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Matérias / Roque José Florêncio

130 anos de vida e mais de 200 filhos: conheça o escravo Roque José Florêncio

Mais lidas do ano: Acredita-se que o Pata-Seca, como foi apelidado, seja antecessor direto de 30% da população do vilarejo de Santa Eudóxia

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 17/05/2020, às 08h00 - Atualizado em 23/12/2022, às 12h26

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Roque José Florêncio, o escravo reprodutor - Reprodução
Roque José Florêncio, o escravo reprodutor - Reprodução

Em 13 de maio de 1888, princesa Isabel sancionava a Lei Áurea e colocava fim, em partes, à subordinação negra. Apesar do importante passo, a história dos escravos ainda possui lacunas que foram esquecidas ao longo da história — seja por falta de documentações que embasem o enredo ou até porque, em muitas partes, essa memória foi construída em benefício da elite.

Seja como for, uma dessas narrativas que se perdeu foi a de Roque José Florêncio, que viveu nos arredores da cidade de São Carlos, no interior de São Paulo. Nascido na primeira metade do século 19, Florêncio foi comprado pelo latifundiário Francisco da Cunha Bueno em uma feira local.

O escravo reprodutor

Devido a seu porte físico e as crenças da época, Roque José Florêncio foi declarado “escravo reprodutor” — ele tinha 2,18 metros de altura e, naquele tempo, havia o mito de que homens que eram altos e com as canelas finas tinham maior tendência a gerarem filhos homens. Daí a escolha, afinal, seus frutos seriam uma mão de obra extremamente adequada aos trabalhos forçados do campo.

Obrigado a visitar as senzalas regularmente para violar as mulheres que lá estavam, teria tido mais de 200 filhos — sendo antecessor direto de 30% da população do vilarejo de Santa Eudóxia.

Além das características físicas já citadas, ele também tinha as mãos longas e finas, o que lhe rendeu o apelido de Pata-Seca. Outro fato curioso sobre o escravo é que ele não trabalhava na lavoura e tampouco vivia na senzala. Muito pelo contrário, seu status de “escravo reprodutor” lhe rendia algumas regalias.

Além do mais, Florêncio também nutria uma boa relação com Cunha Bueno e, assim, ficou responsável por cuidar dos animais de transporte da fazenda. Ainda, foi encarregado de percorrer, todos os dias, mais de 30 quilômetros de cavalo para buscar as correspondências de seu senhor.

Aliás, foi com esse serviço de mensagens que conheceu Palmira, uma moça da cidade com a qual se casou. Na garupa do cavalo, ela foi levada para o sítio de Francisco. Chegando lá, foram agraciados pelo fazendeiro com 20 alqueires de terra, onde construíram uma casa e tiveram nove filhos.

Apesar da posse, não tinham dinheiro suficiente para cercar o terreno. Como consequência, perderam parte do lote para seus vizinhos. Porém, isso não impediu que Roque José criasse galinhas e vendesse seus ovos; cultivasse mandioca e abobrinha; e produzisse utensílios domésticos e os vendesse na região.

O destino de Roque José

Roque José Florêncio teria exercido essas funções até o fim de sua vida, em 1958. Um documento emitido em 17 de fevereiro daquele ano aponta que o escravo morreu por insuficiência cardíaca, miocardite, esclerose e senilidade.

Apesar da falta de arquivos que apontem a data ao certo que ele veio ao mundo, o psicólogo Marinaldo Fernando de Souza, doutor em educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), que escreveu uma tese baseada na vida de Florêncio, explica que a falta de registros está na desvalorização da memória negra.

"A história oficial tende a forçar o esquecimento da memória negra", disse em entrevista ao G1. "Em Santa Eudóxia existe uma história a ser vasculhada, a ser contada, e que fica relegada a um status de menor valor".

Se fosse um branco, não seria lenda. Ele é real, foi escravizado", explica o pesquisador.

"Essa história precisa ser resgatada e não precisa de documentos. Os documentos são forjados em prol da elite branca. A memória negra precisa vir à tona", completou o psicólogo.