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A repórter norte-americana Nellie Biy quis repetir a viagem inventada por Júlio Verne. Conseguiu chegar ao ponto de partida antes do personagem Phileas Fogg

Texto Marina Ribeiro Publicado em 11/12/2013, às 15h52 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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A viagem de Júlio Verne de volta ao mundo em 72 dias - Arquivo Aventuras
A viagem de Júlio Verne de volta ao mundo em 72 dias - Arquivo Aventuras

O estômago estava embrulhado. Olhando para baixo, na amurada do navio sobre o Atlântico, deu vazão ao desconforto. Ela enxugou os olhos marejados, mas a náusea continuava. O barco mal deixara o porto de Hoboken, nos Estados Unidos. Quando se virou, viu sorrisos no rosto de outros passageiros no convés. "E ela vai viajar ao redor do mundo!", comentou um homem com sarcasmo. Apesar de ter se juntado às gargalhadas, foi nesse momento que a repórter norte-americana Nellie Bly percebeu o tamanho de sua ousadia de tentar a dar a volta ao mundo. Ela nunca tinha viajado de navio. Foi a primeira vez que considerou a possibilidade de não ser bem-sucedida na empreitada. E ainda faltavam mais de 27 mil quilômetros para percorrer de barco.



A ideia de dar a volta ao mundo surgiu em uma noite de domingo, mais de um ano antes, no outono de 1888. Enquanto buscava sugestões de reportagens para o jornal The New York World, de Joseph Pulitzer, Nellie percebeu que queria mesmo era estar no outro extremo do globo. E logo pensou que, após trabalhar anos sem nunca tirar férias, o ideal seria fazer com que o jornal a enviasse para lá. Após 15 anos da publicação de A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne, viajaria ao redor do planeta para tentar bater o recorde de 1 920 horas de Phileas Fogg, o protagonista do livro. Ao apresentar a proposta, descobriu que o jornal já tinha planos de enviar um homem na jornada. Afinal, "uma mulher precisa de um protetor, e mesmo que fosse possível viajar sozinha precisaria levar tanta bagagem que perderia muito tempo nas rápidas mudanças ", disse George Turner, diretor comercial do jornal.

Nellie já estava habituada a ouvir o que uma garota deveria ou não fazer. Nascida Elizabeth Jane Cochran, em 5 de maio de 1864, logo aprendeu a enfrentar desafios. Era órfã de pai desde os 6 anos e viu a fortuna da família virar pó. Aos 16, mudou-se para Pittsburgh, onde ajudava a mãe com tarefas da casa, que abriram a pensionistas para complementar a renda.

Aos 21 anos, Elizabeth leu um editorial no The Pittsburgh Dispatch, "Para que meninas são boas". O artigo repreendia mulheres até por tentar ter educação ou carreira, sugerindo que deveriam ficar em casa. Isso a enfureceu a ponto de escrever uma carta ao jornal, assinando como "Orfãzinha". O editor George Madden ficou tão impressionado com a resposta que colocou um anúncio para que a órfã fosse visitar a redação e ofereceu-lhe a oportunidade de fazer um texto de resposta.

Elizabeth foi para casa e escreveu seu primeiro artigo, "O enigma feminino". Madden lhe ofereceu trabalho como jornalista sob o pseudônimo de Nellie Bly (nome de uma canção popular da época). A jornalista Brooke Kroeger, autora da biografia Nellie Bly ¿ Daredevil, Reporter, Feminist (sem tradução), afirma que Nellie não era nenhum gênio e nem uma escritora primorosa. "Ela era apenas alguém que conseguia executar o que quisesse."



Chegar primeiro

"Enviem um homem e eu começarei no mesmo dia por algum outro jornal e chegarei antes", disse Nellie. John Cockerill, editor-chefe do The World, já a conhecia bem o bastante para saber que ela não estava blefando. Após receber a oferta de outro viajante para fazer a viagem ao redor do mundo em menos de 80 dias, os editores do The World perceberam que corriam o risco de outra publicação bancar a aventura antes deles. No dia 11 de novembro de 1889, Nellie Bly foi convocada às pressas ao jornal. "Você pode começar a rodar o mundo depois de amanhã?", perguntaram. "Posso começar neste minuto", respondeu.

Na manhã seguinte, ela se encontrou com o estilista William Ghormley requisitando um vestido para aquela noite, que "aguente o desgaste constante de uso por três meses". Às 5 da tarde, ela estava fazendo a prova final de uma peça feita com pelo de camelo. Para complementar, comprou um casaco xadrez e uma bolsa de mão. Conseguiu reunir numa mala pequena roupas íntimas, papéis, canetas e tinta, itens de higiene, copo, garrafinha, chinelos, roupão, lenços, casaco, chapéu e um hidratante para o frio, o maior item da bagagem. "O mais aventureiro, mais do que qualquer parte específica de sua viagem, foi a própria ideia de fazê-la - e levando apenas uma bolsa!", diz Matthew Goodman, autor de Eighty Days: Nellie Bly and Elizabeth Bisland's History-Making Race Around the World (sem tradução).


Bênção de Verne

O clima ruim fez com que o desembarque na Inglaterra atrasasse. Se perdesse o trem da noite para Londres, estaria atrasada para todos os demais embarques. Por intervenção do correspondente local Tracey Greaves, pôde tomar o trem que levaria a correspondência para a capital inglesa, de onde rumou para a França. Graças a um desvio de rota e a decisão de perder duas noites de sono, encontrou o autor que a inspirara a viajar.

Em Amiens, Júlio Verne abriu sua casa à repórter e se interessou por qual seria a trajetória. "Por que você não vai a Mumbai, como meu herói Phileas Fogg?", perguntou o francês. "Porque estou mais ansiosa para chegar com rapidez do que em salvar uma jovem viúva", disse Nellie, fazendo referência à indiana Aouda, salva pela intervenção do viajante do livro.

Da França, partiu para Brindisi, na Itália, de onde faria a travessia do Mediterrâneo a bordo do navio Victoria. Poucos dias após ter embarcado, surgiu um rumor de que Nellie seria uma herdeira norte-americana viajando com uma escova de cabelos e uma carteira recheada. Isso fez com que dois passageiros propusessem casamento a ela. Os dias passavam e Nellie seguia seu roteiro por portos sob domínio britânico. No Sri Lanka, o antigo Ceilão, ela teve uma infeliz surpresa. Uma parada rápida acabou se arrastando por cinco dias. Ao deixar Colombo a caminho de Hong Kong, a embarcação enfrentou uma monção, mas, ainda assim, chegaram ao destino com dois dias de antecedência.


Competidora

"Qual é o seu nome?", perguntou a ela um homem do escritório de navegação em Hong Kong. "Você vai perder", afirmou o rapaz. "O quê? Acho que não. Compensei meu atraso", ela disse. "Você não está fazendo uma corrida ao redor do mundo?", quis saber. "Sim, estou em uma corrida contra o tempo", retrucou Nellie. "Tempo? Não acho que seja o nome dela. A outra mulher vai ganhar. Partiu daqui há três dias", disse o jovem. A "outra mulher" era Elizabeth Bisland, que também partiu de Nova York no dia 14 de novembro. Ela era a desafiante da revista Cosmopolitan. "Prometi ao editor que iria dar a volta ao mundo em 75 dias, e se conseguir isso estarei satisfeita. Não estou competindo com ninguém. Se alguém quiser fazer a viagem em menos tempo, que se preocupe com isso", disse.

Para piorar, ela ainda teria de ficar parada por cinco dias na China. Do continente para Yokohama, no Japão, tudo foi rápido e tranquilo. O mesmo não pode ser dito dos primeiros dias no Pacífico. Desembarcou em São Francisco duas semanas depois.

Nos EUA, Nellie percorreu o país em um trem fretado pelo jornal para que completasse a viagem e chegou ao seu destino, Nova Jersey, em 25 de janeiro de 1890, quebrando todos os recordes de circum-navegação. "A volta ao redor do planeta tornou Nellie Bly uma celebridade mundial, mas no geral teve um efeito negativo sobre a sua carreira como jornalista", afirma Goodman. Segundo ele, Bly se tornou muito famosa para continuar a trabalhar como repórter infiltrada. Pouco depois, casada, abandonou o jornalismo. A aposentadoria só foi quebrada no século 20. Nellie foi a primeira mulher a atuar como correspondente na Primeira Guerra Mundial.

Saiba mais

LIVRO

Around the World in Seventy-Two Days, Nellie Bly, Lightning Source, 2008