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Matérias / Rainha Vitória

Rainha Vitória, a intensa trajetória da mulher por trás do Império

Símbolo do imperialismo britânico e da popularidade da monarquia, a rainha Vitória tem um imenso legado

Raphaela de Campos Melo Publicado em 10/11/2019, às 10h00 - Atualizado em 22/01/2023, às 09h17

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A rainha Vitória em um retrato colorido - Getty Images
A rainha Vitória em um retrato colorido - Getty Images

“Estou cada dia mais convencida de que nós, mulheres, se queremos ser boas, femininas, amáveis e agradáveis na intimidade, não somos feitas para reinar.” Difícil acreditar que esta afirmação partiu da mulher que esteve à frente do segundo mais longo reinado da história do Reino Unido, de 1837 a 1901 (64 anos), desbancado apenas por sua tataraneta, a rainha Elizabeth II, no trono desde 1952 (67 anos).

Símbolo do imperialismo britânico no século 19, apoiadora da expansão territorial inglesa e do fortalecimento da burguesia industrial, a rainha Vitória eternizou a imagem de soberana sólida, digna e confiável. No entanto, um olhar mais acurado revela uma mulher marcada por perdas, contradições e transtornos emocionais.

Gênio forte

 Austera, deprimida, autoritária e autocentrada, Vitória fazia o que queria na medida do possível. Os outros que se adaptassem às suas vontades – que, por sinal, passavam longe das concessões. Se por um lado defendia o ideal de mulher doce e maleável, tão valorizado em seu tempo, por outro, era incapaz de conter o ímpeto explosivo e impositivo, o gênio forte e destemido.

Para a historiadora e biógrafa francesa Anka Muhlstein, autora do livro Vitória (ed. Companhia das Letras), a Era Vitoriana transcorreu sob a égide dos bons costumes e da rígida moral cristã, em boa medida refletida pela imagem pública da rainha, vista como a sofrida “viúva de Windsor”, sempre trajando vestidos pretos, fiel ao seu amado Albert até o último suspiro. No entanto, segundo Anka, este não passava de um retrato “bem insípido de sua verdadeira personalidade”.

Crédito: Getty Images

“Falamos de uma mulher liderando um dos maiores impérios mundiais num momento em que as mulheres não têm direito ao voto, não têm direito de participação política. Haja vista as leis de 1832, Reform Act, e 1835, Municipal Corporations Act, que baniram explicitamente as mulheres da possibilidade de direito ao voto. É uma dubiedade muito grande”, opina Raquel Gryszczenko Alves Gomes, professora de história contemporânea na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.

Acusada de ser contrária à emancipação feminina, a soberana se dividiu entre a teoria e a prática. Disparou: “Que a mulher permaneça o que Deus queria que fosse: um apoio para o homem, com deveres e uma vocação completamente diferentes”.

Mas também se deu ao direito de desfrutar de certas liberdades, como o uso de clorofórmio em seu último trabalho de parto. De acordo com a mentalidade vigente, tal gesto levava à “degeneração moral”, uma vez que a dor do parto era compreendida como o castigo divino pelas transgressões e pelo pecado. “Imagine quantas mulheres passaram a se sentir autorizadas para ao menos tentar solicitar o uso do clorofórmio ao darem à luz?”, questiona a docente.

Personalidade

Uma possível análise psicológica remonta às origens de sua tumultuada personalidade: ter se tornado órfã de pai aos 8 meses de vida. Tudo começou assim: Alexandrina Vitória Regina nasceu em Londres, Inglaterra, no dia 24 de maio de 1819. Filha de Eduardo Augusto, duque de Kent, e de Vitória de Saxe-Coburgo, princesa germânica.

Educada com severidade, passou a infância e a mocidade superprotegida no Palácio de Kensington, em Londres, onde estudou geografia, história, inglês, francês, alemão, piano, pintura e outros conhecimentos considerados indispensáveis para uma futura soberana.

No entanto, a carência da figura paterna marcou sua vida toda. Talvez, por isso, tenha buscado relações de cumplicidade com diferentes homens do seu convívio até a velhice, entre eles, ministros e secretários que sabiam entretê-la e adulá-la. Soma-se a essa ferida a difícil relação que teve ao longo da vida com a mãe e as memórias de uma infância solitária e infeliz.

Da meninice à adolescência, Vitória viu a duquesa sucumbir à dominação de Sir John Conroy, ex-escudeiro do duque de Kent e encarregado das finanças da família. Essa aliança a afastou da filha, que, mais tarde, chegou a ser pressionada por Conroy para que optasse pela regência ou fizesse dele seu secretário privado quando assumisse o trono.

Coroada em 1837 aos 18 anos, após a morte do tio, o rei Guilherme IV, que não deixou herdeiros legítimos, a jovem Vitória dá as primeiras provas de seu caráter. Diz não a Conroy, o qual detestava, e se distancia da mãe, com quem manteve um relacionamento frio e ressentido até a morte dela, em 1861. Seu mentor político e guardião pessoal passa a ser seu tio Leopoldo, rei dos belgas.

Havia enorme pressão em torno da recém-empossada. A sobrevivência da monarquia, marcada pela instabilidade política, econômica e social em uma Europa que caminhava para a formação de Estados republicanos, dependia do sucesso dela como monarca. Apesar da autoestima alquebrada – ela se sentia feia e intelectualmente limitada, Vitória demonstrou grande determinação no raiar da vida pública.

Crédito: Wikimedia Commons

“Sou muito jovem e talvez em muitas, mas não em todas as coisas, inexperiente, mas estou certa de que poucos têm mais boa vontade e desejo de fazer o que é justo e certo do que eu”, escreveu em seu diário. Nesse período, o bom relacionamento com o primeiro-ministro Lord Melbourne foi um esteio confiável. Com ele, a jovem monarca abordava todos os assuntos, recebia as orientações necessárias para transitar em um mundo patriarcal e ainda se divertia, tendo em vista o temperamento leve e galanteador do político. Um começo promissor.

Vitória foi ardente defensora do liberalismo e da monarquia constitucional. Por todo o seu reinado respeitou o parlamento e foi hábil diplomata. Não era para menos. Seus descendentes se casaram com outros nobres e se espalharam por diversas coroas europeias.

Dos nove filhos, ela teve 35 netos, entre os quais o imperador da Alemanha, a imperatriz da Rússia, as rainhas da Grécia, da Noruega e da Romênia. Na geração seguinte, seus descendentes eram encontrados em outros países, como na Espanha, na Dinamarca, na Suécia, na Iugoslávia. Administrar os conflitos e os interesses da realeza, bem como a harmonia familiar, passou a ser sua especialidade.

Despedida

Na segunda metade do século 19, o Reino Unido despontava como a grande potência econômica mundial, fruto da Revolução Industrial, que, por um lado, alimentou a sanha expansionista inglesa na Ásia e na África, enriquecendo a classe burguesa, e, por outro, explorou ao máximo a classe operária, incluindo as crianças, transformadas em mão de obra nas fábricas.

“É importante pensar na classe trabalhadora também como um grupo que ganha visibilidade e força política a partir de suas experiências e organização, e que passa a investir sistematicamente na denúncia de suas condições e na reivindicação de novas relações de trabalho”, observa a docente Raquel.

Para que a monarquia mantivesse um bom relacionamento com a classe trabalhadora, importantes negociações foram levadas a cabo, como, por exemplo, o direito ao voto conquistado por trabalhadores urbanos em 1867 (ampliado para trabalhadores rurais após 17 anos, em 1884), além da proposição de um sistema universal de educação primária, estabelecido em 1870 pelo Forster’s Act.

O governo também enfrentou resistências nos continentes africano e asiático. Como boa defensora do imperialismo e totalmente alinhada ao primeiro- ministro Benjamin Disraeli, que enaltecia a importância do poderio britânico mundo afora, Vitória apoiou o envolvimento do seu Império em embates como a Revolta dos Cipaios, na Índia, e a Guerra Anglo-Zulu, na África do Sul.

Além dos interesses comerciais, havia nessa época a crença em uma missão civilizatória preconizada pela vontade de Deus, segundo a qual o Reino Unido, nação superior, tinha que moralizar e catequizar os colonos.

Tamanha ebulição resultou em oito tentativas de assassinato. Vitória saiu ilesa, assim como todo o regime monárquico britânico, acalentado pela população como um ideal digno de veneração e reverência, a despeito dos conflitos políticos, econômicos e sociais, e da modernização do mundo.

Em 22 de janeiro de 1901, aos 81 anos, a rainha Vitória faleceu. Conforme seu desejo, trajou um vestido branco e foi coberta com o véu de seu casamento. Quatro anos antes, em 1897, nas comemorações do jubileu de diamante, 60 anos de reinado, foi aplaudida pela multidão que tomou as ruas de Londres.

“Fui ovacionada e cada face parecia repleta de contentamento”, registrou. Graças a ela e aos seus descendentes, a popularidade da coroa britânica segue inabalável. E sua família continua a povoar a Europa. Se não feminista, ela certamente foi uma grande matriarca.