Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Ditadura

Como os portugueses derrubaram a ditadura em um dia?

Soldados liderados por um capitão do Exército marcharam para derrubar ditadura de 40 anos

Lincoln Secco // Adaptado por Isabelly de Lima Publicado em 29/07/2022, às 15h53 - Atualizado em 06/08/2022, às 13h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Imagem ilustrativa de sistema autoritário - Foto de 8385, via Pixabay
Imagem ilustrativa de sistema autoritário - Foto de 8385, via Pixabay

Passavam 20 minutos da meia-noite de 25 de abril de 1974 quando os acordes de Grândola, Vila Morena tocavam numa rádio de Lisboa. Os poucos ouvintes estranharam, afinal, era uma música proibida, cujos versos foram censurados pelo governo: “Em cada esquina um amigo / Em cada rosto igualdade / Grândola, Vila Morena / Terra da fraternidade”.

A canção, que havia se tornado um hino dos jovens e intelectuais contra a ditadura que já durava mais de 40 anos, naquela noite, era um sinal: a revolução começara. Próximo de Lisboa, sob o comando do capitão Salgueiro Maia, as tropas do quartel de Santarém começaram a movimentar-se. O mesmo ocorria em vários pontos do país.

Fundamental em todo movimento de sublevação, naquela madrugada, a velocidade de marcha era um fator especialmente importante. Era preciso deslocar-se num ritmo maior que as notícias, pois os revolucionários deveriam tomar Lisboa antes que o governo descobrisse as operações. Às portas da capital, no entanto, a coluna de carros de combate parou abruptamente.

Salgueiro Maia, que estava à retaguarda, gritou para saber o que tinha ocorrido. Por que parou? Ouviu risadas, antes de lhe darem a resposta. O primeiro carro se havia detido diante de um sinal vermelho. O condutor, no cumprimento das leis de trânsito (e do bom senso dos dias comum, num dia incomum), havia atrasado em alguns minutos o, naquele momento, irrevogável curso da história.

Contornado o problema, o comboio seguiu. Amanhecia quando os militares revolucionários chegaram ao Terreiro do Paço, onde ficavam os ministérios. Não foram necessários combates – apenas alguns tiros para o alto foram disparados – ou escaramuças.

Crescimento da equipe

As tropas mobilizadas ganhavam cada vez mais adesões e o povo tomou as ruas, apoiando o movimento. Alguns telefonemas, emissários e um ultimato. Em poucas horas o governo de Marcelo Caetano – que assumira o poder depois de Oliveira Salazar, o ditador que governou Portugal de 1933 até a morte, em 1970 – foi deposto.

Ainda na manhã do dia 25, a cidade foi tomada por manifestações populares, cartazes e flores. Sem ninguém saber bem a razão, floristas de Lisboa distribuíam cravos, símbolos
da cidade desde os tempos imemoriais, para os soldados que os exibiam, gloriosos, nas lapelas.

Mas uma revolução não nasce do dia para a noite. E um governo que durou mais de 40 anos não acaba assim de repente. Quando o capitão Salgueiro Maia colocou seus homens na rua, expressava um sentimento comum a militares e civis de todo o país: pôr fim à ditadura e, sobretudo, terminar com a Guerra Colonial na África.

Espinho incoveniente

A questão do ultramar era um espinho na garganta do governo português desde os anos 1950. No século 19, Portugal viveu o desejo e a ilusão de continuar sendo o grande império da época dos descobrimentos. Depois da independência do Brasil, em 1822, Portugal sonhava com o projeto de reviver na África os lucrativos negócios que tinha por aqui. Por uma série de razões, não funcionou.

No entanto, nas negociações da divisão dos territórios africanos com outras potências europeias, mesmo sem poder econômico e militar comparável ao de Inglaterra e França, os portugueses mantiveram Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e outras possessões menores.

No século 20, o período do pós-guerra detonou uma série de movimentos de libertação nesses países. A presença portuguesa era garantida à custa de uma dispendiosa ocupação militar, que cada vez mais indispunha o governo com os setores da sociedade que não estavam mais dispostos a pagar por isso.

Portugal tornava-se um império periférico, que cedia, cada vez mais, a exploração de suas colônias a empresas estrangeiras e vinculava-se ao mercado europeu. Em 1961, teve início a chamada Guerra no Ultramar. Tropas guerrilheiras em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau rebelaram-se contra o governo português, que obrigou o país a desviar ainda mais recursos do orçamento para manter o conflito que durou até 1974.

Ponto final

A revolução lusa colocou um ponto final no sonho colonial português, que fora moldado com ideias e práticas do século 19. Pode parecer estranho fazer uma revolução para depor um governo cujo ditador havia morrido alguns anos antes. Mas foi o que ocorreu. Salazar tomou o poder em Portugal em 1933 e governou com mão de ferro.

Na década de 1930, ele não estava sozinho e, ao lado de Francisco Franco, da Espanha, de Benito Mussolini, da Itália, e Adolf Hitler, da Alemanha, integrou o clube dos ditadores que fizeram o auge do totalitarismo na Europa.

Quando a Segunda Guerra explodiu, no entanto, o governo português tinha muitos interesses econômicos fora do Eixo e, ao lado dos espanhóis, preferiu a neutralidade. Nos anos seguintes, o país mergulhou numa mórbida placidez. Salazar desestimulou a economia, incentivando o grosso da população a permanecer no campo.

As elites viviam do que conseguiam tirar da África e qualquer crítica ao governo era punida pela Polícia Interna de Defesa do Estado, que prendia, torturava e matava os opositores.

Morte de Salazar

Quando Salazar morreu, em 1970, a ditadura seguiu com o professor de direito Marcelo Caetano, que, na prática, já governava como ministro de Salazar (depois de um derrame, em 1968, ele ficou impedido de exercer o cargo de presidente).

Os anos de repressão haviam colocado no mesmo barco um largo espectro de descontentes: socialistas, comunistas, liberais, ex-combatentes na África, exilados e desertores. Porém a revolta estourou só quatro anos após a morte do ditador. É por isso que, naquela madrugada fria, o capitão Salgueiro Maia e seus homens sabiam o que iriam fazer em Lisboa.

O governo tinha de cair a qualquer custo. E caiu com uma facilidade impressionante. Nos dias em que se seguiram ao exílio de Marcelo Caetano – primeiro na Ilha da Madeira e depois no Rio de Janeiro –, a felicidade parecia fácil de ser alcançada.

Protestos diferentes

Lisboa viu-se tomada por protestos de todo tipo, com murais inspirados na Revolução Cultural de Mao Zedong (Mao Tsé-tung) e mulheres pedindo liberdade sexual, entoando em conjunto uma das estrofes mais feministas da história: “Homens na cozinha!”.

A troca de governo foi tão rápida que para muitos permaneceu, naqueles primeiros dias, a sensação de que não havia governo algum. Como em qualquer revolução, a disputa pelo poder foi acirrada.

No primeiro momento, assumiu o governo o general António Spínola, antigo aliado do governo de Caetano, mas já rompido com ele quando eclodiu o movimento. Nos anos de 1975 e 1976, uma sucessão de governos provisórios, golpes e contragolpes culminou no afastamento de Spínola, na estatização dos bancos e outras medidas socialistas e radicais.

Um alto membro do governo americano, assustado com a influência do Partido Comunista Português, chegou a lamentar a perda dos “irmãos lusos para os inimigos vermelhos da URSS”. Um exagero.

Perda dos mencheviques

Talvez a Revolução dos Cravos não tenha sido aquela em que os mencheviques venceram, como afirmou um de seus líderes civis mais proeminentes, Mário Soares, do Partido Socialista, que depois assumiria a presidência do país, em alusão aos moderados que perderam a batalha para os bolcheviques de Lênin, em 1917.

O fato é que a revolução, que tinha um discurso socialista, foi, pouco a pouco, caminhando para um regime social-democrata, mais preocupado em integrar Portugal à comunidade europeia e ao capitalismo.

No entanto, naquele 25 de abril de 1974, enquanto nascia o Portugal de hoje, com flores vermelhas na lapela, os soldados e o povo, sem imaginar o que viria, mas confiantes no futuro, entoavam em conjunto a música proibida.


O site Aventuras na História está no Helo! Não fique de fora e siga agora mesmo para acessar os principais assuntos do momento e reportagens especiais. Clique aqui para seguir.