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Revolução Francesa: Aux Armes Citoyens

Monarcas estremeceram diante da violência regicida- e o mundo nunca mais foi o mesmo

Juliana Tavares Publicado em 05/05/2017, às 00h00 - Atualizado em 19/01/2018, às 12h22

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A Tomada das Tulherias - Wikipedia
A Tomada das Tulherias - Wikipedia

A economia francesa era uma das mais fortes no fim do século 18. No comércio exterior, a França movimentava cifras equivalentes a 1 bilhão de libras, ficando atrás apenas da Inglaterra e da Espanha. Internamente, contudo, o país sofria de graves problemas. Para começar, os 97% da população que formavam o Terceiro Estado (camponeses, pequenos proprietários de terras, servos, artesãos e burguesia) arcavam com toda a carga tributária que sustentava o Primeiro Estado (clero) e o Segundo Estado (nobreza). Para complicar, o comércio e a indústria levaram à estagnação dos negócios: empresas fecharam, aumentando o desemprego. Clima de ebulição social.

Havia ainda a crescente disseminação dos ideais iluministas. Isso exigia, entre outras coisas, a divisão do poder em três esferas independentes e autônomas (Executivo, Legislativo e Judiciário). O cenário não poderia ser mais propício ao surgimento de insurreições populares. O rei Luís XVI, na tentativa de controlar a insatisfação dos súditos, decidiu convocar os Estados Gerais - uma assembleia de cidadãos que não se reunia desde 1614. "Para o monarca, isso definiria os meios necessários para superar a crise financeira do país", explica Modesto Florenzano, professor do departamento de história moderna da Universidade de São Paulo. Apesar do entusiasmo, a convocação foi um desastre. "A falta de acordo entre a maioria burguesa e a nobreza levou os líderes do Terceiro Estado a proclamar a Assembleia Nacional, que então aboliu os privilégios da aristocracia e do clero franceses", conta Florenzano. Inconformado, o rei interditou a sala e anulou todas as decisões. Parecia o fim da linha para os reformistas, não fosse a veemência do deputado Honoré Gabriel Victor Riqueti, o conde de Mirabeau, que apelou à guarda real: "Ide dizer aos que vos enviaram que só sairemos daqui por força das baionetas!" O resultado foi a substituição da Assembleia Nacional pela Assembleia Constituinte. O poder político passava agora das mãos do rei para os representantes do povo. Começava a revolução.

Fim de uma era

O resultado talvez fosse diferente se Luís XVI não tivesse voltado à carga. Em 11 de julho de 1789, ele demitiu o ministro das finanças, Jacques Necker, um dos mais favoráveis à reforma. Também mandou o exército a Paris e Versalhes para intimidar os revoltosos. Inflamados, em questão de horas, artesãos, jornaleiros, operários e comerciantes se armaram de punhais, pistolas, machados e pedras e se precipitaram pelas ruas. As tropas reais recuaram e, no dia 14 de julho, uma multidão tomou a Bastilha - a fortaleza-prisão símbolo do absolutismo francês. Autoridades foram destituídas. "A assembleia elaborou, então, um dos primeiros documentos sobre os direitos humanos no mundo: A declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", afirma Edgar De Decca, professor de história e filosofia da Universidade de Campinas. "A frase Liberdade, Igualdade e Fraternidade, desse documento, soou como um trovão em todos os cantos da Europa."

Dois anos depois, tudo voltou a sair de controle. Em setembro de 1791, a Assembleia Nacional deu lugar à Assembleia Legislativa, constituída, em sua maioria, por um grupo de moderados (girondinos) e, em menor número, por políticos da ala conservadora e da republicana (jacobinos). Sem considerar o clamor da população por trabalho e comida, os girondinos forçaram a França a entrar em guerra contra a Áustria e a Prússia. "Acreditavam que uma vitória consolidaria os ideais da revolução", afirma De Decca. Mas para os líderes jacobinos Maximilien Robespierre, Georges-Jacques Danton e Jean-Paul Marat, o conflito servia para desviar a atenção das questões sociais. Os combates terminaram em fiasco, e o exército francês capitulou. "Em novembro de 1792, foram descobertos documentos que ligavam o rei aos inimigos, o que justificou as derrotas das campanhas militares. Luís XVI foi guilhotinado e, em agosto de 1792, foi eleita a Convenção Nacional", informa o professor da Unicamp. "Sob o comando de Robespierre, milhares de opositores do governo foram assassinados. O exército voltou a expulsar as tropas inimigas e o reino de terror foi instaurado. Um regime brutal tornou a ditadura jacobina impopular. Em 1794, os deputados da Convenção se rebelaram contra Robespierre, condenando-o à morte."

Nasce o mito 

Um ano depois, a Convenção Nacional elaborou uma nova constituição republicana. Nascia o Diretório, um parlamento bicameral composto de senadores e deputados. Nessa época, Napoleão Bonaparte, favorável aos jacobinos, já era general graças à brilhante defesa da cidade francesa de Toulon contra a invasão dos ingleses em 1793. Em 1796, foi enviado para comandar uma invasão à Itália. Mesmo com um exército de soldados despreparados, a operação foi um sucesso, outra vez por causa do gênio estratégico de Bonaparte. O general não só venceu como também garantiu a extensão das fronteiras da França até o Reno e os Países Baixos. Em 15 dias, os franceses fizeram 15 mil prisioneiros e mataram 10 mil homens.

A vitória assustou o Diretório, que, com medo da popularidade do general, instigou-o a realizar uma nova campanha, no Egito. "A intenção era manter Napoleão longe do jogo político", diz De Decca. "Mas as notícias que chegavam sobre o descontentamento dos franceses com o Diretório fizeram com que ele retornasse para dar um golpe de estado, o de 18 Brumário." Já como cônsul, Bonaparte procurou o reconhecimento de seu governo, estabelecendo a paz temporária entre a França e a Áustria. Organizou as finanças do país, criando o Banco Francês, e deu continuidade à reforma educacional iniciada pelo Diretório. Instituiu ainda a carreira diplomática, a burocracia estatal e promulgou o primeiro código civil da história. O general francês também se mostrava um grande estadista - e, muitos julgariam assim, um grande traidor da revolução republicana, ao se transformar num monarca. Em breve, mostraria seu poder ao mundo.


Da França para o mundo

Até o século 18, compilações de códigos legais já haviam feito sua aparição tanto no Ocidente quanto no Oriente. O Código Civil Francês, mais conhecido como Código Napoleônico, é, porém, considerado a primeira codificação de leis distribuída em um sistema metódico de apresentação realizada com sucesso. Inspirado pelas leis romanas e francesas e pelo Corpus Juris Civilis (Corpo de Leis Civis), criado em 534 pelo imperador bizantino Justiniano I, a codificação napoleônica determinava as regras do direito civil, penal e processual a serem seguidas pelo povo francês. "Antes disso, há registros de algumas compilações de leis, como o Código de Hamurabi, mas nenhum possuía a mesma complexidade que o sancionado por Bonaparte em 1804", afirma Luiz Carlos de Azevedo, professor de história do direito da USP. O Código Napoleônico, utilizado ainda hoje e cujo formato foi copiado por vários outros países, fundamentou a vitória da burguesia sobre o feudalismo. Dividido em quatro seções - Das Pessoas, Dos Bens, Direito da Família e Direito das Sucessões -, o código possuía trechos hoje considerados antiquados e absurdos, como o que afirma com todas as letras que "a mulher deve obediência ao marido", entre outras. "São leis que refletem os costumes da época e que foram revogadas anos depois por outros dispositivos", informa Azevedo. Ainda assim, grande parte do código, sobretudo os artigos que tratam do direito privado e do direito das obrigações - que diz respeito, por exemplo, aos contratos sociais de compra e venda -, permanece em vigor na França. "Napoleão também promulgou o Código do Comércio, redigido na mesma época com uma série de regulamentações das transações comerciais, bancárias e financeiras, e o Código Penal. Foi uma grande e definitiva contribuição de Napoleão para a história."