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Notícias / 31 de março

Brasil pode virar ditadura de novo? Historiadores respondem

A polarização política atual do Brasil levanta um questionamento em muitas pessoas: é possível que o país sofra um novo golpe militar?

Lucas Vasconcellos e Thiago Lincolins Publicado em 31/03/2019, às 03h00

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Tanques no Rio em 1964 - Correio da Manhã
Tanques no Rio em 1964 - Correio da Manhã

Comecemos por um pouco de História. Era manhã de 31 de março de 1964 quando, no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, o presidente João Goulart atendeu ao telefone. Do outro lado da linha estava o senador Arthur Virgílio, que tinha uma notícia importante: as tropas do Exército estavam se movimentando para agir contra o governo. O general Olympio Mourão Filho, de Minas, estava marchando para o Rio no intuito de derrubar o governo. O general começou seu movimento sozinho, mas ninguém estava disposto a sair em defesa de Jango. O presidente vinha radicalizando seu discurso em favor das reformas de base, como a agrária. Prometia reduzir o poder das empresas estrangeiras, o que irritou os maiores empresários do país.

E, a gota d'água, pareceu apoiar uma revolta de sargentos contra seus oficiais. Na noite de 30 de março, discursando para suboficiais e sargentos no Automóvel Clube do Rio, Jango apoiou os jovens que tentavam democratizar o Exército. “Não admitirei o golpe dos reacionários”, ele disse. Um caos, a provocação aos generais custou muito caro. O que veio depois foram 29 anos até as próximas eleições diretas para presidente, dos quais 21 foram com presidentes generais. Eleitos indiretamente, por um congresso com mais ou menos a mesma legitimidade daquele da União Soviética: uma câmara figurativa, eleita de forma controlada, que basicamente carimbava as decisões dos líderes. Que, como na União Soviética, podiam ainda assim ignorá-la.

Uma ditadura, em outras palavras. Que muitos temem poder voltar. E da qual outros têm saudades.

A AH conversou com Priscila Perazzo, doutora em História Social pela USP, Pedro Campos, professor do Departamento de História da UFRRJ e Marcos Napolitano, do Departamento de História Social da USP, para ter uma resposta.

Vai ter golpe?

De acordo com Pedro Campos, um novo golpe seria “improvável, mas não impossível”. Ele acredita que “o momento hoje é muito diferente de 1964. Naquela época, vivíamos a Guerra Fria e o golpe de primeiro de abril não foi o único no país no período com a participação dos militares. A queda de Vargas em 1954, por exemplo” (Vargas se matou dois dias após 19 generais publicarem um manifesto exigindo sua renúncia.) “Nos dias atuais, ao contrário dos golpes francos e abertos de antigamente, verificamos a existência de ‘golpes brandos’, como os que ocorreram em Honduras (2009) e no Paraguai (2012)”.

No primeiro caso, por ordem da Suprema Corte de Honduras, o presidente Manuel Zelaya foi preso no meio da noite e botado num avião para fora do país. No mesmo dia, o congresso votou por sua remoção. A ação foi condenada como golpe pela Organização dos Estados Americanos, pela União Europeia e as Nações Unidas. No Paraguai, o presidente Fernando Lugo sofreu um impeachment em dois dias, em 21 de junho com uma votação no congresso, no dia seguinte, no senado. Lugo se queixou de o processo ter sido irregular, sem tempo para preparar uma defesa. Nesse caso, as opiniões se dividiram, com governos à esquerda, como o do Brasil então, chamando de golpe, enquanto outros consideraram a ação constitucional.

“Em ambos os países, embora haja a ação do Parlamento, da mídia e do Judiciário, com evidente acordo com as Forças Armadas e grupos externos, a maneira não é tão explícita”, diz Pedro. “Uma ação militar bruta sofreria um imediato e intenso processo de reação interna e externa, o que tiraria sua legitimidade e macularia a ação antidemocrática desses grupos.”

Já Priscila Perazzo é mais pessimista. Ela acredita que a situação atual “difere muito pouco [de 64] no que diz respeito à crise política, às dificuldades econômicas, às polaridades ideológicas e aos movimentos que ocorrem organizadamente ou não”. 

“Infelizmente, os ideais autoritários refloresceram no Brasil”, explica. “Qualquer governo, autoritário ou não, precisa de legitimidade de poder vinda daqueles para o qual ele se volta. Já estamos nesse ponto para que a população legitime um governo forte, armado, opressor, de ideias únicas impostas. A ditadura já está na população. Agora só falta ser implantada no governo. Esse próximo passo está muito próximo. Pode vir a ser um governo das Forças Armadas ou não. No momento, parece que não, apenas estarão de prontidão para dar garantias ao governo civil.”

Marcos Napolitano também acha que não vai haver golpe. “Acredito que não, ao menos no mesmo sentido que houve em 1964. Com a recente vitória da extrema direita, acredito que haverá um governo com fortes medidas autoritárias e repressivas no campo da educação, cultura e em relação aos movimentos sociais e direitos civis, revestidas de medidas legais, mas talvez não se configure como ditadura plena no sentido estrito do termo (supressão das eleições, hipertrofia do Executivo, centralização político-burocrática e suspensão formal dos direitos individuais). Obviamente, tudo vai depender da evolução da crise, do comportamento da economia e do tipo de conflito político-social nos próximos dois ou três anos.”