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Matérias / Personagens

A saga de Confúcio, o sábio chinês que idealizava o mundo com governantes honestos

O homem sonhou com uma política baseada na educação e na ética; depois de sua morte, essas ideias influenciaram toda a Ásia

Tadeu Arantes Publicado em 09/07/2019, às 06h00 - Atualizado em 30/04/2021, às 08h00

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O pensamento do mestre foi registrado por discípulos ao longo de um século - Getty Images
O pensamento do mestre foi registrado por discípulos ao longo de um século - Getty Images

Tempos atrás, quando queriam representar um chinês típico, a literatura e o cinema colocavam inevitavelmente essa frase nos lábios do personagem: “Confúcio disse”. Porque, assim como no Ocidente virou moda dizer “Freud explica”, o “Confúcio disse” foi durante muito tempo prova de boa educação e alto padrão ético no Extremo Oriente.

Chineses, japoneses, coreanos, vietnamitas e outros povos orientais acreditavam mesmo que esse sábio, que viveu na China há cerca de 2.500 anos, no século 5 a.C., disse tudo o que havia para ser dito.

Seu pensamento, focado no comportamento humano, modelou toda a História da China e, por extensão, do Extremo Oriente. Substituiu um sistema aristocrático baseado na superioridade hereditária por outro, pautado pela superioridade moral. Confúcio se tornou o ideal do instrutor intelectual e ético. E, até hoje, a data de seu aniversário, 28 de setembro, é comemorada pelos chineses como o Dia do Professor.

O mestre fazia questão de evitar temas religiosos e metafísicos em sua filosofia. Mesmo assim, o confucionismo foi adotado como uma espécie de religião do Estado no período imperial. Sua influência foi prolongada e avassaladora. Na década de 1970, durante a era maoísta, no último episódio da Revolução Cultural, baseada na concepção materialista do mundo, o Partido Comunista chinês fez intensa campanha contra ele. Mas depois o reabilitou.

Os Analectos, o único livro que se sabe com segurança ser um registro de suas ideias, reúne, como diz o título, aforismos ou pequenas sentenças. Algumas teriam sido expressas pelo próprio Confúcio, outras, por seus alunos. A obra não foi escrita diretamente pelo mestre, mas pelos discípulos e por discípulos dos discípulos. Levou quase um século até ser inteiramente composta.

Apesar disso, apresenta extrema coerência. Enfatiza as virtudes que devem modelar o comportamento individual e o relacionamento em sociedade. O sábio atribuía grande importância à política, vista como uma extensão da ética. “Governo é sinônimo de honestidade”, disse. “Se o rei for honesto, como alguém ousaria ser desonesto?”

Representação de Confúcio em uma antiga tumba chinesa / Crédito: Wikimedia Commons

Kong Qiu era o nome verdadeiro de Confúcio, uma ocidentalização dos vocábulos chineses Kong fuzi, que significam mestre Kong. Ele viveu provavelmente entre 551 a.C. e 479 a.C., em uma época conhecida na China como Período da Primavera e Outono.

O país possuía, então, uma estrutura socioeconômica semelhante à do feudalismo europeu. Embora governado oficialmente pela dinastia Zhou (1046-256 a.C.), encontrava-se, de fato, dividido em centenas de principados. Os Zhou exerciam seu poder apenas sobre uma pequena região, enquanto os demais príncipes gozavam de grande autonomia. O resultado era a submissão dos principados fracos aos mais fortes, guerras frequentes, barbárie e vida dura para a população.

Deus dos sonhos

Morto cinco séculos antes, Zhougong, o duque de Zhou, foi quem consolidou a dinastia, considerado o herói cultural da China. Segundo a tradição, fora ele quem anotara os 64 hexagramas do I Ching, o Livro das Mutações, utilizado como oráculo.

Os chineses o chamavam de Deus dos Sonhos, porque acreditavam que ele aparecia durante o sono, sempre que alguma coisa muito importante estava para acontecer com alguém. Confúcio via nele o cavalheiro ético perfeito que idealizou. “Passou-se muito tempo desde que vi o duque de Zhou em sonho pela última vez”, diz o mestre, em Os Analectos. É uma metáfora para revelar seu descontentamento com o tempo presente e sua nostalgia com o passado.

Estátua de Confúcio / Crédito: Getty Images

O famoso sinólogo Simon Leys, que traduziu a obra para o inglês, afirma que, assim como os antigos Zhou afirmavam ter um mandato celestial para governar o país, também Confúcio estava convencido de que o Céu o escolhera para restaurar a ordem e salvar a civilização.

Kong Qiu nasceu em uma família da pequena nobreza empobrecida. Sua pretensão de ocupar um papel tão proeminente na política não se baseava em critério hereditário, mas no valor intelectual e moral que sabia possuir.

De fato, uma das grandes novidades introduzidas por Os Analectos foi atribuir à palavra junzi, que significa cavalheiro, um valor ético em vez de social. O unzi, o homem ideal de Confúcio, não era um aristocrata, mas alguém que, pela educação e pela prática da virtude, havia alcançado a nobreza de caráter. Era a esse cavalheiro, por mérito e não por origem de classe ou fortuna, que cabia governar.

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Imagem de Confúcio de 685 a 758 / Crédito: Wikimedia Commons

Antes de Confúcio, o maior de seus contemporâneos, o grande sábio Laozi (Lao Tsé), já havia exaltado a virtude e feito críticas à ordem aristocrática. Mas Laozi estava menos preocupado em aperfeiçoar a política que em buscar, na natureza e em si mesmo, a própria essência da perfeição. Era um asceta contemplativo, ao passo que Confúcio possuía o temperamento do cortesão. Por isso, apesar de sua enorme importância filosófica, o taoísmo, derivado de Laozi, não marcou a política chinesa como o confucionismo.

O conceito confuciano de junzi exerceu uma enorme e duradoura influência, abalou o poder da aristocracia hereditária e legitimou a instauração de um governo burocrático, baseado no mérito de seus quadros. Durante mais de 2 mil anos, o império chinês seria dirigido por funcionários públicos, aprovados em concursos abertos à participação de diferentes classes sociais. Esse ideal sobrevive no valor atribuído à educação em países como China, o Japão e a Coreia. Explica até por que, no Brasil, jovens orientais se saem tão bem nos estudos.

Mas esse filósofo, tão reverenciado depois de morto, não teve sucesso em vida. Passou grande parte da existência viajando pelos principados, em busca de um governante disposto a lhe dar um cargo político, que lhe permitisse construir um Estado modelo. Discípulos fiéis e altamente qualificados o acompanhavam. Sem sucesso.

Consta que, aos 53 anos, Confúcio ocupou cargo equivalente ao de ministro da Justiça, no estado de Lu. Mas ficou pouco tempo no cargo. Temendo seu poderio, o chefe de um principado vizinho enviou 80 bailarinas e 100 cavalos ao duque de Lu. Entretido com o presente, o governante negligenciou seus deveres. E o mestre ficou tão desgostoso com a atitude que renunciou. Os Analectos atribuem-lhe a metáfora da estrela polar, imagina-se que motivada pelo incidente.

Manipulação política

Confúcio teria sido pecuarista, escriturário e guarda-livros. Casou-se aos 19 anos, com Qi Quan, e teve com ela seu primeiro filho, Kong Li. Em Os Analectos, faz um autorretrato: “Aos 15 anos, orientei minha mente para aprender. Aos 30, plantei meus pés firmemente no chão. Aos 40, não tinha mais dúvidas. Aos 50, conhecia a vontade do Céu. Aos 60, meu ouvido estava sintonizado. Aos 70, sigo todos os desejos de meu coração sem transgredir nenhuma regra”. Supõe-se que morreu aos 72 ou 73 anos.

Confúcio já foi considerado extremamente conservador. E suas ideais serviram de justificativa para um sistema que pretendeu permanecer inalterado por mais de dois milênios. O conservadorismo usou e abusou do confucionismo para se legitimar.

O sábio Confúcio criou a metáfora que compara a estrela polar ao estadista virtuoso / Crédito: Wikimedia Commons

Por isso, todos os movimentos revolucionários na China foram anticonfucianos. A parte de seu pensamento enfatizada pelo poder feudal envolve a doutrina tradicional da tríplice submissão: dos filhos aos pais, das esposas aos maridos, dos governados aos governantes.

Ela transparece, por exemplo, nesta sentença de Os Analectos: “Em casa, um jovem deve respeitar seus pais; fora de casa, deve respeitar os mais velhos. Deve falar pouco, mas de boa-fé; amar todas as pessoas, mas associar-se aos virtuosos. Tendo feito isso, se ainda tiver energia disponível, que estude literatura”.

Mas é preciso relativizar as posições de Confúcio. Primeiro, porque os aspectos mais conservadores de sua doutrina não são invenção própria, mas um patrimônio comum à antiga cultura chinesa, pautada pela lealdade familiar, o respeito às autoridades e o culto aos antepassados. Segundo, porque, ao se apropriar do pensamento confuciano, o sistema imperial chinês pegou apenas aquilo que lhe convinha e varreu o resto para baixo do tapete.

O núcleo da ética confuciana, baseada na cortesia ritual (ou Li), é a idéia da reciprocidade, resumida da frase “não faças aos outros o que não queres que te façam”. Os privilégios de classe, a corrupção administrativa, a coerção policial que caracterizaram o sistema imperial não são uma herança do confucionismo, mas, ao contrário, ingredientes anticonfucianos por excelência, que foram acrescentados, de forma espúria, à receita original do mestre. Esquivando-se das perguntas sobre temas místicos, ele nunca teve um projeto religioso. Seu propósito era fazer da boa conduta uma religião. “Se ofendes o Céu”, disse, “qualquer prece é inútil.”


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