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Matérias / Mundo

Como a desinformação no século 21 resultou em uma animação que homenageia Marielle e Malala

CEO da Openthedoor Studios, o diretor Luciano Lagares falou sobre o curta 'Conhecimento' em entrevista exclusiva ao site da AH

Pamela Malva Publicado em 24/08/2021, às 20h00

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Cena do curta-metragem 'Conhecimento' - Divulgação/ Openthedoor Studios
Cena do curta-metragem 'Conhecimento' - Divulgação/ Openthedoor Studios

Por definição, o revisionismo histórico está ligado à reinterpretação de episódios históricos com base na ambiguidade dos fatos. A partir de uma suposta imparcialidade, por exemplo, narrativas tidas como verdadeiras podem ser colocadas em xeque.

Para o diretor Luciano Lagares, esse movimento ganhou uma forte expressão no Brasil em meados de 2017. Em entrevista ao site da Aventuras na História, o CEO da Openthedoor Studios explica que o ato de revisitar episódios da história do país, como a ditadura e a escravidão, está “diretamente ligado às atitudes de Donald Trump”.

Foi assim que o cineasta percebeu a importância do conhecimento, bem como a forma que a falta dele pode impactar grandes civilizações. Desse inquietamento, nasceu o curta ‘Conhecimento’, lançado inicialmente em inglês e, mais tarde, em português.

Cena do curta-metragem 'Conhecimento' / Crédito: Divulgação/ Openthedoor Studios

Revisionismo e crítica

“2017 foi um ano estranho. Um burburinho começou a correr entre pessoas simples, amigos e parentes. Diziam que o Trump estava certo e que o Brasil precisava mudar”, narrou Luciano, pontuando que mudanças são necessárias, mas não dessa forma.

Eu nunca imaginei ouvir manifestações com tendências fascistas de pessoas próximas”, lamentou o cineasta. “Fora isso, revoavam nas mídias sociais ideias revisionistas sobre o holocausto, sobre a ditadura no Brasil e sobre a escravidão.”

Acontece que, para o CEO da Openthedoor Studios, “parecia que tudo que se conhecia estava sendo apagado e substituído por ideias simplistas, com interlocutores ríspidos, brutos que disparavam falas para confundir”. De repente, ele percebeu que a história, a ciência e os posicionamentos políticos alheios estavam sob constante ataque.

Por sorte, na mesma época, o cineasta leu a biografia de Malala Yousafzai, que lhe “trouxe à mente o período de caça às bruxas", quando pessoas foram "queimadas por ter curiosidade”. Da leitura, Luciano chegou a uma conclusão assustadora.

A ativista paquistanesa Malala Yousafzai / Crédito: Getty Images

Silenciamento

“Conhecer faz destacar, principalmente porque as perguntas incomodam. Não é exagero afirmar que pessoas podem se tornar alvos em razão da busca pelo conhecimento”, lamentou o diretor, recordando o atentado sofrido por Malala.

O problema é que, para Luciano, o mesmo movimento aconteceu no Brasil, em março de 2018, quando Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados. Na opinião do cineasta, o atentado foi uma forma de silenciar a fomentadora de conhecimento.

“Esse tipo de supressão de uma fonte de conhecimento que se espalha quando seu entorno está sombrio parece até ser padrão na história da humanidade, principalmente quando lembramos de Martin Luther King, Malcom X, Hipácia de Alexandria, Giordano Bruno, Galileu Galilei, Antoine de Lavoisier”, narrou o diretor.

Fotografia de Marielle Franco / Crédito: Divulgação/ Mídia NINJA via Flickr

Inquietação

Da indignação diante o assassinato de Marielle, Luciano decidiu tomar providências. “Eu senti que precisava me manifestar em favor do conhecimento. E o fiz através do que eu sei e gosto de fazer, um filme em animação”, narrou. Assim nasceu seu curta-metragem.

“Escrevi o roteiro que saiu como se eu fosse explodir. As palavras que eu escrevia pareciam estar atrasadas em relação ao que eu pensava”, lembrou o cineasta. De um lado, o conhecimento e a demora para absorvê-lo. Do outro, a tentativa de eliminá-lo.

Foram, no total, quatro semanas de trabalho para tirar a animação do papel. "A mensagem era forte e as ideias acompanhavam na mesma velocidade”, afirmou Luciano. Daí veio, inclusive, a necessidade de dividir o curta em duas cores: “o azul para o conhecimento e o vermelho para os intolerantes, rabiscados de forma grosseira”.

Em uníssono

O nome de Anielle Franco, irmã de Marielle, contudo, veio algum tempo depois. É interessante pontuar que, embora o curta tenha sido inicialmente produzido em inglês, ele já havia sido dedicado à memória da vereadora assassinada no Rio de Janeiro.

Segundo Luciano, então, a ideia de trazer a voz de Anielle, que também é responsável pelo Instituto Marielle Franco, para a narrativa em português veio de Vicente Negrão, logo no início de 2021. “Isso deu ainda mais significado ao filme”, narrou o diretor.

Juntos, a voz de Anielle e o texto em homenagem ao conhecimento e suas nuances compõem uma mensagem que, para Luciano, parece urgente. “Valorizar o conhecimento não é uma bandeira política e nem ideológica. Ele é uma companhia que mais tarde nos posiciona e nos dá a capacidade de discernir frente às escolhas que surgem na vida”, diz.


+Confira o curta-metragem de Luciano Lagares, narrado por Anielle Franco: