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Desventuras / Personagem

Carolina Maria de Jesus: A esperança vem do lixo

O encontro que possibilitou a publicação de um livro único na história da literatura brasileira

Victor Alexandre Publicado em 18/01/2022, às 12h26 - Atualizado às 12h27

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Carolina Maria de Jesus - Arquivo Nacional Brasileiro via Wikimedia Commons
Carolina Maria de Jesus - Arquivo Nacional Brasileiro via Wikimedia Commons

Há um bom tempo faz parte do senso comum ouvirmos falar que o Brasil é um país com uma desigualdade social gigantesca. Bom, isso é um fato, mas o que não costumamos fazer é olhar de frente para as consequências dessa desigualdade e para as histórias marcadas pela pobreza e pelo esquecimento social. Foi através do encontro de um jornalista com uma catadora de papel que o país pôde conhecer o que de fato é viver do lixo.

Jornalismo e a realidade brasileira

Poucas profissões têm a capacidade de gerar um impacto imediato em determinada realidade como o jornalismo. Apuração, checagem e entrevistas fazem parte do trabalho jornalístico para a produção de uma matéria ou reportagem.

A história brasileira está cheia de jornalistas que foram fundamentais para colocar um holofote em uma realidade que geralmente a sociedade não está olhando.

Um dos casos mais clássicos é de Euclides da Cunha e o conflito em Canudos, sertão da Bahia. Em agosto de 1897 o jornal O Estado de São Paulo (conhecido hoje como Estadão) enviou para Canudos um repórter chamado Euclides da Cunha com o objetivo de observar e relatar os conflitos que estavam escalando entre as tropas do exército brasileiro e Antônio Conselheiro e seus seguidores.

Quem estuda para vestibulares e se interessa por literatura nacional sabe que Euclides da Cunha é o autor de Os Sertões. Esse livro foi escrito por Euclides a partir de sua experiência em campo como jornalista e após relatar o que viu, seu livro foi considerado por muitos anos como “a história oficial de Canudos”. Sobre essa obra a historiadora Jacqueline Hermann diz o seguinte:

“Os Sertões foi certamente um livro definitivo no processo de formação do pensamento sociológico brasileiro. Ao expor uma face triste, miserável e tão diferente do que o litoral pensava ser o Brasil da ordem e do progresso republicanos, e ao refletir sobre uma guerra fratricida que opunha o litoral do país (considerado avançado e civilizado) ao interior de um Brasil que ainda conservava uma parte significativa de seu povo mergulhado no mais profundo atraso.”

O que Euclides da Cunha trouxe foi importante porque o Brasil estava passando por um processo de implementação de um novo regime político, a República, e com isso novos símbolos precisavam ser criados. Os republicanos carregavam consigo a ideia de que o Brasil era um país próspero e precisava caminhar em direção ao progresso e à modernidade.

Mas como conciliar esse discurso com a pobreza que Euclides viu em Canudos? Como fazer previsões otimistas quando os discípulos do líder messiânico lutavam principalmente por um pedaço de terra? Esse é o conflito que o jornalista Euclides da Cunha expôs no final do século XIX e aparentemente não conseguimos resolver a questão.

Algumas décadas depois, um jovem repórter foi enviado para uma favela na cidade de São Paulo para cobrir o avanço desse tipo de comunidade em torno do rio Tietê, e foi ali que Audálio Dantas conheceu uma mulher que mudaria sua vida e a da literatura brasileira.

O jornalista e a catadora

Carolina Maria de Jesus teve uma vida completamente diferente de Euclides da Cunha e de Audálio Dantas. Carolina Maria nasceu em 1914 em uma família muito pobre e sem muitas condições de dar uma educação digna a ela. Para se ter uma ideia, a jovem só pôde frequentar a escola por dois anos de sua vida, onde felizmente conseguiu aprender a ler e escrever.

Mineira, quando tinha 23 anos de idade Carolina Maria de Jesus veio para São Paulo trabalhar como empregada doméstica, uma função que era delegada majoritariamente a mulheres, e quase sempre a mulheres negras. Alguns anos depois Carolina precisou se mudar para a favela do Canindé, lugar que criou sozinha seus três filhos. Nesse período que morou no Canindé, Carolina já não trabalhava como empregada doméstica, e sim como catadora de papéis e outros materiais para reciclagem.

Carolina Maria de Jesus vivia do lixo. O lixo era sua subsistência. Mas foi do lixo que ela encontrou uma forma de sair de lá.

Mesmo tendo pouco tempo de escolarização, Carolina sempre buscou na leitura um refrigério e um escape da sua realidade. Todas as vezes que encontrava algum tipo de caderno ou simplesmente um pedaço de papel ela o usava para escrever sobre seu cotidiano.

Ao longo dos anos trabalhando no lixo, a catadora escreveu sobre sua vida em aproximadamente 20 pequenos cadernos (diários), até que um dia um jovem repórter estava procurando fontes para falar sobre a vida na favela do Canindé. Como já disse aqui, esse jovem era Audálio Dantas.

“Fui encarregado de escrever uma matéria sobre uma favela que se expandia sobre o Tietê. Lá, encontrei a negra Carolina, que logo se colocou como alguém que tinha o que dizer. E tinha! Tanto que, na hora, desisti de escrever a reportagem”.

Esse é o relato do Audálio Dantas ao encontrar Carolina Maria de Jesus. Quando conheceu sua história e viu seus cadernos, logo o jornalista a ajudou a transformar esse material em um livro para ser publicado e ganhar leitores tanto no Brasil quanto no exterior.

O que Maria Carolina mostrou aos brasileiros não era nada além da vida de alguém que vivia um dia de cada vez, porque não sabia se teria comida para o dia seguinte. Carolina mostrou aos brasileiros, em plena década de 1960 a existência da fome e como essa chaga em nosso país destrói vidas, sonhos e principalmente futuros.

Através de trabalhos como o de Euclides da Cunha e Audálio Dantas podemos conhecer a realidade dos sertanejos que lutavam por um pouco de terra, e a vida sofrida de uma mulher negra que procurava no lixo a solução para sua fome.

Marcada na história brasileira

A vida e a obra da escritora é tema do novo episódio do podcast 'Desventuras na História', podcast do site Aventuras na História.

Com narração de Vítor Soares, professor de História e dono do podcast História em Meia Hora, o episódio relembra a emocionante trajetória da mulher que se tornou um dos mais importantes nomes da literatura brasileira. 

O podcast já relembrou a trajetória de grandes nomes da História, como: Maria Antonieta, Dante AlighieriAlexandre, O Grande, Gengis Khan, Dom Pedro I e Carlos Marighella.

Confira abaixo!