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Matérias / Brasil

O acidente do césio em Goiânia

Há 31 anos, um banal aparelho de raios x colocava o Brasil na lista de países com acidentes nucleares fatais

Lorena Verli Publicado em 13/09/2018, às 07h00

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Ninguém imaginava que um pó branco que emitia um brilho azul, poderia causar um desastre - Shutterstock
Ninguém imaginava que um pó branco que emitia um brilho azul, poderia causar um desastre - Shutterstock

Em 13 de setembro de 1987, dois catadores de lixo de Goiânia deram início ao que seria o maior acidente radioativo do Brasil. E terceiro maior do mundo - em número de vítimas fatais, só perde para Chernobyl e o pouco conhecido incidente em Kyshtym, na União Soviética, em 1957.

Ao arrombarem um aparelho radiológico, encontrado nos escombros de um antigo hospital, expuseram o césio 137, pó branco que emitia um estranho brilho azul quando colocado no escuro. Considerado sobrenatural, o elemento radioativo criado em laboratório passou de mão em mão, contaminando o solo, o ar e centenas de moradores da capital goiana.

O enterro de Leide das Neves,uma das maiores vítimas da tragédia Reprodução / Youtube

Foram necessários 16 dias para perceberem que a substância estava deixando um monte de pessoas doentes. Durante esse tempo, a contaminação só se espalhava. Após o desastre, os trabalhos de descontaminação produziram 13,4 toneladas de lixo radioativo entre roupas, utensílios, plantas, animais, restos de solo e materiais de construção.

Tudo isso foi armazenado em cerca de 1200 caixas, 1900 tambores e 14 contêineres, guardados em um depósito construído na cidade de Abadia de Goiânia, a 24 quilômetros da capital.

Brilho da morte 

"O brilho da morte", como o césio foi chamado por Devair Alves Ferreira, primeira pessoa a entrar em contato direto com o elemento, fez muitas vítimas. Quatro morreram cerca de um mês após a exposição. Entre elas, uma criança de 6 anos, Leide das Neves, considerada a maior fonte humana radioativa do mundo.

Agentes retirando material radioativo Reprodução / Youtube

"A única vez que vi o césio foi quando meu irmão mostrou a pedra e perguntou se ela poderia ser usada para fazer um anel. Peguei um pedaço menor que um grão de arroz e esfreguei na palma da mão. Como era dia, não havia nenhum brilho. Oito dias depois, minhas mãos começaram a coçar e incharam. Sentia tonteiras e náuseas. Um dia, a polícia chegou a nossa rua e começou a isolar as pessoas no estádio Olímpico. Só aí descobri que aquela pedra era radioativa. A população entrou em pânico. Fui a última vítima a ser isolada. Vi meus irmãos entrarem no avião e serem enviados ao Rio de Janeiro para fazerem um tratamento intensivo. Quando saímos do hospital, as pessoas nos tratavam como se tivéssemos uma doença contagiosa. As vítimas do césio eram apedrejadas. Tive que mudar meus filhos de escola duas vezes.", diz Odesson Alves Ferreira, uma das vítimas do acidente. 

Na época o acidente foi justificado como um "vazamento de gás", pois ao mesmo tempo a cidade sediava o GP Internacional de Moto velocidade no Autódromo Internacional Ayrton Senna. O governador do estado na época, Henrique Santillo não queria que o pânico fosse instalado nos turistas.

Em 1996, a Justiça condenou, por homicídio culposo, sócios e um funcionário do hospital abandonado a três anos e dois meses de prisão. Mas as penas foram trocadas por prestação de serviços. Hoje, uma lei estadual garante as vítimas que ainda correm risco de desenvolver câncer, o pagamento de uma pensão e assistência médica. 


Longo trajeto da luz azul

Em 1987, o césio 137 fez centenas de vítimas durante os dias em que percorreu Goiânia

A capsula de onde saiu o césio 137 Reprodução / Cnen

➽ 13/9: Os catadores de lixo Roberto dos Santos e Wagner Mota removem partes de um aparelho usado no tratamento de câncer das antigas dependências do Instituto Goiano de Radioterapia. O objetivo era vender o metal do equipamento para um ferro-velho. Arrombaram a máquina e deram início à contaminação.

➽ 18/9: Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho perto do hospital desativado, compra a peça. No mesmo dia, ele arromba a máquina e entra em contato com 19,26 gramas de césio 137. Ele descobre que a substância, em ambientes escuros, emite uma luz azulada. Encantado, acredita estar diante de algo sobrenatural e leva o pó para casa.

Vítimas sendo examinadas Reprodução

➽ 19 a 21/9: Devair recebe a visita de parentes, vizinhos e amigos interessados em ver a misteriosa luz azul. Todos começam a apresentar tonturas, náuseas, vômitos e diarreia - os primeiros sintomas da contaminação radioativa. No dia 19, seu irmão Ivo leva a substância para casa e ela é ingerida por sua filha de 6 anos, Leide das Neves.

➽ 26/9: Odesson Ferreira, outro irmão de Devair, entra em contato com a substância. Motorista de ônibus, contamina centenas de passageiros. A frente de seu veículo foi considerada uma alta fonte de contaminação e destruída como lixo radioativo. Enquanto isso, os hospitais entram em alerta com o número de doentes que apresentam os mesmos sintomas.

➽ 29/9: Maria Gabriela, esposa de Devair, suspeita que o pó branco seja o responsável pelos sintomas e leva a cápsula de césio para a Vigilância Sanitária. O físico Walter Mendes é chamado e descobre tratar-se de uma substância radioativa. Ele chega a tempo de impedir que os bombeiros joguem a cápsula dentro do rio Meio Ponte, principal fonte de abastecimento da cidade.

Vítimas em quarentena no Olímpico Reprodução / Youtube

➽ 30/9: Os técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) chegam a Goiânia e, junto com a polícia militar, começam os trabalhos de descontaminação. Centenas de pessoas que apresentam os sintomas do contato com o césio são colocadas de quarentena num estádio, o Olímpico, onde passam por uma triagem para identificar o grau de contaminação.