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1946: O ano da ruína

A guerra continuou a fazer vítimas após acabar

Fábio Marton Publicado em 31/12/2016, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h35

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Equilibrista nas ruínas de Colônia, 1946 - Anônimo
Equilibrista nas ruínas de Colônia, 1946 - Anônimo

Na virada de 1945 para 1946, a festa havia ficado para trás. A Segunda Guerra podia estar terminada, mas ainda fazia vítimas. “Na maioria da Europa, não havia escolas, meios de transporte, livrarias ou lojas – não havia nada o que comprar ou vender – e quase nada era manufaturado”, afirma Victor Sebestyen, autor de 1946: The Making of the Modern World (sem tradução). “Não havia bancos, mas isso não importava, porque o dinheiro não tinha valor. Não havia lei e ordem: homens e crianças andavam pelas ruas com armas, tentando proteger o que possuíam ou ameaçar as posses dos outros. Mulheres de todas as idades e origem se prostituíam por comida e proteção.” 

Segundo Sebestyen, por volta de 100 mil bebês nasceram de mulheres solteiras alemãs em 1946 – três vezes mais que no ano anterior. “De todas as crianças nascidas em Berlim entre janeiro e abril de 1946, estima-se que uma em seis tinha um pai russo. O número abortado era bem maior – de acordo com a opinião médica, entre cinco e oito vezes maior”, afirma Sebastyen. 


Campos de extermínio de alemães
Presidente checo resolveu pagar na mesma moeda


Alemães étnicos marcados com suásticas na Chescoslováquia / Uncensored History

Em outubro de 1938, o presidente da República Checa, Edvard Benes, se viu forçado a renunciar, diante da pressão alemã para que cedesse a região dos Sudetos. Ocupando uma grande faixa ao norte do país, era habitada por alemães desde a Idade Média. 

Ao saber das notícias do fim da guerra, Benes correu de volta para o país e assumiu novamente a cadeira. Ele tinha um plano: fazer com que os alemães pagassem na mesma moeda por suas atrocidades. Mesmo que suas famílias estivessem no país há 800 anos.

 “Desde o momento da liberação, os checos pegaram a legislação nazista sobre os judeus e a aplicaram aos alemães”, afirma o historiador Victor Sebastyen. “Os alemães étnicos tiveram que usar um grande N (de nemec, alemão) pregado em suas roupas”. Também tiveram a propriedade confiscada e acesso bloqueado a parques e outros serviços públicos. Vilas alemãs centenárias foram incendiadas e seus habitantes pendurados em árvores. Civis eram queimados vivos nas ruas. A cidade de Brno, nos Sudetos, foi evacuada completamente. Sua população teve de marchar, a pé, até a fronteira com a Alemanha. 

Em Terezin, durante a guerra, funcionava o “gueto modelo” alemão, usado para tapear a opinião pública estrangeira de que o tratamento dos judeus não era tão ruim assim. Lá os checos passaram a prender os alemães, em condições similares às dos campos de extermínio nazistas. Centenas chegavam de trem todos os dias, e não duravam muito tempo. 

No total, estima-se que 250 mil alemães foram massacrados pela operação de limpeza étnica checa, com os mais sortudos fugindo para a Alemanha ocidental. Dos mais de 3 milhões de alemães étnicos que viviam no país antes da invasão nazista, apenas 40 mil restam hoje. 


↪ No inverno de 1945 para 1946, a fome atingia principalmente a área de domínio britânico na Alemanha – os ingleses continuavam a sofrer pesadamente com racionamentos em casa. Os norte-americanos, em melhor situação, exigiam dos alemães que vissem filmes de propaganda antes de entregar o pão. A União Soviética, que basicamente tinha feito uma guerra de aniquilação contra os alemães, passava fome ao mesmo tempo em que tentava evitar que isso acontecesse com suas áreas de ocupação. Em 1946, na União Soviética ”entre 1,5 e 2 milhões de pessoas morreram de fome”, de acordo com o historiador. “E a fome era exacerbada pela ideologia: os soviéticos mandavam grandes quantidades de alimentos para a Alemanha Oriental e outras partes de seu novo império numa tentativa de aumentar a popularidade dos partidos comunistas locais.”

O Japão não foi dividido, mas sofreu a inusitada experiência de se inventar uma democracia onde nunca tinha havido, mantendo o mesmo líder no poder – algo que deixou aos próprios japoneses perplexos. Em 1º de janeiro de 1946, o imperador declarava na rádio que não era uma divindade na terra, descendente da deus do sol Amaterasu, nem que o povo japonês era também semidivino e estava destinado a dominar o mundo. Em 1947, a terra dos samurais assinaria uma constituição que ainda hoje a proíbe de fazer guerra – o único país do mundo com uma lei assim.↪


O enigma de Hirohito
O terceiro líder o Eixo governou até a morte

Destruição de uma igreja cristã no Japão, 1946  / Wikimedia Commons

Mussolini foi morto enquanto tentava conseguir asilo político na Suíça. Hitler deu fim a si próprio. No Japão, porém, o grande líder da nação – que, definitivamente, causou muito mais destruição que Mussolini – foi capturado com vida. Sem nem ir a julgamento, continuou na cadeira até sua morte, em 1989. 

Não partiu dos japoneses a decisão de manter no trono o imperador Hirohito – mais conhecido no Japão como Showa, o nome póstumo que recebeu na tradição imperial. Nem dele: várias figuras, inclusive membros da família imperial, sugeriram que devia renunciar, o que estava plenamente disposto a fazer. 

Foi o marechal Douglas MacArthur, chefe da ocupação ocidental no Japão, e ditador absoluto do país na reconstrução, que resolveu mantê-lo. MacArthur havia ouvido do general de brigada Bonner Fellers que “enforcar o imperador seria semelhante à crucificação de Cristo para nós”. Ele foi convencido, possivelmente com razão, que levar o imperador a julgamento faria o país cair em guerra civil. Assim, ele enviou uma mensagem ao chefe do exército, Dwight Eisenhower, afirmando que nada nos últimos dez anos ligava o imperador a crimes de guerra – “uma afirmação criativa, já que ninguém havia procurado por isso e deliberadamente não tentaram procurar”, de acordo com Victor Sebastyen.

Enquanto MacArthur estava no poder, a imprensa japonesa era rigorosamente censurada. Então esse foi um não debate. Quando o país ganhou uma nova constituição e o imperador continuou no poder, em 1947, o assunto se tornou tabu até sua morte. Desde então, um número crescente de historiadores acredita que ele era, sim, o responsável pela agressão do Japão Imperial. Na constituição anterior, ele estava longe de ser uma figura decorativa – era o supremo líder do país, inclusive das forças armadas. 

A versão “oficial” saiu no Tribunal Internacional Militar para o Extremo Oriente, iniciado 29 de abril de 1946, equivalente ao Tribunal de Nuremberg na Europa. O primeiro-ministro Hideki Tojo, no poder durante o ataque a Pearl Harbor, e mais cinco outras altas figuras foram condenadas à morte. Tojo foi considerado o responsável principal por tudo o que aconteceu na guerra. Em grande parte, isso só ocorreu pela mão pesada de MacArthur, que bloqueou qualquer investigação levando ao imperador. 


↪ Na Europa Oriental, países conservadores e fortemente ligados à Europa ocidental, como Polônia, Hungria e Checoslováquia, se tonariam os novos "lumiares" da revolução. Metade da  Alemanha teria o mesmo destino. A capital, Berlim, seria ela própria dividida em duas partes. Lá, a “cortina de ferro” teve um sentido quase literal, a partir da construção do Muro de Berlim, em 1961.

Em tese, esses países estavam livres para decidir seus destinos, não importasse o liberador. As revoluções comunistas eram supostamente um trabalho interno, de comunistas locais. Na prática, seu destino já havia sido traçado na Conferência de Yalta, quando os aliados aceitaram que fizessem parte da esfera de influência soviética, rifando o destino de seus aliados. A Polônia passaria por um referendo fajuto em 1946, dando o poder aos comunistas. Os demais países, com a ajuda da ocupação do Exército Vermelho e a brutal perseguição dos opositores, mudariam de regime antes do fim da década. 

À sua imagem e semelhança, os aliados redesenharam os países conquistados. O convívio pacífico entre dois mundos opostos não iria longe – já em 1946 a diplomacia entre os ex-aliados começou a endurecer. Ambos os lados só não tentaram desenhar o mundo outra vez porque a maior invenção militar da guerra, a bomba atômica, tornava alto demais o custo de arriscar.