&aacute;-lo. &quot;Tinha uma grande capacidade de postergar problemas&quot;, afirma Lira. &quot;Ele repetia muito a frase: `Deixa como est&aacute; para ver como &eacute; que fica&iquest;.&quot; Foi assim que agiu por v&aacute;rios meses, anos depois do epis&oacute;dio do umbuzeiro, em 1930. Ficou em cima da &aacute;rvore at&eacute; ter certeza de que o cen&aacute;rio era prop&iacute;cio para tomar uma atitude: decidir liderar a revolu&ccedil;&atilde;o que o levou ao poder.<br /><br /> A paix&atilde;o pelas brincadeiras militares fez com que Get&uacute;lio decidisse entrar para o Ex&eacute;rcito. Em 1898, alistou-se como soldado raso em S&atilde;o Borja. Em 1900, pouco antes de completar 18 anos, ingressou na Escola Preparat&oacute;ria e de T&aacute;tica de Rio Pardo. Para se adequar &agrave; idade exigida pela arma, rasurou a certid&atilde;o de nascimento - consta nos documentos da escola que ele nasceu em 1883, e n&atilde;o 1882. Foi um aluno acima da m&eacute;dia, que passava horas absorto em leitura, mas, ao colocar-se ao lado de cadetes que haviam brigado com um capit&atilde;o, acabou expulso do col&eacute;gio. Desapontado, decidiu trocar a farda pela Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre.<br /><br /> &quot;Aos 21 anos, o jovem de S&atilde;o Borja come&ccedil;aria a experimentar duas paix&otilde;es: a queda pelas mulheres e o ardor indisfar&ccedil;ado pela pol&iacute;tica&quot;, escreveu Lira. Get&uacute;lio come&ccedil;ou a discursar em atos oficiais - representava os estudantes de direito em seu primeiro grande discurso, no Theatro S&atilde;o Pedro, no vel&oacute;rio de Julio de Castilhos (o mesmo do quadro quebrado na inf&acirc;ncia).<br /><br /> Na faculdade, apaixonou-se por uma jovem a quem chamava de Dama de Vermelho, &quot;estranha e deslumbrante beleza feminina&quot;, conforme descreveu. Lira descobriu o nome dela: Alzira Prestes. Tudo indica que o caso n&atilde;o passou de amor plat&ocirc;nico: a mo&ccedil;a casou-se com um telegrafista. Outras musas povoaram o cora&ccedil;&atilde;o do rapaz, que as tratava por codinomes. As cartas tinham men&ccedil;&otilde;es &agrave; &quot;filha do general&quot; ou &agrave; &quot;beleza aduaneira&quot;. O que Lira descobriu, com base numa carta enviada a Get&uacute;lio por um amigo, foi que o futuro presidente n&atilde;o encontrou o amor no casamento: &quot;Nenhum de n&oacute;s se casou com a mulher que pensava amar&quot;.<br /><br /> Na faculdade, Get&uacute;lio come&ccedil;ou a apreciar charutos, h&aacute;bito que se tornaria sua marca particular. Ele chegou a fumar 8 por dia, em especial os das marcas Mil e Uma Noites e Soberano. Na formatura, como orador, fez um discurso que, por sua vontade e da fam&iacute;lia, n&atilde;o entraria para a Hist&oacute;ria, mas que o autor da trilogia descobriu e publicou. Era um libelo contra o cristianismo: &quot;a moral crist&atilde; &eacute; contra a natureza humana&quot;, &quot;o cristianismo &eacute; inimigo da civiliza&ccedil;&atilde;o&quot;, um retrocesso em rela&ccedil;&atilde;o &quot;&agrave;s grandes conquistas progressivas da humanidade&quot;. O cristianismo, para Get&uacute;lio, &quot;desnatura a grandeza da sexualidade, a uni&atilde;o dos seres numa transfus&atilde;o do magnetismo amoroso, considerado um com&eacute;rcio impuro&quot;. O texto era reflexo de suas posi&ccedil;&otilde;es anticlericais, associadas ao positivismo, em voga na &eacute;poca.</p><p><img src="http://guiadoestudante.abril.com.br/imagem/getulio-adulto-106.JPG" alt="" /><br /><br /> &quot;Mais tarde, n&atilde;o interessaria a Get&uacute;lio divulgar o ide&aacute;rio que professara na mocidade&quot;, diz Lira. &quot;Em um pa&iacute;s cat&oacute;lico, aquelas palavras permaneceriam convenientemente omitidas da opini&atilde;o p&uacute;blica por decis&atilde;o expressa do autor.&quot; Segundo Lira, o discurso estava nos arquivos da Funda&ccedil;&atilde;o Get&uacute;lio Vargas, com um bilhete da filha do pol&iacute;tico, Alzira, pedindo que n&atilde;o fosse publicado. O autor ficou em uma encruzilhada, entre o pedido dela e a import&acirc;ncia hist&oacute;rica do documento. Venceu a segunda op&ccedil;&atilde;o. Get&uacute;lio tornou-se, mais tarde, crist&atilde;o de ocasi&atilde;o. Seu casamento com Darcy, em 1911, foi s&oacute; no cart&oacute;rio. &quot;A publica&ccedil;&atilde;o do discurso &eacute; importante para compreender como Get&uacute;lio precisou moldar seu pensamento&quot;, diz Lira. &quot;Quando chegou &agrave; presid&ecirc;ncia, radicalizou a ponto de fazer da Igreja sua aliada.&quot; Em 1934, Get&uacute;lio e Darcy casaram-se no religioso, numa cerim&ocirc;nia discreta, sem a presen&ccedil;a dos filhos. No come&ccedil;o de seu governo, em 1931, a est&aacute;tua do Cristo Redentor foi inaugurada e Nossa Senhora Aparecida virou padroeira do Brasil.<br /><br /> Get&uacute;lio e amigos da faculdade fundaram, em 1907, o Bloco Acad&ecirc;mico Castilhista. Come&ccedil;ava a&iacute; sua participa&ccedil;&atilde;o na pol&iacute;tica como pica-pau (em oposi&ccedil;&atilde;o aos maragatos, federalistas). Aos 25 anos, foi eleito deputado estadual, com o aval de Borges de Medeiros, presidente (governador) do Rio Grande do Sul. &quot;Get&uacute;lio foi ocupando o papel de l&iacute;der natural entre os colegas&quot;, afirma Lira. Nessa &eacute;poca, chegou a defender em plen&aacute;rio que a divis&atilde;o do Estado em 3 poderes independentes n&atilde;o passava de &quot;um velho princ&iacute;pio metaf&iacute;sico&quot;, que precisava ser superado. &quot;A palavra `ditadura&iquest;, pelo vi&eacute;s do castilhismo-borgismo, n&atilde;o tinha valor negativo. Era sin&ocirc;nimo de hierarquia e disciplina partid&aacute;ria.&quot;<br /><br /> Em 1922, virou deputado federal. No Brasil, era a &eacute;poca da &quot;pol&iacute;tica do caf&eacute; com leite&quot;, em que se revezavam na presid&ecirc;ncia pol&iacute;ticos de S&atilde;o Paulo e de Minas Gerais. Algumas insurrei&ccedil;&otilde;es, as revoltas tenentistas, come&ccedil;aram a ocorrer no pa&iacute;s. Os revoltosos pregavam a moderniza&ccedil;&atilde;o e a moraliza&ccedil;&atilde;o dos costumes pol&iacute;ticos e apoiavam a revolu&ccedil;&atilde;o como forma de promover uma mudan&ccedil;a efetiva. Get&uacute;lio era contra os rebeldes.<br /><br /><strong>Get&uacute;lio, o galanteador</strong><br /><br /> Mesmo depois de casado, Get&uacute;lio n&atilde;o abandonou seu lado sedutor. Na &eacute;poca de deputado federal, dava suas escapadas em Porto Alegre. &quot;Sabia-se que era frequentador ass&iacute;duo do c&eacute;lebre Clube dos Ca&ccedil;adores (tamb&eacute;m chamado Centro dos Ca&ccedil;adores) - casa de divers&otilde;es masculinas que, de clube, tinha s&oacute; o nome e, de ca&ccedil;adores, a met&aacute;fora&quot;, afirma Lira Neto em Get&uacute;lio. O local era um cabar&eacute; e um cassino, que oferecia mesas de carteado, roletas e espet&aacute;culos musicais. &quot;As beldades que costumavam borboletear pelos sal&otilde;es do lugar, fossem paraguaias, argentinas ou uruguaias, eram chamadas de `francesas&iquest;.&quot; Mais tarde, como l&iacute;der do governo provis&oacute;rio, as puladas de cerca n&atilde;o cessaram. &quot;Get&uacute;lio sempre teve encontros com outras mulheres. Seu gosto pelo teatro de revista tinha muito a ver com a atra&ccedil;&atilde;o que sentia pelas vedetes, a ponto de a mais famosa dentre elas, Virg&iacute;nia Lane, querer se atribuir a gl&oacute;ria de ser a amada de Get&uacute;lio&quot;, diz Boris Fausto em Get&uacute;lio Vargas. Virg&iacute;nia, em entrevista a AVENTURAS NA HIST&Oacute;RIA, em 2007, disse que o romance durou quase 15 anos: &quot;Eu entrava e sa&iacute;a do Catete pela porta da frente!&quot; Segundo Fausto, nos meses que antecederam o Estado Novo, Get&uacute;lio viveu momentos de pura paix&atilde;o. Anotou em seu di&aacute;rio que conhecera Aim&eacute;e Sim&otilde;es Lopes, &quot;companhia alegre e inteligente&quot;. O caso durou pouco mais de um ano. Em 1938, j&aacute; sem Aim&eacute;e, escreveu sobre ela: &quot;E assim passou-se, para mim, o ano, tendo uma ponta de amargura por alguma coisa long&iacute;nqua, que era a minha fina raz&atilde;o de viver&quot;.<br /><br /><strong>Saiba mais<br /><br /> Livros</strong><br /><br /><em>Get&uacute;lio, Lira Neto, Cia. das Letras, 2012; Get&uacute;lio Vargas - O Poder e o Sorriso, Boris Fausto, Cia. das Letras, 2006, Get&uacute;lio Vargas - Os Grandes L&iacute;deres, Bolivar Lamounier, Nova Cultural, 1997</em></p>