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Vietnã: quem ganhou (ou perdeu) a guerra?

Há muitos americanos que ainda acreditam na vitória no Vietnã

Ricardo Bonalume Neto Publicado em 01/01/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
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Como foi possível à maior potência militar do século 20 empenhar-se cerca de 15 anos em uma luta, gastar mais de 200 bilhões de dólares, perder 58 mil soldados e terminar derrotada? A intervenção americana no Vietnã foi esse desastre que moldou todas as outras guerras travadas pelos Estados Unidos dos anos 1970 até agora. Basta ver as comparações cada vez mais freqüentes entre o conflito na Indochina e este que está acontecendo agora no Iraque, notadamente sobre as “estratégias de saída” – expressão cunhada na época e que agora volta ao vocabulário político-militar.

Existem várias correntes de historiadores tentando explicar o motivo, entre elas uma linha ultra-revisionista e até mesmo uma que acha que, na realidade, os americanos é que ganharam a guerra...

Derrota sem vencedor?

Um livro altamente revelador contém os relatos de uma conferência sobre o tema, com o interessante título Why the North Won the Vietnam War (“Por que o Norte Ganhou a Guerra do Vietnã”), editado pelo historiador Marc Jason Gilbert. O título pode parecer óbvio, mas há muitos nos EUA ainda que acreditam que, na verdade, foram eles que “perderam”, sem que o inimigo tivesse “vencido”.

Gilbert dá um bom exemplo desse estado de espírito lembrando uma discussão que houve depois da Guerra Civil Americana (1861-1865) entre generais do lado perdedor, os confederados do Sul. Eles debatiam sobre os motivos que imaginavam ter sido responsáveis pela derrota: falta de visão estratégica, erros táticos em batalhas, supremacia material do inimigo ianque (o Norte). O general sulista mais ilustre presente, George Pickett, estava quieto no seu canto. Perguntaram a ele sua opinião sobre a derrota. “Cavalheiros, eu sempre achei que os ianques tiveram algo a ver com ela”, disse de modo brusco.

A primeira e razoavelmente óbvia constatação é que não houve uma causa básica da derrota – e que foi, de fato, isto: uma derrota. Guerra é o confronto entre duas vontades, e isso vale tanto para a tradição de pensamento ocidental, tipificada pelo prussiano Carl von Clausewitz, como para a oriental, magistralmente representada pelo chinês Sun-Tzu.

Os EUA queriam preservar seu aliado, o Vietnã do Sul capitalista. O Vietnã do Norte, comunista, e os guerrilheiros vietcongues queriam unificar o país em um estado marxista-leninista. O Norte ganhou em 1975 e os últimos americanos abandonaram o país às pressas, de helicóptero. Aos poucos, construiu-se uma explicação-padrão para o acontecido. Basicamente, os pontos fortes dos vietnamitas exploravam as fraquezas americanas, e as fraquezas vietnamitas não eram passíveis de fácil exploração pelo poderio americano.

O Norte tinha uma vantagem política que rendia frutos em todo o mundo: a luta passou a ser vista como uma continuação da guerra de independência em relação aos franceses, enquanto os americanos tinham o peso de ser defensores de uma ordem social arcaica e uma ditadura militar. Para os vietnamitas, a guerra era “total”, envolvendo cada segmento da sociedade no esforço. Para os americanos, o conflito era “limitado”. Ao contrário dos viets revolucionários, a sobrevivência de seu modelo de nação não estava em risco.

O esforço de guerra do Norte e seus aliados do Sul era brutal. A sociedade foi impiedosamente doutrinada de modo stalinista. Morreram estimados 2 milhões de vietnamitas, não só por conta dos combates e de seus resultados, como o grande fluxo de refugiados internos, mas também por servirem literalmente de “bucha de canhão” em ataques e missões suicidas contra um inimigo dotado de poder de fogo muito maior. Visões históricas politicamente à esquerda tendem a louvar o “revolucionário heróico” e seu papel na vitória. Mas isso é basicamente mitologia.

Pulga contra cachorro

Não é fácil debelar uma guerra de guerrilha, pois a tática básica do insurgente é atacar os pontos fracos do inimigo e fugir dos fortes. É a luta da pulga contra o cachorro. O objetivo final é tirar tanto sangue do animal que ele acabe morrendo.

Os britânicos venceram uma insurgência semelhante contra comunistas chineses na Malásia ao usar táticas sensatas que subordinavam o poder militar ao político, evitando mortes de civis que acabam servindo de estímulo à guerrilha. Já os americanos abusavam do poder de fogo, bombardeando indiscriminadamente com canhões e aviões e causando vastos “danos colaterais” – as tais baixas civis.

Na visão ortodoxa-padrão, os EUA não tinham como ampliar a guerra – por exemplo, invadindo diretamente o Vietnã do Norte – sem correr o risco de uma guerra com a China e a União Soviética. Para os revisionistas, a guerra era “ganhável” se fossem tomadas decisões melhores, como atacar o Norte, evitar matar civis etc. Os mais radicais acham que os EUA terminaram ganhando, pois, com o fim da Guerra Fria, o capitalismo triunfou em todo o mundo e está agora afetando o Vietnã (e, certamente, já mudou a ex-URSS e está recriando a China). Mas isso equivaleria a dizer que o Japão ganhou a Segunda Guerra porque sua economia hoje é a segunda maior do planeta...

Os revisionistas de direita, em geral, sustentam uma teoria semelhante à dos generais alemães que perderam a Primeira Guerra Mundial: foi uma “facada nas costas” de políticos e jornalistas que impediu as forças armadas de venceram. É a teoria do mau perdedor. Este deve ser o mito mais persistente de todos: que foi a transmissão da guerra “diretamente para as salas de estar” que fez a opinião pública exigir o fim do conflito. Para os historiadores sérios, o papel da imprensa foi, quando muito, “marginal”. Guerra é feita com bala, não com clipes de TV. Mas é um bom tema para uma discussão mais aprofundada.

Ricardo Bonalume Neto, 45 anos, é repórter da Folha de S. Paulo, especializado em ciência e assuntos militares. Cobriu conflitos em vários continentes e é autor de A Nossa Segunda Guerra – Os Brasileiros em Combate, 1942-1945.