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Matérias / Brasil

Como a chegada da corte ao Rio de Janeiro mudou a arquitetura das cidades brasileiras

No Brasil, o século 19 correspondeu a uma série de transformações na arquitetura residencial, dos jardins e das ruas

Redação Publicado em 27/06/2021, às 11h00

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Representação do Teatro São Pedro de Alcântara - Biblioteca Professor Oswaldo Porto Rocha
Representação do Teatro São Pedro de Alcântara - Biblioteca Professor Oswaldo Porto Rocha

Com a chegada da corte ao Rio de Janeiro e a difusão do estilo neoclássico pela Missão Artística Francesa, a residência urbana e semiurbana do Brasil começou a se transformar. Mudou a casa e alterouse o jardim, acompanhando as modificações do gosto, dos hábitos e dos costumes dos brasileiros, em um processo que Gilberto Freyre denominou de “reeuropeização”.

No seu entendimento, tratou-se de um processo de imitação e assimilação com os hábitos de uma nascente burguesia comercial e industrialmente rica. Não faltaram “códigos de posturas” tentando harmonizar as construções e as cidades.

Eles determinavam a altura dos pavimentos, as dimensões e o alinhamento com as edificações vizinhas, por meio de decretos municipais. A herança dos primeiros tempos e da arquitetura portuguesa, porém, era forte. O médico alemão Robert Christian Avé-Lallement a reconheceu em São Leopoldo, às margens do rio dos Sinos, em torno de “uma grande praça verde onde desembocam algumas ruas regulares.

Na principal, as casas se enfileiram ininterruptamente, muitas delas assobradadas [...], mas em sua maioria térreas, de construção maciça, coberta de telhas, com aparência de lugar abastado ou mesmo rico”. Em terrenos acidentados, os porões corrigiam o equilíbrio das construções que escalavam morros.

Pintura 'Aclamação de D. Pedro I", de Felix E. Taunay, de 1822 / Crédito: Biblioteca Professor Oswaldo Porto Rocha

Apesar dessa visão positiva, a cidade brasileira principia o século 19 caracterizada pela irregularidade do traçado, pela falta de alinhamento, pela ausência de calçamento, pela carência de iluminação pública e pela imundície. As águas das chuvas eram despejadas nas ruas pelos telhados e ponteiras das residências; eram despejados também nesse espaço público os detritos orgânicos da casa pelos próprios moradores ou por escravos.

A rua era o “escoadouro das águas servidas dos sobrados”, nos dizeres de Gilberto Freyre. Atirava-se para o meio da rua o resto de comida, a água servida, o material recolhido nos “tigres”, como eram chamados os barris de esgoto. Até então, o brasileiro não se preocupou com o espaço público.

Datam do século 19 algumas das primeiras posturas municipais em defesa da via pública, na tentativa de conter os abusos do sobrado. A rua deixa de ser o escoadouro das residências urbanas, “para ganhar em dignidade e em importância social”. As gelosias e janelas que abriam para ela passaram a ser proibidas.

Junto às casas, foram instalados lampiões, posteriormente substituídos por postes de iluminação pública independentes das construções. Algumas ruas foram macadamizadas, isto é, cobertas com pedra britada; outras, cobertas com paralelepípedos. As águas da chuva deixaram de correr por ali.

Fotografia da rua Primeiro de Março, de Marc Ferrz, em 1868 / Crédito: Acervo AGCRJ/ Governo do Rio de Janeiro

Na segunda metade do século, surgiram os trilhos de fenda por onde trafegavam os bondes. Ao pedestre foi assegurado o passeio, se bem que ainda bastante estreito, junto às residências. Alguns logradouros foram alinhados ou retificados; novos foram abertos, acompanhando o crescimento das cidades, possuindo largura mais expressiva em relação às antigas vias de circulação.

Foram implantados também os primeiros sistemas de distribuição de água e coleta de esgoto. De todas essas mudanças — algumas de ordem estética, outras resultantes de necessidades prementes — uma demonstrou uma preocupação maior com o meio ambiente urbano: a arborização. O plantio de árvores ao longo do calçamento não resultava apenas de uma intenção estética.

Embora seja evidente a influência europeia nesse processo, em algumas cidades do Nordeste e do Norte do país, o poder municipal adotou árvores nativas na arborização urbana. Ainda que a questão ambiental tenha surgido entre nós apenas no século 20, há indícios de certa preocupação com o meio ambiente no século 19, como demonstram não apenas o emprego de espécies brasileiras na arborização urbana mas o reflorestamento de algumas áreas, como a Tijuca, no Rio de Janeiro.

Fotografia do Museu Nacional, na Quinta da Boa vista, em 1856 / Crédito: Biblioteca Professor Oswaldo Porto Rocha

O plantio de árvores corresponde talvez ao ponto mais alto de valorização da rua, já sanadas as necessidades de calçamento, iluminação, água e esgoto. A introdução do jardim lateral e frontal no lote urbano de uso residencial iria corroborar a valorização da rua, do espaço público urbano. Ao findar o século 19, as ruas brasileiras — ou pelo menos as de maior importância — eram calçadas, iluminadas, percorridas pelos bondes, por vezes arborizadas e ladeadas por casas com jardim.

No Brasil, o século 19 correspondeu a uma série de transformações na arquitetura de uso residencial, no jardim junto à residência e na rua. Em apenas um século, a construção urbana, erguida no alinhamento, sem recuo lateral, em lotes estreitos e compridos, com jardim ao fundo, passou a ser construída recuada em relação aos limites do lote, com jardim frontal ou lateral. Na fachada, foram banidos elementos como muxarabis e gelosias, difundindo-se o emprego do vidro.

Sobre as paredes de pedra ou de taipa foram colocados detalhes ornamentais de cunho neoclássico. Posteriormente, propagou-se o ecletismo nas construções de tijolo, com um novo programa de necessidades, de nítida influência europeia. Da mesma forma, o jardim recebeu as influências externas, assumindo características francesas ou inglesas, com um traçado geométrico ou sinuoso.

Mudou a rua, a casa, o jardim. Transformou-se a paisagem. O espaço urbano tradicional foi europeizado tanto no âmbito privado como no âmbito público, configurando-se em novo cenário para a cidade brasileira.


Mary del Priore é Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do Prêmio Jabuti e autora de "Histórias Íntimas — Sexualidade e Erotismo na História do Brasil".


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