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Erros bíblicos e antissemitismo: As polêmicas de 'A Paixão de Cristo'

Sucesso, é filme restrito com maior bilheteria dos Estados Unidos, apesar de seu roteiro ser acusado de ter narrativa antissemita

Wallacy Ferrari e Fabio Previdelli Publicado em 17/04/2022, às 09h00 - Atualizado em 18/01/2024, às 17h28

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Mel Gibson dirige Jim Caviezel caracterizado como Jesus - Divulgação / Newmarket Films
Mel Gibson dirige Jim Caviezel caracterizado como Jesus - Divulgação / Newmarket Films

Em 2004, Mel Gibson deixou as telonas de Hollywood para ir para trás das câmeras e dirigir uma das maiores obras da história do cinema moderno. Estamos falando de 'A Paixão de Cristo', um filme inteiramente rodado em idiomas antigos, sendo eles aramaico, latim e hebraico. 

Mesmo sendo vendido para cinemas do mundo inteiro apenas em sua versão legendada, ainda assim se tornou uma das maiores bilheterias do início do século 21. Orçado em US$ 30 milhões pela Newmarket Films, a obra lucrou mais de US$ 611 milhões ao retratar os últimos momentos de Jesus na Terra e sua ressurreição, três dias depois, em uma grande produção rodada na Itália.

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Apesar de pautar um tema religioso de tamanha importância cristã e em grande produção, com riqueza de detalhes, as contestações sobre a obra marcaram o filme em diversas polêmicas. 

Uma delas, divulgada ainda na produção, é que as obras não iriam às salas de cinemas com dublagem nas línguas dos países que seriam distribuídos, contando apenas com legendas em tempo real, de maneira a respeitar a narrativa cristã.

Por cláusula estipulada pelo próprio diretor, os primeiros anos de exibição deveriam ser feitos dessa forma, posteriormente permitindo a sobreposição de voz. Contudo, diversas outras contestações da classe religiosa mobilizaram a obra. Entenda!

A narrativa

Estrelado por Jim Caviezel como Jesus de Nazaré, 'A Paixão de Cristo' ainda conta em seu elenco com nome como Maia Morgenstern (como Maria, mãe de Jesus), e Monica Bellucci (Maria Madalena). 

Cobrindo, principalmente, as últimas 12 horas da vida de Jesus Cristo, o longa parte de acordo com os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João; mostrando desde toda agonia no Jardim das Oliveiras (Getsêmani), passando pela traição de Judas até chegar na crucificação e morte de Jesus. 

A obra não se restringe as narrativas canônicas do Evangelho da Paixão de Cristo, mas também nas passagens de Lucas e até do Novo Testamento. Uma das falas de Jesus no filme é encontrada no livro do Apocalipse e, até mesmo na abertura, o protagonista esmaga uma serpente, em referência a Gênesis 3:15.

Embora tente contar a história de forma biblicamente precisa, o longa comete uma série de erros. Um dos principais apontados pelo Screen Rant é justamente a própria figura de Jesus Cristo, mostrado apenas com dor, sofrimento, desesperança e ódio; bem diferente da amorosa e bondosa retratada no livro Sagrado. 

A própria cena em referência a Gênesis 3:15 é considerada desleixada, retratando uma figura andrógina com uma capa escura, sendo a personificação implícita de Satanás. Neste momento, uma cobra aparece deslizando por seus pés até chegar em Jesus, que pisa nela até a morte. Algo que não é retratado em nenhum lugar da Bíblia. 

Outro ponto controverso mostra uma bebê de face medonha zombando de Jesus enquanto o mesmo está sendo torturado. Tal figura jamais é mencionada no livro Sagrado, assim como o ‘fato’ mostrado no filme de que Jesus teve que carregar a cruz sozinho. Uma dramatização muito mais hollywoodiana do que religiosa. 

Cema de 'A Paixão de Cristo'/ Crédito: Divulgação / Newmarket Films

Conforme repercutido pela agência de notícias Zenit, quando questionado sobre a fidelidade do filme ao relato do Novo Testamento, o padre Joseph Augustine Di Noia, da Congregação Doutrinal do Vaticano, respondeu: "O filme de Mel Gibson não é um documentário... mas permanece fiel à estrutura fundamental comum a todos os quatro relatos dos Evangelhos", 

O filme de Mel Gibson é inteiramente fiel ao Novo Testamento", prosseguiu.

Propaganda antissemita?

Contudo, a principal polêmica em relação ao filme não diz respeito aos assuntos já citados. Ao replicar os abusos sofridos por Jesus em seus momentos finais, uma grande movimentação de comunidades não-cristãs apontaram uma narrativa antissemita, que aponta os judeus como os principais rivais da trajetória de Jesus — o que se torna ainda mais irônico visto que Jesus era judeu; algo que não é relatado em nenhum momento no longa.

Uma das críticas, partindo do jornal norte-americano New York Daily News, descreveu a obra como "o filme antissemita mais virulentamente feito desde os filmes alemães de propaganda da Segunda Guerra Mundial".

Devido à forma de mostrar o "povo judeu como uma multidão furiosa e sanguinária determinada a fazer Jesus sofrer o máximo possível", como classificou o Screen Rant, Gibson sofreu para encontrar distribuição para sua produção.

Desta forma, após um protesto em frente ao edifício da News Corporation, a 20th Century Fox decidiu repassar o filme, que acabou sendo distribuído pela Newmarket Films/Icon Distribution. Na época do caso, o deputado judeu de Nova York, Dov Hikind, foi informado sobre a produção, alertando as empresas que "elas não deveriam distribuir este filme". 

Isso não é saudável para os judeus em todo o mundo", reportou o Los Angeles Times. 

Além disso, um comitê conjunto do Secretariado para Assuntos Ecumênicos e Inter-religiosos da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos e do Departamento de Assuntos Inter-religiosos da Liga Anti-Difamação obteve uma versão do roteiro antes de ser lançado nos cinemas. 

O grupo publicou uma nota sobre a produção, a classificando como "um dos textos mais problemáticos, relativamente ao potencial antissemitismo, que qualquer um de nós já viu em 25 anos". 

Deve-se enfatizar que o enredo principal apresentava Jesus como tendo sido incansavelmente perseguido por uma conspiração maligna de judeus, liderada pelo sumo sacerdote Caifás, que finalmente chantageou Pilatos, de joelhos fracos, para que condenasse Jesus à morte. Esta é precisamente a história que alimentou séculos de antissemitismo nas sociedades cristãs", prosseguiu.

"Este é também um enredo rejeitado pela Igreja Católica Romana no Vaticano II no seu documento Nostra aetate, e por quase todas as principais igrejas protestantes em documentos paralelos... A menos que este enredo básico tenha sido alterado pelo Sr. Gibson, um católico marginal que está construindo sua própria igreja na área de Los Angeles e que aparentemente não aceita nem os ensinamentos do Vaticano II nem os estudos bíblicos modernos, 'A Paixão de Cristo' mantém um potencial real para minar o repúdio do antissemitismo cristão clássico pelas igrejas nos últimos 40 anos".

Mel Gibson dirige Jim Caviezel caracterizado como Jesus - Divulgação / Newmarket Films

As alegações de antissemitismo do filme foram intensificadas depois que Mel Gibson foi preso em 2006, em Malibu (Califórnia), por dirigir alcoolizado. Na ocasião, recorda o New York Times, ele fez comentários de tal natureza contra o policial que o prendeu: "Malditos judeus... os judeus são responsáveis ​​por todas as guerras do mundo. Você é judeu?".

Apesar disso tudo, o longa acabou sendo distribuído nos cinemas pela Icon Entertainment (e em VHS e DVD pela 20th Century Fox), arrecadando mais de 83.000.000 dólares em sua estreia, sendo até hoje o filme restrito com maior bilheteria dos Estados Unidos.