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Como fazíamos sem MONOTEÍSMO

Na antiguidade o culto a um só deus era impopular

Nathalia Bustamante Publicado em 21/08/2016, às 08h17 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h35

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O faraó Amenhotep IV e sua esposa, Nefertite, com os filhos sob os raios de Aten, o rei dos deuses - Shutterstock
O faraó Amenhotep IV e sua esposa, Nefertite, com os filhos sob os raios de Aten, o rei dos deuses - Shutterstock
Em um sentido amplo, pode-se considerar que a religião seja instintiva para o ser humano, uma vez que é encontrada com certa uniformidade em todas as culturas. Uma revisão histórica indica, porém, que não há instinto para o monoteísmo, pois não há evidência de que nenhuma sociedade tenha criado esse modelo de forma independente após a sua primeira aparição. O politeísmo é provavelmente advindo de uma crença anterior, pré-histórica, em espíritos, demônios e outras forças sobrenaturais, sendo similar, em estrutura, aos cultos antigos de animismo e totemismo. A distinção se dá, no politeísmo, pelas funções particulares e características antropomórficas de algumas divindades, além de sua composição hierarquizada de poder.
O primeiro vestígio de uma tendência monoteísta foi encontrado por historiadores no culto ao deus do Sol Aten – ou Aton – por volta do século 14 a.C. O faraó egípcio Amenhotep mudou seu nome para Aquénaton – em egípcio antigo, “espírito vivo de Aten”. Embora tolerasse, a princípio, o culto a outras divindades, a partir do quinto ano do seu reinado, em 1384 a.C., o faraó passou a excluir referências a outros deuses – mudando nomes de famílias, de localizações e cortando verbas direcionadas aos templos e sacerdotes de outros deuses. Dessa forma, foi imposta ao império a imagem do deus-sol, intimamente vinculada à divindade da figura do próprio faraó.
No entanto, o culto a um único deus se provou muito impopular. Sendo as divindades muito associadas a determinadas comunidades locais, a devoção a elas envolvia também atividades econômicas importantes para a região. Sem adoção popular, com a morte de Aquénaton a prática tradicional politeísta foi aos poucos restaurada, e algumas décadas depois uma grande reforma política e artística promoveu definitivamente o retorno ao credo egípcio tradicional. Muita arte e obras realizadas durante o reinado de Aquénaton foram destruídas, e blocos de suas construções, usados como base para templos e tumbas posteriores.
Não se sabe se o zoroastrismo, na Pérsia, foi anterior ou posterior à experiência egípcia. Especula-se que o profeta Zaratrustra, ou Zoroastro, tenha sido o responsável pela reforma da religião iraniana de politeísta para monoteísta, por volta do século 10 a.C. Embora tenha raízes estimadas no segundo milênio antes de Cristo, o zoroastrismo só foi registrado historicamente em 500 a.C., pelo escritor e historiador romano Homero, e foi reprimido no século 7 d.C., com a conquista islâmica da Pérsia.
Fato é que o monoteísmo só atingiu sua expressão máxima com as religiões judaico-cristãs. Não há evidência histórica da existência dos patriarcas bíblicos – calcula-se, porém, que os fundamentos da religião judaica tenham sido estabelecidos com a migração de Abraão da cidade de Ur (atual Iraque) por volta de 2000 a.C; e sua consolidação, pelo episódio referido como “Êxodo”, quando Moisés lidera a volta do seu povo do Egito e recebe os dez mandamentos divinos.
Pesquisas recentes apontam, porém, que a religião de Abraão não era monoteísta no sentido estrito do termo, mas sim “monolátria”. Em outras palavras, durante alguns séculos os hebreus veneravam não um deus único, mas um que eles consideravam o mais poderoso entre muitos.
Integrando achados históricos e arqueológicos, acredita-se que a ascensão do monoteísmo tenha sido muito influenciada por eventos políticos importantes. Em 587 a.C., a cidade de Jerusalém foi saqueada, e o maior templo de Javé foi destruído no saque, o que levou a uma crise histórica para a população hebraica e à diáspora judaica para a Babilônia. Logo nesse período, há um reforço na imagem de Javé, enquanto outras divindades passaram a ser retratadas de forma negativa. Criou-se, assim, uma identidade cultural forte, que pode ter sido essencial para estabelecer e disseminar uma fé única.

Moisés e o faraó
A conexão entre o culto monoteísta de Aquénaton e o surgimento do judaísmo na terra de Canaã (atual Palestina) foi considerada por diversos estudiosos. Uma das primeiras menções a essa possibilidade foi feita por Freud, que argumenta em seu livro Moisés e o Monoteísmo que Moisés teria sido um sacerdote egípcio do rei Aten forçado a sair do Egito após a morte de Aquénaton. Surgiram, com isso, diversas pesquisas – e especulações – sobre o assunto: há quem argumente que Moisés e Aquénaton seriam a mesma pessoa. Alguns pesquisadores passaram então a apontar semelhanças linguísticas entre o deus Aten e os três principais nomes judaicos para deus: Javé, Elohim e Adonai. Foram identificadas também semelhanças entre o Grande Hino a Aten, de Aquénaton, e o Salmo 104 do Antigo Testamento. 
Outros pesquisadores, no entanto, atribuem essas  coincidências a meras convenções literárias. Tendo ou não herdado influências e personagens do deus-sol egípcio, o fato é que o monoteísmo como estabelecido pela Bíblia judaica só se consolidou como tal mais de mil anos após a morte do faraó.