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Curiosidades / Nazismo

A curiosa verdade por trás da foice e do martelo nas moedas nazistas

Essas famosas moedas alemãs são divulgadas na Internet como prova do esquerdismo dos nazistas — mas a história não é bem assim

André Nogueira Publicado em 13/03/2020, às 09h00

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Moedas comemorativas do Dia do Trabalho (tag der arbeit) - Divulgação
Moedas comemorativas do Dia do Trabalho (tag der arbeit) - Divulgação

Existe uma área dos estudos de história dedicada à análise das moedas na sociedade: numismática. Normalmente, seus estudiosos estão associados às pesquisas de antiguidade greco-romana, mas há muitos estudos que analisam as representações nas moedas no mundo contemporâneo. Isso se faz necessário, pois algumas vezes, imagens de moedas parecem não fazer sentido quando pensamos nas próprias sociedades que as forjaram.

Mas, na verdade, essas imagens fazem, sim, sentido, mas é necessário as entendermos. É o caso dessa famosa moeda alemã que é divulgada na Internet como prova do esquerdismo dos nazistas. Mas, como veremos, essa iconografia tem um sentido completamente contrário: o impedimento da organização socialista. 

Primeiramente, é necessário entender o cenário em que essas moedas foram criadas. Para isso, só se faz necessário ver as marcas da própria moeda. Vemos nela escrito “tag der arbeit, 1934”. Essa marca serve como identificação deste lote de moedas, que é uma versão comemorativa do marco alemão para o Dia do Trabalho, no ano seguinte à posse de Hitler como führer.

Como objeto comemorativo, a integração de suas imagens possui um objetivo de criar significados induzidos entre os cidadãos alemães que vão ter contato com a iconografia. A imagem, em geral, tenta ser uma síntese da mensagem que o governo quer trazer sobre o evento do Dia do Trabalho.

Moedas comemorativas do Dia do Trabalho / Crédito: Divulgação

É claro que se trata de um dia do trabalho próprio do mundo corporativista. O nazifascismo foi pioneiro no movimento de se apropriar das demandas dos trabalhadores urbanos para impedir que os socialistas o fizessem, impedindo assim alguma tentativa de articulação revolucionária marxista.

Para tanto, os fascistas desenvolveram sistemas de organização dos direitos trabalhistas e contenção dos sindicatos operários, tornando a luta dos trabalhadores subsidiada e tutorada pelo Estado totalitário, impedindo sua autonomia.

Com isso, parece claro que a questão trabalhista seria bem pensada na hora da criação de marcos simbólicos de representação do discuro estatal sobre o dia do trabalho. A apropriação dessa celebração, que era uma forma dos socialistas exporem suas revoltas sobre a questão, já é uma forma por parte dos nazistas de, simbolicamente, conter as movimentações que circundavam a questão do trabalho.

Partindo dessas notas introdutórias, é possível partir para a fonte: a moeda. Nela, três elementos se destacam: dois deles, a foice e o martelo, são normalmente associadas à luta dos trabalhadores socialistas e o outro, a águia, é símbolo comum nas imagens nazistas. Porém, é extremamente necessário entender a articulação entre esses elementos para compreender a imagem como um todo.

Uma das características principais do símbolo do comunismo é o fato de que as ferramentas expostas, a foice e o martelo, estarem cruzadas. Esse é um símbolo que clama diretamente a relação entre as duas partes.

Ou seja, o símbolo comunista representa a organização entre os trabalhadores rurais e o operariado urbano (o cruzamento entre a foice [ferramenta de colheita] e o martelo [ferramenta fabril], em articulação). Isso, pois a obra de Marx expõe que a liberdade dos trabalhadores viria da organização deles.

Este é o caso completamente oposto ao da moeda. A imagem que aparece, ao invés de mostrar a articulação entre a foice e o martelo, se apropria dos símbolos trabalhistas e os utiliza em outra disposição: agora, os trabalhadores do campo e o operariado estão ao mesmo tempo separados (ou seja, desarticulados) e nas “mãos” (asas, no caso) da águia, símbolo do Estado alemão.

Longe de ser a exclamação de uma ideologia marxista, o uso da foice e do martelo na moeda é uma expressão classicamente corporativista de tutela estatal das partes que formam a sociedade, que deve estar submissa e dócil.

Hitler discursa aos trabalhadores alemães / Crédito: Wikimedia Commons

A maioria dos exemplares dessas moedas está incompleta, pelo fato de que muitos alemães, com o fim do Reich, destruírem os símbolos próprios da ideologia nazista, como é o caso das suásticas que costumam estar chumbadas aos pés da águia. Porém, ainda é visível perceber a articulação entre esses elementos como parte do imaginário nazista da organização social.

A águia tutela a foice e o martelo, empoleirada (apoiada, claro) na suástica nazista (assim como o Estado se apoia, acima de tudo, em uma ideologia), enquanto paira acima a figura de uma cabeça, como se a observasse. Essa imagem, provavelmente relacionada à figura da justiça, completa a metáfora da moeda: todo o processo corporativista está sempre como se fosse observado por uma força vertical, que é responsável pela manutenção dessa ordem social (como se fosse o famoso Big Brother de George Orwell).

Assim, a imagem se converte, também, em apologia à hegemonia e ao triunfo do poder de Hitler. O corporativismo protegido pela tutela do totalitarismo, que é um importante aspecto da definição histórica de nazismo.


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