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Matérias / Brasil

As cartas escritas por um indígena e traduzidas do tupi para o português pela primeira vez

Documentos do século 16 revelam a intensa experiência de parentes indígenas lutando em lados opostos de uma batalha

Ingredi Brunato, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 07/11/2021, às 10h00

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Montagem mostrando uma pintura representando o indígena que escreveu a carta e, à direita, uma das mensagens - Divulgação/ Museu do Estado de Pernambuco/ Eduardo Navarro/ Arquivo Pessoal
Montagem mostrando uma pintura representando o indígena que escreveu a carta e, à direita, uma das mensagens - Divulgação/ Museu do Estado de Pernambuco/ Eduardo Navarro/ Arquivo Pessoal

Diversas vezes lemos ou ouvimos sobre os povos indígenas através das descrições dos colonos portugueses. A História conta a narrativa dos vencedores, e infelizmente os nativos do Brasil foram vítimas de um cruel genocídio, fazendo com que suas versões dos acontecimentos de perdessem. 

Neste último mês de novembro de 2021, porém, algo inédito ocorreu: a finalização da tradução de um grupo de documentos escritos em tupi no ano de 1645 para a língua portuguesa. Vale lembrar que o tupi era um idioma exclusivamente oral, e quem criou a versão escrita foram os jesuítas, o que torna esses registros raros. 

Cartas, até então, indecifráveis

Quem escreveu foi um líder indígena que viveu no século 16, tendo participado do conflito entre os holandeses e portugueses pelo domínio pela região que hoje corresponde ao Nordeste, um episódio que ficou conhecido como Insurreição Pernambucana. Os destinatários de suas mensagens, por sua vez, eram parentes que estavam lutando do lado oposto. 

Existe uma série de fatores que torna esse um documento histórico de valor inestimável. Não apenas é uma oportunidade de ouvir um relato histórico através do ponto de vista de um indígena, como o autor do texto é um personagem que cumpriu uma função primordial para que aquele período tenha ocorrido como ocorreu. 

Felipe Camarão organizou uma série de investidas contra os holandeses cujos resultados foram essenciais para garantir a vitória do governo português. 

Fotografias mostrando duas das cartas que foram traduzidas pela pesquisa / Crédito: Divulgação/ Eduardo Navarro/ Arquivo Pessoal

O autor da pesquisa revolucionária é Eduardo Navarro, um professor da USP que anteriormente já havia lançado um dicionário da linguagem tupi. “É a primeira vez que essa história é contada pela pena dos índios, e está ali o lado dos vencidos”, relatou ele a respeito de seu trabalho, conforme repercutido pelo portal de notícias G1. 

O professor foi capaz de alcançar algo inédito: decifrar as seis cartas enviadas por Camarão para seus parentes, Pedro Poti, que era um cacique, e Antônio Paraupaba. A parte mais complicada, segundo revelado por ele, teria sido entender a letra do autor. 

De nativos & para nativos

O primeiro era um indígena católico da tribo potiguar que lutava ao lado dos portugueses, enquanto os outros dois eram protestantes e estavam com os holandeses. Era uma situação triste, em que membros de uma mesma família acabaram separados por um conflito que nem mesmo iria lhes beneficiar. 

“Por que faço guerra com gente de nosso sangue, se vocês são os verdadeiros habitantes desta terra? Será que falta compaixão para com nossa gente?”, refletiu Camarão em uma das mensagens, ainda de acordo com o veículo. 

Em outros momentos, ele elabora argumentos a fim de tentar dissuadir seus parentes de permanecerem lutando junto dos holandeses. 

Não pensem que se poupa a vida dos potiguaras, da gente nossa, por esses terem sido feitos chefes. Não pensem que os holandeses livram vocês de nós. Somente a vida deles é poupada”, alertou o líder indígena. 
Assinatura de Felipe Camarão / Crédito: Divulgação/ Eduardo Navarro/ Arquivo Pessoal

Outro traço marcante da correspondência é a tristeza sentida pelo nativo pela perda dos costumes tradicionais de seu povo. 

"Nossas antigas terras, nossos velhos ritos, nossos parentes paraibanos, os de Cupaguaó, os de Uruburema, os de Jareroí, os de Guiratiamim, todos os antigos filhos dos habitantes da Caatinga, tudo e todos estão sob as leis dos insensatos holandeses, assim como seu corpo e sua alma também estão", declarou Felipe Camarão, ainda conforme as informações do g1. 

O trabalho completo de tradução feito por Navarro está para ser publicado no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi.