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Matérias / Religião

Celibato: O crime do padre amante

Documentos mostram que era comum religiosos manterem relações sexuais e amorosas — e mesmo assim continuar exercendo o sacerdócio

André Nigri Publicado em 10/07/2019, às 06h00

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Getty Images
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Em uma carta de 1845, provavelmente destinada a um superior, dom Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana, Minas Gerais, implorava: “Peço o socorro de suas orações a favor de um pobre bispo que passa pela aflição de ver paróquias entregues a lobos vorazes mesmo sem peles de ovelha”. Os lobos a quem ele se referia eram gente de seu próprio rebanho: seminaristas, padres e párocos.

No Brasil colonial e durante os primeiros anos de independência, a Igreja abriu centenas de processos com graves acusações contra o clero e seminaristas. As denúncias mais comuns são os crimes de fornicação simples (manter relações sexuais), concubinato (viver com uma mulher sem reconhecimento legal) e proposições heréticas de cunho sexual (livre interpretação das escrituras em assuntos de sexo).

De acordo com o historiador Luiz Carlos Villalta, da Universidade Federal de Minas Gerais, que defendeu uma tese de mestrado sobre o tema, a própria formação do clero contribuiu para isso. No período colonial, os seminários eram vistos pelas elites como as raras portas de acesso ao ensino superior e a um status social elevado — a outra opção, muito cara, era mandar os filhos para estudar na Europa. Assim, um grande número de jovens se candidatava a ser padre. Mesmo aqueles que não tinham vocação alguma.

Por outro lado, a dificuldade de recrutar quadros entre os leigos durante o período colonial levou a Igreja a afrouxar em sua cruzada moralizadora. Segundo Villalta, isso ocorreu especialmente na região que hoje corresponde ao estado de Minas Gerais na época do ciclo do ouro.

O caso de José de Souza Barradas é um exemplo dessa situação peculiar. Em 1795, quando tentava ingressar no seminário, três padres que analisavam seu pedido argumentaram que era “público e notório” que o “tal Barradas é concubinário e com filhos”. Além disso, disseram eles, o candidato era acusado de “alguns latrocínios”.

No entanto, o pároco de Mariana, João Borges, ouviu algumas pessoas e concluiu que as acusações não eram procedentes, “uma vez que tudo restringia-se a ‘ouvir dizer’ e não havia prejuízo causado a qualquer pessoa”.

A Igreja soube de grande parte dos casos, mas apenas a minoria resultou em algum tipo de punição. Dos cinco casos abaixo, só um dos padres foi expulso

Nome: Antônio Vieira de Mattos

Profissão: padre

Localidade: Bahia

Acusação: homicídio, concubinato e jogatina

Descrição: segundo o documento da época, o padre teria “açoitado e pisado numa crioula de nome Maria, com idade entre 10 e 11 anos”, até sua morte. Mattos tinha também uma concubina, Maria Antônia — e teria renegado os filhos da união. Além disso, promovia, “esquecido de seu estado sacerdotal”, horas e horas de jogo em sua casa.

Veredicto: o juiz eclesiástico de Mariana inocentou o homem, inclusive do concubinato, argumentando que Maria Antônia era “mulher pública” e o padre não fora visto em sua casa.


Nome: João Batista Farnese

Profissão: candidato a padre

Cidade: Mariana, MG

Acusação: fornicação

Descrição: morador de Serro Frio, Farnese tentou ingressar no Seminário de Mariana. Mas havia deixado em sua cidade uma paixão de nome Joaquina. Um dia, os dois foram surpreendidos pela mãe da moça na cama. Mais tarde, foi constatada a gravidez dela. A história foi contada para os responsáveis pelo seminário.

Veredicto: a Igreja fez que não sabia de nada e Farnese não só entrou para o seminário como se formou padre.


Nome: Joaquim Antônio Pereira

Profissão: padre

Cidade: Mariana, MG

Acusação: envolvimento com prostituição

Descrição: antes de seguir para Mariana, viveu amancebado com uma “Narciza de tal, meretriz pública, no arraial de Guarapiranga, admitindo escandalosamente em sua casa mulheres públicas e passeando com elas de noite pelas ruas desaforadamente”.

Veredicto: absolvido, com o poder de continuar o sacerdócio.


Nome: Antônio Luz da Cunha

Profissão: padre

Cidade: Mariana, MG

Acusação: concubinato

Descrição: no testamento do padre, ele instituía como seus herdeiros os filhos de uma tal senhora Úrsula, que ele chamava de “minha comadre”. O motivo: “Alguns negócios que tive com a mesma”. Entre os “negócios” do padre com ela estavam sete filhos — para quem o sacerdote legou inclusive o sobrenome.

Veredicto: a Igreja não fez nada, mesmo porque só soube do caso com o testamento do padre Cunha após sua morte.


Nome: Frutuoso Alvarez

Profissão: pároco

Cidade: Nossa Senhora da Piedade de Matoim, Bahia de Todos os Santos

Acusação: atentado violento ao pudor

Descrição: por volta de 1576, segundo o relatório do Tribunal do Santo Ofício, cometeu “tocamentos desonestos com algumas 40 pessoas”. As vítimas eram homens, a maior parte com menos de 18 anos. O documento descreve o que ele fazia com os meninos: “cometimentos, alguns pelo vaso traseiro, (...) alguns sendo ele o agente, e consentindo que eles o cometessem a ele no seu vaso traseiro, sendo ele o paciente”.

Veredicto: numa rara punição, o padre Frutuoso Alvarez teve suas ordens eclesiásticas suspensas.