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Matérias / Cultura

Eduardo Coutinho é tema de mostra em São Paulo

Ocupação Eduardo Coutinho, no Itaú Cultural, celebra a trajetória do grande nome cultural contemporâneo

Fabio Previdelli Publicado em 15/10/2019, às 08h00

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Ocupação Eduardo Coutinho - Fabio Previdelli
Ocupação Eduardo Coutinho - Fabio Previdelli

“Eduardo Coutinho era muito pessimista, achava que as coisas nunca iriam dar certo, mas elas aconteciam maravilhosamente bem. Ele se tornou uma figura, de certa maneira, folclórica”, diz Carlos Alberto Mattos, jornalista e cocurador da Ocupação Eduardo Coutinho, em cartaz no Itaú Cultural da Avenida Paulista.

Sua vasta trajetória e as diversas revoluções dentro do cinema brasileiro, o credenciaram como um dos maiores e mais importantes nomes do documentário nacional. Ao longo de sua carreira, ele passou pelo cinema, teatro, jornalismo e até pelo curso da faculdade de Direito de São Paulo.

Para celebrar a vida e obra desse grande nome cultural contemporâneo, a cidade de São Paulo recebeu uma exposição em homenagem ao documentarista. O espaço revela aos visitantes toda a produção e criação cinematográfica de Coutinho, e ainda revela todas as peculiaridades daquele que marcou o cinema brasileiro de 1960 até os dias atuais.

Cadeira usada por Eduardo Coutinho em alguns de seus documentários / Crédito: Fabio Previdelli


Além disso, a Ocupação abriga materiais que sempre se fizeram presentes na vida do cineasta, como a câmera principal que ele utilizou nas filmagens de Cabra Marcado Para Morrer; a cadeira em que seus entrevistados sentavam, como em Jogo de Cena; e até mesmo sua máquina de escrever portátil.

Quem foi Eduardo Coutinho?

Nascido em maio de 1933, o paulistano Eduardo Coutinho teve seu primeiro contato com o cinema em 1954, durante um seminário promovido pelo MASP. Três anos depois ele já se mudou para Paris, onde estudou direção e montagem no IDHEC e realizou seus primeiros documentários.

Em 1960, regressou ao Brasil e, logo no começo da década, virou gerente de produção do longa-metragem de episódios Cinco Vezes Favela. Nesse mesmo período, aceitou o convite para viajar com a UNE Volante (União Nacional dos Estudantes) para o nordeste. A partir daí, deu início as filmagens de Cabra Marcado Para Morrer, que acabou sendo interrompido durante o período militar.

Ocupação Eduardo Coutinho / Foto: Fabio Previdelli


Coutinho tinha a intenção de contar a história de um líder camponês que foi assassinado no sertão da Paraíba. Porém, as gravações só foram retomadas duas décadas depois. O filme então deixou de ser ficcional e se tornou um documentário sobre histórias de vidas reais. Ele revisitou as pessoas que tinham sido escolhidas para atuarem na produção e contou a história de cada uma delas.

Nesse entretempo, em meados dos anos de 1970, Coutinho trabalhou no Globo Repórter, onde teve uma aproximação das narrativas não ficcionais, permanecendo no programa até 1984. Inicialmente, sua ideia era trabalhar com longas de ficção e, inclusive, participou de três deles: Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), O Homem que Comprou o Mundo (1968) e o filme de cangaço Faustão (1971).

Mas foi em sua trajetória como documentarista que Eduardo Coutinho se tornou um ícone, dirigindo filmes como Santo Forte (1999), Babilônia 2000 (2000), Edifício Master (2002), O Fim e o Princípio (2005), Jogo de Cena (2007) e As Canções (2011).

Além da Ocupação, o Itaú Cultural também receberá um curso que permitirá ao público se aprofundar ainda mais na produção e confecção cinematografia de Eduardo Coutinho. Quem não tiver a oportunidade de visitar a Ocupação e participar das atividades, poderá assistir alguns filmes do cineasta que estão disponíveis online.

Parte da Ocupação que fala sobre o filme Edifício Master / Crédito: Fabio Previdelli


Confira abaixo nossa entrevista com Claudiney Ferreira (gerente do núcleo de Audiovisual e Literatura e um dos integrantes da equipe curatorial), e Carlos Alberto Mattos (jornalista, crítico de cinema, pesquisador e cocurador da Ocupação).

AH: O porquê da ocupação? Por que escolheram o Eduardo Coutinho?

Ferreira: O Eduardo Coutinho faz parte da 47ª Ocupação, sempre buscamos homenagear pessoas que são ícones em suas respectivas áreas de atuação, como o Angeli na área dos quadrinhos e cartuns no Brasil; o Antonio Candido na área de crítica literária; o Eduardo Coutinho no cinema; o Jards Macalé na música...

Todos os 47 homenageados possuem uma trajetória muito particular. Elas são pessoas que criaram um legado, que têm seus seguidores mais jovens e que criaram um patrimônio para a cultura brasileira. Essa é a essência do programa. A Ocupação é um programa fundamental, que tem um excepcional retorno de público. Quem visita o Itaú Cultural sabe que vai conhecer alguém importante.

AH: Qual sua relação com Eduardo Coutinho e com os filmes dele? Qual seu favorito e por quê?

Mattos: Sou crítico de cinema há 40 anos e nos últimos 20 eu comecei a me especializar em documentários, por uma paixão cinéfila e pelo interesse na relação cinema e realidade. Assim, passe a ler e escrever muito sobre documentário e, naturalmente, a obra de Eduardo Coutinho se sobressaiu, porque ele é o grande nome do documentário e fez várias revoluções na história do documentário brasileiro.

Me tornei amigo próximo dele, e passei a escrever um livro sobre ele em 2003, chamado Eduardo Coutinho: O Homem que Caiu na Real. Isso foi me credenciando como uma das pessoas que conhecem, entendem e acompanham a obra dele. Existem outras pessoas que estudam o trabalho dele, eu sou apenas uma entre elas, mas eu sempre tive essa veia do pesquisador, de ir atrás dos processos de criação dos filmes e tudo mais.

É difícil escolher um filme preferido do Coutinho. Ele tem dois filmes excepcionais. Um é o Cabra Marcado Para Morrer, que alterou completamente a paisagem do documentário histórico no Brasil. Ele conseguiu encapsular num único filme 17 anos da história brasileira, por meio da história de uma família de um grupo de camponeses.

E tem o Jogo de Cena, que também é revolucionário. Ele apaga as fronteiras entre verdade e representação, entre ficção e documentário. Considero esses filmes excepcionais. Se fosse pra eu te dizer o meu preferido do coração, eu diria que é O Fim e o Princípio, de 2006. Ele vai pra Paraíba sem pesquisa, sem escolha de personagens, sem saber o que fazer. Ele vai apenas na aventura de descobrir um filme na estrada e ele acaba fazendo um dos grandes filmes metafísicos do cinema brasileiro, sobre a morte, o envelhecimento, a finitude, a filosofia sertaneja. Eu acho um filme belíssimo, que tem algumas das falas humanas mais belas que já apareceram no cinema brasileiro.

Câmera usada na gravação de Cabra Marcado Para Morrer / Crédito: Itaú Cultural


Ferreira:
Eu sou uma pessoa que viu muitos filmes do Eduardo Coutinho e o entrevistei duas vezes, mas nunca tivemos nenhuma relação profissional ou pessoal. A minha relação com ele é essa de ser um espectador, que se emociona e se surpreende com os filmes dele. Da maneira que ele consegue contar as coisas, de como ele se relaciona com tudo. Eu sou praticamente um fã.

Eu gosto bastante de Santo Forte e Jogo de Cena, e eu gosto muito de um filme que pouca gente gosta ou conhece que é o Moscou, por gostar muito de ler Tchekhov e admirar o trabalho do Grupo Galpão, de Minas Gerais.

AH: Foi fácil reunir todo o material para a exposição? Qual sua peça favorita?

Ferreira: Eu gosto muito do núcleo dos dispositivos, do cartaz que ele usou em As Canções, da cadeira que ele usou em alguns documentários. Da parte que ele mostra todo o processo de criação do As Canções. Essa é a primeira exposição sobre o Eduardo Coutinho, e o Instituto Moreira Salles e a Videofilmes foram fundamentais para a Ocupação.

Cartaz usado no filme As Canções / Crédito: Fabio Previdelli


AH: Qual a importância de Eduardo Coutinho para o documentário nacional?

Mattos: O Coutinho revolucionou o documentário brasileiro três vezes. Primeiro com o Cabra Marcado Para Morrer. Aí vem o Santo Forte, no qual ele prova que é possível se fazer um filme só com pessoas falando, nada mais disso. E por último tem o Jogo de Cena. Ele tem essas três revoluções já o colocam no patamar de um grande nome do documentário.

Ele criou um método muito próprio dele, do qual permaneceu muito fiel para a seleção de personagens. Ele também criou métodos na maneira de filmar: a distância, a relação da câmera com o personagem, a maneira de editar os filmes. Ele acabou criando uma teoria do documentário. Além de grande realizador, ele também é um dos grandes teóricos do documentário brasileiro.

Isso tudo criou essa importância que o Coutinho tem, o próprio fato dele ser uma figura como personagem, ele próprio como pessoa, uma figura muito curiosa. Ele era muito pessimista, achava que as coisas nunca iriam dar certo, mas elas aconteciam maravilhosamente bem. Ele se tornou uma figura, de certa maneira, folclórica.

Um dos capítulos do meu livro (Sete Faces de Eduardo Coutinho), é sobre o Coutinho personagem. Falos de suas obsessões, suas manias, seus medos, suas influências e tudo mais. Ele criou uma persona, uma pessoa, um teórico e um idealizador muito peculiares.

As pessoas conhecerem a obra dele, é uma maneira delas entenderem o que é o humano brasileiro, do que é a voz brasileira, o que é a emoção brasileira. Não na esfera das grandes questões e grandes causas, mas no miúdo do indivíduo, da pessoa em si.

Algumas fotografias e roteiros escritos por Eduardo Coutinho / Crédito: Itaú Cultural


Ele costumava dizer que “a única coisa que me interessa é o que acontece entre o momento em que a pessoa nasce e o momento em que ela morre. Só isso”. Como se isso fosse pouco. Ele permite encontrar um Brasil nas pessoas, nos indivíduos comuns, não nas grandes pessoas.

AH: Você acha que podemos definir o documentário nacional como um antes e outro depois de Eduardo Coutinho? O que ele deixa de legado para o documentário brasileiro?

Mattos: Com certeza, ele deixa tudo isso que eu falei. Essa forma de retirar tudo que é alegoria, tudo que é enfeite e decoração. Ele filmava com uma câmera e duas cadeiras, se a pessoa não tivesse naquela cadeira, a coisas não iam dar certo.

Ele deixou o legado de poder fazer um cinema simples, com recursos mínimos e mesmo assim ser uma coisa genial, a partir desse critério de escolhas e de como se colocar diante delas.  


Ocupação Eduardo Coutinho:
Local:
Itaú Cultural - Avenida Paulista, 149.
Visitação: até 24 de novembro.
Classificação etária: livre.
Dias e horários: De terças-feiras a sextas-feiras, das 9h às 20h (permanência até 20h30); Sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h.
Mais informações: Clique aqui.