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Matérias / Personagem

Um alter ego ficcional de seu criador: as origens do icônico James Bond

Ian Fleming foi responsável por dar vida ao mais famoso agente secreto da literatura universal

Texto André Bernardo // Adaptado por Thiago Lincolins Publicado em 31/10/2020, às 12h20

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Sean Connery como James Bond - Divulgação
Sean Connery como James Bond - Divulgação

A notícia da morte do astro Sean Connery aos 90 anos entristeceu os fãs da franquia James Bond neste sábado, 31. Connery morreu enquanto dormia durante uma estadia nas Bahamas. Conforme divulgado pela BBC, o seu filho, Jason Connery, afirmou que o artista estava "indisposto há algum tempo". 

"Todos nós estamos trabalhando para entender este grande evento, pois ele só aconteceu recentemente, embora meu pai esteja doente há algum tempo", explicou Jason. "Um dia triste para todos que conheciam e amavam meu pai e uma triste perda para todas as pessoas ao redor do mundo que gostaram do maravilhoso presente que ele tinha como ator". 

Sean Connery como James Bond /Crédito - Divulgação

A morte do artista que interpretou o primeiro Bond automaticamente levanta uma dúvida: Como surgiu o curioso personagem?

Em 1946, recém-desligado da Marinha Real Britânica, Ian Fleming decidiu construir uma casa em Oracabessa, cidadezinha litorânea no norte da Jamaica. Ex-comandante do Serviço de Inteligência, Fleming conheceu a ilha durante a Segunda Guerra, quando foi designado para espionar a suposta presença de submarinos alemães no Mar do Caribe. Foi lá que Ian Lancaster Fleming escreveu os 14 livros, entre contos e romances, de James Bond, o mais famoso agente secreto da literatura universal.

Na hora de batizar a propriedade, Fleming não teve dúvida. “Golden Eye foi o nome dado à operação que tinha por objetivo montar bases de apoio na Espanha”, diz o biógrafo Andrew Lycett, de Ian Fleming.

“O Estreito de Gibraltar era considerado estratégico porque, caso a Espanha fosse invadida, os nazistas teriam controle sobre toda a costa do Atlântico, o que representaria um risco ainda maior aos navios aliados. Fleming sentia tanto orgulho dessa operação que, anos depois, deu o nome dela à sua casa de veraneio na Jamaica.”

Autor de uma completa biografia sobre o criador de 007, Lycett afirma que o convite para ingressar no mundo da espionagem partiu do contra-almirante John Henry Godfrey, ex-diretor da Inteligência Naval da Marinha Real Britânica. Em maio de 1939, quatro meses antes do início da Segunda Guerra, Godfrey perguntou a Fleming se ele não gostaria de trabalhar como seu assistente pessoal.

Convite aceito, Fleming ficou incumbido, entre outras tarefas, de estudar dossiês sobre agentes secretos e bolar projetos de inteligência contra os alemães. O mais bem-sucedido deles foi Golden Eye.

Fleming desempenhou tão bem a função que, em 1942, foi encarregado de chefiar uma unidade secreta conhecida como 30 Assault Unit. “Sua missão era se infiltrar em territórios prestes a serem invadidos e recolher documentos importantes antes que fossem destruídos pelo inimigo”, explica o escritor Nigel West, de Historical Dictionary of Ian Fleming's World of Intelligence: Fact and Fiction. Segundo West, Fleming raramente saía para o campo de batalha. “Ele não tinha autorização para estar próximo das linhas inimigas. Se fosse capturado, representaria um risco à segurança.”

Jogada de mestre

Já nessa época, Fleming colecionava amigos que atuavam como agentes secretos. O primeiro foi Conrad O’Brien-ffrench, que conheceu em 1927, quando, aos 19 anos, estudou na Escola Tennerhof, na Áustria. Depois vieram outros, como Dusan Dusko Popov e Patrick Dalzel-Job.

Durante a Segunda Guerra, Popov trabalhou tanto para o serviço secreto alemão, sob o codinome Ivan, quanto para o MI5, serviço de segurança nacional, com a alcunha de Triciclo. Como agente duplo, contava aos alemães tudo o que os ingleses gostariam que soubessem.

Fleming conheceu Popov no Casino Estoril, em Portugal, durante uma rodada de bacará, em 1941. Na ocasião, o agente sérvio fez uma aposta de US$ 40 mil, que obrigou um adversário a se retirar da mesa. A cena impressionou tanto que Fleming a usou em seu primeiro romance, Casino Royale, escrito em 1953.

Já Dalzel-Job era um dos 30 homens de confiança de Fleming na 30 Assault Unit. Em maio de 1940, quando servia na Noruega, Dalzel- Job montou uma operação que resgatou 4.500 civis, entre homens, mulheres e crianças, de um povoado ameaçado por bombardeios alemães.

Por ter desobedecido as ordens de seus superiores, Dalzel-Job foi levado à corte marcial. Só escapou porque o rei Haakon VII intercedeu em seu favor. De quebra, ainda levou a Cruz de Cavaleiro de Saint Olav, a mais alta condecoração da Noruega, por seu ato de bravura.

Ao ser indagado, certa vez, se reconhecia traços de sua personalidade no jeitão mulherengo de James Bond,deu de ombros: “Os livros e filmes dele nunca fizeram o meu estilo”. “Além disso, só amei uma única mulher em toda a minha vida”, disse Dalzel-Job, por ocasião da morte da esposa, Bjorg, em 1986.

Fluente em francês, William Somerset Maugham foi recrutado para trabalhar como agente secreto durante a Primeira Guerra. Em 1928, ele tirou proveito dos anos vividos como espião para escrever os 16 contos que integram a antologia O Agente Britânico.

A exemplo de James Bond e Ian Fleming, John Ashenden, um agente de hábitos refinados, também pode ser considerado o alter ego de Maugham. Autor de clássicos como Servidão Humana, de 1915, e O Fio da Navalha, de 1944, Somerset Maugham morreu em Nice, na França, em 1965, aos 91 anos.

Partiu de Kim Philby, o famoso agente duplo soviético, o convite para Henry Graham Greene ingressar no serviço secreto, em 1941. Naquele mesmo ano, foi mandado para Freetown, Serra Leoa, onde permaneceu até 1943. Um de seus livros mais famosos é Nosso Homem em Havana, de 1958.

Nele, conta a história de um vendedor inglês de aspirador de pó que aceita trabalhar como espião em Cuba, onde mora. Só que, em vez de somente relatar o que viu e ouviu, começa a inventar histórias para os seus superiores.

Nascido David John Moore Cornwell, John Le Carré trabalhava como agente disfarçado de diplomata na embaixada de Bonn, na Alemanha, quando lançou O Espião que Saiu do Frio, em 1963. O romance deu a ele tanta projeção que resolveu pedir dispensa do serviço secreto.

Ao todo, foram 13 anos dedicados à espionagem: tanto no MI5, o serviço de segurança nacional, quanto no MI6. Aos 82 anos, ele já escreveu mais de 20 livros, muitos adaptados para o cinema, como O Espião Que Sabia Demais, de 1974; O Alfaiate do Panamá, de 1996; e O Jardineiro Fiel, de 2001.

Arquivo confidencial

Para o historiador Keith Jeffery, a lista de agentes que serviram de inspiração para Fleming é extensa e inclui alguns nomes do MI6(sigla para Military Intelligence, Section 6, a CIA do Reino Unido), como Wilfred Biffy Dunderdale, ex-chefe do escritório da organização em Paris, e Pieter Tazelaar.

É o que revela Jeffery em MI6: The History of the Secret Intelligence Service, um calhamaço de 800 páginas que vira pelo avesso os arquivos da agência britânica, desde sua criação, em 1909, até pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

Bond com o famoso smoking que foi inspirado nos amigos de Fleming / Crédito: Divulgação

Algumas das histórias contadas por Jeffery são familiares aos aficionados por James Bond. Como a que descreve a chegada de Pieter Tazelaar a uma praia da Holanda, então ocupada pelo exército alemão, com um smoking, impecável, sob a roupa de mergulho.

Ao tomar conhecimento da façanha, Fleming fez questão de incluí-la em Goldfinger, lançado em 1959 e levado às telas em 1964. “Os espiões da vida real são bem mais interessantes do que os da ficção”, afirma Jeffery. “O James Bond dos filmes mais parece um super-herói de desenho animado do que um agente de carne e osso.”

Professor da Universidade de Belfast, no Reino Unido, Jeffery se apressa em esclarecer que os membros do MI6– ao contrário do mais famoso deles, James Bond – nunca tiveram qualquer licença para matar: “Isso é pura invenção do Fleming”.

“Durante a Segunda Guerra, os agentes britânicos, principalmente os que serviram em unidades especiais, aprenderam técnicas de combate. Muitos deles tiveram que usá-las, por exemplo, quando a França foi ocupada pelos alemães. Mas tais técnicas só podiam ser usadas pelos agentes em situações de legítima defesa”, afirma.

Criador e Criatura

Ainda hoje, anos depois da morte de Fleming, vítima de ataque cardíaco no dia 12 de agosto de 1964, aos 56 anos, jornalistas e historiadores se perguntam: mas, afinal, onde termina Fleming? E onde começa Bond?

Para o historiador James Chapman, da Universidade de Leicester, na Inglaterra, James Bond pode ser entendido como o alter ego ficcional de seu criador. “Ele é tudo o que Ian Fleming gostaria de ter sido”, declara. “Na hora de criar o personagem, Fleming emprestou a Bond o seu gosto pessoal em roupas, cigarros, carros, bebidas e mulheres”, enumera.

Autor deLicence To Thrill: A Cultural History of the James Bond Films, Chapman aponta semelhanças entre Fleming e Bond. A primeira é que os dois eram fumantes incorrigíveis. E eles não fumavam qualquer cigarro, só os da marca Morland Special. No caso de Fleming, chegava a quase 60 por dia. Outra paixão é o golfe.

Nos filmes, o agente secreto apareceu dando umas tacadas em 007 contra Goldfinger, de 1964, e O Amanhã Nunca Morre, de 1997. Quanto a Fleming, ele sofreu o infarto que tiraria sua vida no campo de golfe Royal St. George’s Sandwich, em Kent, na Inglaterra.

Na opinião do historiador Vincent Chenille, da Universidade de Versalhes, na França, as semelhanças entre Fleming e Bond vão além do fascínio por carros velozes, mulheres bonitas e jogos de azar. Segundo ele, Bond permitiu que Fleming realizasse alguns de seus sonhos, como seguir a carreira diplomática.

Se Fleming fracassou no exame, Bond teve melhor sorte no livro A Morte no Japão, que ganhou o título de Com 007 Só Se Vive Duas Vezes, quando chegou às telas, em 1967. “A relação de Fleming com Bond era de puro amor e ódio. No fundo, sabia que seu personagem era melhor do que ele”, afirma.