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Matérias / Brasil

40 anos de Anistia: Brasil, o país que não quer olhar para o passado

Como parte do projeto de reabertura política controlada, o governo militar aproveitou uma demanda social de anistia para impedir a punição de torturadores

André Nogueira Publicado em 28/08/2019, às 14h00

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Comissão Nacional da Verdade
Comissão Nacional da Verdade

O Brasil tem um histórico de não querer olhar para o passado, fazendo tábula rasa das atrocidades de sua História. Não temos um debate público o golpe que fundou nossa República. Não queremos admitir a escravidão ou nossa primeira ditadura (1937-1945), e agora tentamos negar a segunda (1964-1985). 

A transição da Ditadura para a Nova República, nos anos 1970 e 80, seguiu o mesmo projeto. Iniciada por Geisel, a chamada Abertura Pendular (por ir e vir nas aberturas democráticas) tentou reestabelecer o projeto de poder instituído nos Anos de Chumbo sem, no entanto, uma reflexão sobre o que foi a Ditadura. O famoso e perigoso discurso de “virar a página”, que não quer lidar com os problemas nacionais em busca de soluções.

Com a reabertura controlada pelo próprio governo, o sistema econômico de super-exploração e loteamento do país, como foi nos anos 1960, perdurou, enquanto as Forças Armadas, responsáveis pela Ditadura, são desculpadas e retornam ao organograma do Estado como se nunca houvesse uma anormalidade institucional de 21 anos.

Protestos populares pela anistia dos presos políticos / Crédito: Wikimedia Commons

Um das peças essenciais desse projeto de esquecimento – que proporciona, assim, a durabilidade – é a própria Lei de Anistia de 1979: promulgada pelo ditador Figueiredo após passagem no Congresso, ela permitiu que os crimes cometidos na Ditadura fossem simplesmente anulados, impedindo, assim, qualquer debate público sobre sua gravidade e suas consequências.

Confira o texto original da lei.

“Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares e outros diplomas legais”.

As consequências dessa Lei são inúmeras, e gravíssimas. Uma primeira, relevante, é o fato de que se complica a tentativa de compreender, mensurar e reagir legalmente aos descontroles e abusos cometidos pela guerrilha em suas tentativas revolucionárias de derrubar o governo.

Torna-se complexo, assim, fazer um balanceamento dos princípios democráticos e dos anseios autoritários desses movimentos armados. E na tentiva da sociedade civil de salvar seus militantes, injustamente transformados em criminosos, abriu-se espaço para a savalguarda de quem comandou o regime de crimes que foi a Ditadura. Nessa confusão, foi fácil aprovar a Lei da Anistia com apoio popular.

Henfil, como sempre, é certeiro na crítica política / Crédito: Reprodução

Com isso, a Lei da Anistia foi um aparato político que permitiu a impunidade aos torturadores, ditadores e abusadores que mandaram durante o Regime Militar. Assim, criminosos de alta periculosidade, infratores dos Direitos Humanos e sádicos algozes reingressaram na sociedade brasileira sem nunca serem expostos. E como a Lei vale até 1961, são anistiados também os ilegaisgolpes ocorridos contra o presidente João Goulart.

Por fim, essa lei abriu espaço para que, em meio à crise do Regime, artistas, políticos e figuras públicas retornassem ao país e tivessem seus direitos políticos restituídos.

Por ter esse trágico papel de proporcionar esquecimentos e proteger torturadores, muitos questionam a validade da lei e até mesmo a sua constitucionalidade: a OAB já protocolou no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) na qual questiona a anistia aos representantes do Estado (policiais e militares) que, durante o regime militar, praticaram atos de tortura.

Essa charge de Latuff é, no mínimo, ilustrativa / Crédito: Reprodução

Em 2014, foi divulgado um relatório da CNV pedindo a revisão da Lei da Anistia, apontando 377 pessoas como responsáveis por assassinatos e torturas entre 1946 e 1988. Entretanto, o STF declarou a medida como constitucional, alegando se tratar de “uma medida necessária no contexto histórico de transição do regime militar para o democrático”.

As consequências são visíveis: torturadores envelhecem impunes em suas casas, pessoas acreditam que nunca houve ditadura e o medo de um novo golpe autocrático continua pairando nossa vida pública, frágil desde o princípio.