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Matérias / Personagem

Benjamin de Oliveira: o primeiro palhaço negro do Brasil que será representado na Sapucaí hoje à noite

O homem que nasceu alforriado e que cresceu em meio ao racismo será homenageado no samba enredo da Salgueiro

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 24/02/2020, às 17h00

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Foto de Benjamin de Oliveira - Domínio Público
Foto de Benjamin de Oliveira - Domínio Público

Na transição entre os séculos 19 e 20, período que coincide com a assinatura da Lei Áurea — sancionada em 13 de maio de 1888 — grande parte da população negra do Brasil, que recém tinham alcançado o direito à “liberdade”, ainda vivia com a humilhação e o arder do sol dos cafeeiros nas plantações de cana-de-açúcar.

Neste mesmo período viveu um talentoso jovem negro que revolucionou para sempre a história do circo e do teatro nacional, e que mesmo após quase 66 anos de sua morte, tem uma trajetória pouco conhecida pelo “respeitável público” que deveria reverenciá-lo.

Benjamin Chaves nasceu em 11 de junho de 1870 na fazenda de Guardas, em Patafufu (atualmente conhecido como Pará de Minas), em Minas Gerais. Filho de Malaquias Chaves, uma espécie de capataz, e Leandra de Jesus, escrava de estimação, teve uma infância sofrida, já que apanhava muito de seu pai.

Apesar de viver na zona rural, constantemente ia até a região central para, de alguma forma, ajudar a família. Aos 12 anos ele já tinha exercido diversas funções: foi candeeiro, guarda-freio e até mesmo ‘madrinha de tropas’. Porém, o menino viu seu destino passar na frente de seus olhos quando vendia bolos nas portas dos circos que passavam pela cidade.

Em um desses encontros, resolveu se despedir de seu passado sofrido e fugiu com o circo de Sotero Vilela. Benjamin viajou por todo o sertão mineiro e fazia de tudo um pouco: desde tratador de animais até o trabalho de acrobata.

Nessa jornada viveu por três anos, mas resolveu fugir por conta das constantes agressões que sofria. No meio de seu caminho de fuga encontrou dois ciganos que o aprisionaram e o escravizaram. Eles tinham intenção de trocar o jovem negro por um cavalo, mas por sorte ele conseguiu escapar.

Sua vida de fugas e sofrimento ainda ganhara mais um capítulo. Acabou sendo preso por um senhor de escravos que duvidou de seu direito à alforria. Para provar o que dizia, fez um número de saltos em troca de sua liberdade. Estava livre novamente.

Foto de Benjamin de Oliveira / Crédito: Domínio Público

Percorreu por diversas vilas entre Minas Gerais e São Paulo no lombo de um burro. Viveu na miséria e era dependente da esmola de quem o enxergava como gente. Seu destino parecia fadado à decadência, mas o circo era sua única sina. Passou por diversas companhias e só em 1889 é que ele finalmente descobriu seu verdadeiro dom: o de fazer os outros rirem.

O começo de Benjamin no Circo

Naquele ano, ele foi pego de surpresa ao ter que substituir na marra o famoso palhaço Freitinhas do Circo de Albano Perreira. O saltimbanco tinha se machucado ao cair da cama e Benjamin era a única alternativa para o sobrepor.

“Eu estava do lado comendo no meu prato de folha — como negro não me sentava na mesa com os outros — quando o Albano exclamou:’ Já sei! O moleque Benjamin vai fazer o palhaço!’. Eu tremi”, revelou em entrevista a Brício de Abreu, in Esses Populares tão desconhecidos.

Sua primeira experiência foi horrível. Benjamin não sabia como atuar e tremeu ao entrar no picadeiro. Como consequência, não fez graça alguma e foi vítima de vaias, ovos, tomates e pedradas.

Dentro de uma semana Freitinhas estava bom, mas ele continuaria sendo palhaço. Por ser sem graça, ressaltaria ainda mais o talento da estrela principal. Seus momentos incontáveis de humilhação duraram oito meses.

Mas Benjamin ainda daria a volta por cima. A autora Alice Viveiros de Castro relata no livro O Elogio da Bobagem: Palhaços no Brasil e no Mundo (Família Bastos Editora), o momento de redenção de Benjamin.

“Mas um dia atiraram-lhe uma coroa de capim e Benjamin teve a presença de espírito de responder: ‘Deram a Cristo uma coroa de espinhos, por que não me poderiam dar uma de capim?’ Foi o seu primeiro sucesso como palhaço”.

Benjamin havia aprendido o poder da improvisação e isso mudaria sua vida para sempre. Em 1892 ele já era um verdadeiro sucesso. Seu salário no Circo Amaral, que começou com 4 mil réis diários, em pouco tempo chegou aos 30 mil.

Sonhos maiores e o encontro com o Presidente

Mas ele tinha sonhos maiores, um deles era se apresentar no Rio de Janeiro, que na época era a capital federal. Assim chegou à Cidade Maravilhosa com o Circo do Comendador Caçamba. Em uma de suas primeiras apresentações no subúrbio de Cascadura, ele foi saudado como um grande palhaço.

Em uma de suas apresentações ele recebeu 5 mil réis de um misterioso admirador: era o presidente Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. No dia seguinte ele se encontrou com Peixoto e pediu seu apoio. O presidente mandou o circo ser transportado da favela para frente do Palácio do Itamaraty. Todo o material foi transportado pelo Exército Brasileiro.

Posteriormente, ele foi trabalhar no circo do francês Jean François. Nesse momento ele conhece o também palhaço Afonso Spinelli. Eles passaram a morar juntos e montaram um grande circo com leões, ursos e é claro, o melhor palhaço da época: Benjamin de Oliveira.

Cartaz de apresentação de Benjamin de Oliveira no circo Spinelli / Crédito: Domínio Público

Seu sucesso absoluto o levou ao cinema. Benjamin foi o primeiro ator negro a participar de um filme brasileiro. Ele viveu o protagonista Peri no filme Os Guaranis, de Antônio Leal. Filmado em 1908, a produção era uma adaptação do palhaço para a obra de José de Alencar e foi filmado com uma câmera imóvel no picadeiro.

A revolução de Benjamin

Ele viveu seu auge no começo do século 20 e seu legado pode ser visto até os dias atuais. Naquela época era comum os atores e atrizes não decorarem o texto, por exemplo. Sendo assim, existia uma figura de apoio chamado de Ponto, que soprava as frases para os que os artistas a reproduzissem.

Mas Benjamin não gostava muito do conceito e o considerava ultrapassado. Assim, ele supreendeu a todos quando montou a opereta Viúva Alegre, de Franz Lehar. O que mais chamou a atenção da crítica não foi o fato da obra ter sido traduzida pela primeira vez ao português, mas todos se encantaram com os atores que sabiam o texto de cor e salteado.

No palco, ele e Bahiano, outro artista negro, pintavam seus rostos de brancos para dar vida aos protagonistas pálidos da obra original. Benjamin tinha tanto prazer e atenção no que fazia que chegou a trocar cartas com o próprio Franz para discutir o figurino da peça.

Além do mais, ele teria levado Arthur Azevedo, um dos primeiros teatrólogos brasileiros, à êxtase quando ele viu Benjamin interpretando Othelo, personagem clássico de William Shakespeare.

Benjamin de Oliveira caracterizado para uma apresentação / Crédito: Domínio Público

Benjamin morreu em 3 de maio de 1954, aos 83 anos. O sobrenome de Oliveira, que ele carregou durante todos seus anos de sucesso, serviu como forma de homenagear Severino de Oliveira, um de seus instrutores e a quem ele guardou com muito carinho em sua memória.

O legado de Benjamin de Oliveira

Benjamin de Oliveira quebrou paradigmas sociais, culturais e, principalmente, raciais. Em suma, sua trajetória foi dura muito em consequência de sua cor e origem. Mesmo assim, sempre foi sinônimo de luta e persistência.

Apesar dos mais de 65 anos de sua morte e dos quase 150 anos de seu nascimento, sua história ainda é pouco difundida culturalmente. Benjamin só voltou a ganhar os holofotes recentemente. Anos passado, ele serviu de inspiração para o livro Grande Circo Favela, da Estrela Cultural. 

Benjamin de Oliveira atuando / Crédito: Domínio Público

Já nesta noite, sua história será tema do samba-enredo da Salgueiro no Carnaval do Rio de Janeiro. Intitulado de O Rei Negro do Picadeiro, a escola carioca espera alegrar o público com toda a irreverência que Benjamin de Oliveira demonstrou ao longo de sua vida. 


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Circos e palhaços brasileiros, de Mario Fernando Bolognesi (Ebook) - https://amzn.to/2vWxmtj

O circo no risco da arte, de Emmanuel Wallon (2009) - https://amzn.to/2wByW42

Circo Voador - Voos ousados da cultura e da democracia, 1982-1996, de Adam Tomy Vasques Vidal (Ebook) - https://amzn.to/2T8Q9tr

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