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Matérias / Brasil

7 de setembro: mito fundador e o sequestro da história

Todo país tem seus mitos de origem estabelecidos

Daniel Carvalho de Paula Publicado em 06/09/2021, às 10h50

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Pintura que celebra a Independência do Brasil - François-René Mereaux
Pintura que celebra a Independência do Brasil - François-René Mereaux

Nações são inventadas. Isso não significa que fatos históricos conhecidos da maioria não tenham acontecido, mas quer dizer que a seleção que se fez deles, atribuição de significados e relevância, são construções de pessoas e instituições.

Não é à toa que se fundou em 1838, na capital do Império, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, com a missão de consolidar por escrito a biografia da nação e seus limites territoriais em disputa.

No centenário da Independência do Brasil, coube a Taunay e ao Museu Paulista constituir o panteão nacional. Era necessário dizer quem eram nossos heróis e em que dia do ano seriam celebrados. Todo país tem seus mitos de origem estabelecidos.

O 7 de setembro, como conhecemos, esconde a existência de outros projetos e arranjos políticos que concorreram entre si. Essas várias linhas de ação visavam emplacar uma solução para o Brasil em meio à crise engendrada pelas revoluções liberais ibéricas, nas primeiras duas décadas do século XIX.

Revoluções que reivindicaram a promulgação de Constituições, corpo de leis gerais que a todos abarcasse. Documento que hoje é escarnecido por facções irresponsáveis como se não tivesse sido fundado na concepção liberal de soberania popular, contra possíveis atos de tirania.

Um grito dado às margens plácidas do Ipiranga é o mito fundador da nacionalidade brasileira. D. Pedro I, a cavalo, guiando-nos à emancipação. A memória costurada em torno da Independência apresenta esse processo como algo inescapável, uma espécie de destino manifesto do Brasil e seu povo rumo à liberdade.

Duas grandes tendências interpretativas se evidenciam: ou tudo não passou de um acordo entre elites, ou aquilo representou o patriotismo de grandes brasileiros contra a tirania lusitana.

Esse dualismo acaba por torcer a narrativa para dobrá-la aos pés de visões de mundo que se digladiam, reforçando a surdez e a miopia, nos negando uma visão mais crítica e polifônica da história.

Dado que, de forma geral, necessitamos de manifestações concretas daquilo que queremos crer, parece necessário e, talvez até legítimo, que datas e nomes sejam destacados do imenso tecido do passado para darem corpo palpável à nação imaginada.

O perigo está sempre na usurpação desses símbolos feita em nome de atentados criminosos às instituições democráticas, penosamente estabelecidas. A polarização política em que estamos metidos é promovida por aqueles que precisam semear o sectarismo, pois não possuem o fôlego de um projeto de país, apenas a bile de um projeto de poder.

Saber mais sobre a construção histórica que nos trouxe ao 7 de setembro não deve estar a serviço de eliminar feriados do calendário. Não se trata de mera iconoclastia, mas sim de nos prevenirmos dos iconólatras, adoradores de símbolos, que pretendem sequestrar a história e, sob tortura, fazê-la repetir seu mantra antidemocrático, travestido de amor à nação.


Daniel Carvalho de Paula é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel e Licenciado em História, Mestre e Doutorando em História Social, pela USP.