Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Brasil

Em ficção científica, Monteiro Lobato imaginou uma massiva reação racista ao primeiro presidente negro dos EUA

Em 'O Presidente Negro', autor do Sítio do Pica-pau Amarelo tentou prever o futuro

Kelly Cristina Spinelli Publicado em 09/04/2019, às 07h00 - Atualizado às 10h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Montagem com a capa de uma versão dos anos 1930, em espanhol - Wikimedia Commons
Montagem com a capa de uma versão dos anos 1930, em espanhol - Wikimedia Commons

Em 1926, era inconcebível a ideia de um presidente negro nos EUA. Mesmo no Brasil, o mais perto que chegamos - até hoje - foi Nilo Peçanha, que todos chamavam de "mulato". E não foi eleito.

Nesse ano, Lobato estava para assumir o cargo de adido do Consulado Brasileiro de Nova York. Os EUA estavam a décadas do movimento dos Direitos Civis, que acabou com as leis segregacionistas nos anos 1960.

Foi nessa situação que Monteiro Lobato (1882-1948) escreveu O Presidente Negro. Um romance de ficção científica.

No livro, um cientista cria uma máquina do tempo: através dela assiste à disputa pela presidência do país em 2228. Num vislumbre da internet, é um futuro em que tudo pode ser feito por rádio transporte e os jornais são publicados em telas: "Cada colaborador do Remember radiava de sua casa, numa certa hora, o seu artigo, e imediatamente suas ideias surgiam impressas em caracteres luminosos na casa dos assinantes".

Mas também é uma sociedade onde deficientes e portadores de doenças genéticas foram eliminados por eugenia. Brancos e negros foram segregados para sempre, enquanto as mulheres viraram "outra espécie".

Concorrem o líder negro Jim Roy e a feminista Evelyn Astor, com o conservador branco Kerlog, candidato à reeleição. Kerlog tenta cooptar Roy a juntar todos os homens contra as mulheres, mas Roy acaba anunciando que está no páreo uma hora antes das eleições.

No voto por urna eletrônica, apurado em 30 minutos, Jim Roy termina por ser eleito o 88º presidente dos EUA.

Os brancos se revoltam. Kerlog então se une em aliança com Evelyn Astor, que aceita porque "o homem é o marido da mulher por mil razões" e unifica 51 milhões de mulheres com o partido dos homens.

A conspiração agora é juntar a maioria para aprovar uma lei de esterilização de todos os negros. Kerlog demonstra a um atônito Jim Roy que "sua raça jamais assumirá o controle". O líder é encontrado morto no quarto de hotel no dia seguinte, com Lobato apenas sugerindo um assassinato.

A obra provoca discussões. Lobato, afinal, havia começado sua carreira, poucos anos antes, comparando caboclos mestiços aos urupês, orelha-de-pau, fungos da madeira podre. Seria uma defesa do machismo e da pureza racial ou uma crítica à perda de identidade de mulheres e negros? Márcia Camargos, biógrafa do autor, acredita na segunda opção. "Lobato não era racista nem machista: ele critica e desnuda o feminismo caricato e mostra a situação dos negros na época", afirma. 


Trechos do livro O Presidente Negro

"(...) Os rigores desta lei tinham-se agravado no ano anterior, com o fim muito claro de fazer cair o índice de crescimento negro. Isso contrariava a política racial de Jim Roy, toda resumida em favorecer a expansão de seu povo até o ponto que lhe permitisse forçar o branco à divisão do país. A situação metera a política naquele buraco: ou ceder às exigências de Jim Roy ou assistir à vitória das mamíferas rebeldes [as feministas que concorriam à presidência]."

"Quando o presidente terminou a sua exposição, calaram-se os ministros por algum tempo, de queixo preso. Qualquer das hipóteses não agradava ao macho branco. Mas como a sabedoria pragmática consiste em acudir primeiro ao perigo mais próximo, foi acordado ceder às exigências do líder negro."