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Não, a pesquisa genética no Líbano não contradiz a Bíblia

Os tais cananeus que não foram mortos eram velhos conhecidos dos israelitas

Fábio Marton Publicado em 02/08/2017, às 10h45 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h35

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A própria Bíblia menciona os cananeus sobrevivendo - Wikimedia Commons
A própria Bíblia menciona os cananeus sobrevivendo - Wikimedia Commons

A notícia é relativamente simples: um estudo genético comparou o DNA de cinco habitantes de Sidon que viveram há 3700 anos atrás com 99 libaneses modernos. O resultado foi que, apesar dos múltiplos conquistadores que passaram pela região, os libaneses ainda tem 90% de genes em comum com eles. E esse DNA dos ancestrais era formado por três levas: uma população autóctone de 10 mil anos, migrantes do leste de entre 6650 e 3550 anos, e uma fração menor europeia, de entre 1800 a 600 a.C. 

Os meios de comunicação tiraram daí uma bombástica chamada. Falou-se em "cadáveres que contradizem Deus" ou  "achados que contradizem a vontade de Deus". Houve quem celebrou como isso contradiz a Bíblia e um site evangélico que afirmou que confirma a Bíblia

O que está em questão é o Livro de Josué, que afirma que os hebreus, após se libertarem do cativeiro no Egito e vagarem 40 anos no deserto, sob a liderança do sucessor de Moisés, Josué, partiram para a conquista a Terra Prometida, Canaã. Em Canaã, não é mistério, viviam cananeus. Segundo a narrativa, por ordem do próprio Deus, nenhum deles sobreviveu. 

A pesquisa fala em como os libaneses têm DNA "cananeu". Xeque-mate, Bíblia?

O problema aqui é que os cananeus que viviam em Sidon os hebreus conheciam muito bem. Não faria o menor sentido escrever livros dizendo que eles haviam sido eliminados na época em que estavam logo ali às portas. E eram mundialmente célebres: Sidon era uma das cidades-estado dos fenícios, os maiores comerciantes da Antiguidade, inventores do alfabeto e da trirreme, que por pouco não deram fim ao Império Romano

Os fenícios chamavam a si próprios e são chamados por acadêmicos modernos de cananeus. Nesse sentido, cananeus são o conjunto dos povos semitas e pagãos das imediações dos reinos dos judeus. Havia outros deles, como os moabitas, amonitas e edomitas. A Bíblia chama de cananeus no geral um povo não-identificados e conquistado, os habitantes de Jericó. Os demais cananeus ganhavam nome próprio. Eram fenícios, moabitas etc. Nos livros mais recentes da Bíblia, como Zacarias e no Novo Testamente, "cananeu" é usado novamente, então como sinônimo para "fenício".

Enfim, bastaria ler a Bíblia para saber que a notícia não é tudo isso (e porque não é tudo isso não foi dada antes na AH). Ela quer dizer que os libaneses descendem principalmente dos fenícios, os cananeus do Líbano e Síria. É um achado de particular significado no Líbano, onde nacionalistas (geralmente cristãos) insistem que eles não são árabes, mas fenícios.

Ou, dito de outra forma, revela que os libaneses são descendentes dos antigos habitantes do... Líbano. 

Não quer dizer, porém, que a conquista de Canaã descrita na Bíblia é aceita pela maioria dos historiadores. O consenso hoje é que os próprios hebreus eram um povo nativo cananeu. Porque não há vestígios arqueológicos indicando a conquista e a língua hebraica é muito próxima às dos vizinhos. Os judeus se definiram pela religião monoteísta e criaram uma mitologia histórica para uma origem externa, como forma de se separarem dos vizinhos pagãos.