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Matérias / Segunda Guerra

Há 74 anos, a FEB sofria seu primeiro revés

Após uma aproximação gradual com a realidade da guerra, os brasileiros finalmente tomam contato na Itália com os dois lados de uma luta: a vitória – e a derrota

Márcio Sampaio de Castro Publicado em 31/10/2018, às 10h00

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Ponto conquistado nos Apeninos defendido pela FEB com metralhadoras - Associação dos Ex-Combatentes do Brasil
Ponto conquistado nos Apeninos defendido pela FEB com metralhadoras - Associação dos Ex-Combatentes do Brasil

Em meados de 1944, o porto de Nápoles, na Itália, era um pequeno retrato da guerra no front ocidental europeu. Dezenas de navios retorcidos por bombardeios, outras tantas embarcações civis e militares atracadas e uma infinidade de balões de gás, que tinham por objetivo dificultar eventuais ataques aéreos, marcavam a paisagem do local definido para o desembarque da FEB.

Em terra, pequenos detalhes davam a real dimensão do caos que tomara conta da população civil. O primeiro-tenente José Gonçalves conta em suas reminiscências que, “quando um pracinha atirou uma ponta de cigarro sobre o cais, imediatamente uma multidão se acercou do ponto onde o cigarro tinha caído para disputá-lo”. Outra visão que muito impressionou os milhares de homens que desembarcavam eram as mulheres napolitanas, que trajavam saias especialmente curtas para a época. Testemunhar a disseminação da prostituição em troca de alimentos ou por um simples cigarro ajudava o soldado brasileiro a entender o que realmente significava a guerra.

Num processo de aproximação gradual com o front, o mês de agosto daquele ano seria utilizado para a aclimatação, o treinamento e a incorporação da divisão brasileira ao 5º Exército norte-americano. A FEB passaria a ser mais uma unidade na verdadeira babel em que havia se convertido o território italiano. Além dos próprios norte-americanos, ingleses, sul-africanos, canadenses, hindus, marroquinos, poloneses, franceses e, claro, alemães e italianos combatiam naquele pequeno pedaço da Europa.

Outro dado importante para a nova divisão aliada era saber que a Itália era um país dividido. Ao mesmo tempo em que muitos de seus cidadãos comemoravam a libertação de territórios até então sob o controle das potências do Eixo, vários outros atuavam como espiões, passando informações vitais para o Exército alemão e para as forças fiéis a Benito Mussolini. Em função disso, enquanto recebiam treinamento dos instrutores norte-americanos, os brasileiros eram orientados a não comentar com a população civil detalhes sobre movimentações da tropa ou tamanhos das unidades. Nesse treinamento, os soldados brasileiros aprendiam a manejar as armas automáticas, metralhadoras e canhões fornecidos pelos Estados Unidos. Já os oficiais eram encaminhados para as divisões veteranas que se encontravam em combate para acompanhar de perto o emprego das táticas e formas de comando a serem adotadas em suas unidades.

Batismo de fogo

Os alemães e seus aliados haviam construído uma linha defensiva que cortava a península italiana, com o objetivo de impedir que os aliados alcançassem o vale do rio Pó e o rico e industrializado norte do país. A chamada “Linha Gótica” começava no mar Adriático, no leste, e estendia-se até o mar Tirreno, no oeste, tendo como um de seus pontos mais complicados a região montanhosa dos Apeninos. Seria exatamente ali, a partir do mês de setembro, que os brasileiros receberiam seu batismo de fogo em pequenas localidades ao norte da cidade de Pisa, em escaramuças contra grupos avançados alemães, que recuavam para regiões mais elevadas. No final de outubro, a FEB conheceria seu primeiro revés.

Depois de se estender por uma frente de cerca de 20 quilômetros, faltava ao 6º Regimento de Infantaria conquistar um pequeno conjunto de elevações que garantiria o recuo das tropas nazi-fascistas e, ao mesmo tempo, a manutenção daquilo que já fora conquistado. Para tanto, o comando enviou seu 1º Batalhão em direção aos morros que cercavam a pequena localidade de Sommocolonia. Para a surpresa dos brasileiros, apenas uma pequena fração de um batalhão italiano defendia aquelas posições. Aos gritos de “Cameratti! Cameratti!” (camaradas), muitos deles se renderam sem lutar. Num misto de inexperiência e falta de condições propícias oferecidas pelo terreno montanhoso, o comando brasileiro não enviou reforços para os homens que se encontravam no alto da cadeia de morros. Um erro que, em poucas horas, se mostraria grave.

Soldados da FEB comemoram o 7 de setembro na Itália, em 1944 Wikimedia Commons

Às 2h30 do dia 31 de outubro, uma combinação de batalhões alemães e italianos atacou violentamente as posições brasileiras. Não havia soldados nem munição suficientes para fazer frente ao ataque. Em um dos lances mais dramáticos, um grupo de apenas sete homens foi cercado dentro de uma casa e atacado a partir do teto e pelas frestas das paredes por tropas inimigas. Após uma intensa troca de tiros, os homens conseguiram fugir pela janela. O capitão Atratino e o tenente José Maria Pinto Duarte ficariam para trás, dando cobertura à retirada dos demais. Mortalmente ferido, o tenente Pinto Duarte não pôde ser levado para a retaguarda. Seu corpo seria encontrado congelado pelo companheiro Atratino somente depois da guerra. Após mais de 12 horas de combates, os brasileiros foram obrigados a abandonar as posições conquistadas no dia anterior. O saldo da luta: quatro mortos, cinco feridos e 15 desaparecidos.

Mas Sommocolonia trouxe um saldo positivo: durante os meses do duro inverno, houve tempo para muitas reflexões sobre como proceder no campo de batalha. Como ocorre com todos os exércitos, os brasileiros aprenderam verdadeiramente a lutar após essa derrota.


Soldado cidadão

O governo brasileiro prometeu a seus aliados que enviaria uma tropa de 100 mil homens para a Europa, mas logo o Alto Comando da recém-formada Força Expedicionária Brasileira percebeu que seria impossível atingir esse patamar. Para ser incorporado, um homem precisava ter no mínimo 1,60 metro, caso fosse oficial, ou 1,55 metro, no caso dos praças. Outra exigência era que o convocado tivesse pelo menos 26 dentes na boca, o que inviabilizou a incorporação de milhares de homens. Um bom exemplo é o caso do estado do Pará, que teve 800 convocados, dos quais apenas 150 puderam ser aproveitados. Ao final, o Exército conseguiu formar uma divisão com pouco mais de 25 mil homens. Operários, lavradores, estudantes, comerciários e tantos outros jovens, com idade até 26 anos, compuseram a maior força armada brasileira enviada para combater fora do continente em todos os tempos. Negros, caboclos, descendentes de europeus e japoneses formaram um exército multiétnico. Era um contraste, por exemplo, com as forças norte-americanas, que preferiam formar divisões e brigadas compostas exclusivamente por negros e nisseis a permitir que estes combatessem ao lado de seus soldados brancos.