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Matérias / Antiguidade

Em análise histórica, o Êxodo bíblico tem mais ligação com a Babilônia do que com o Egito

De acordo com os especialistas, dizer que os judeus partiram do Egito em direção a Canaã não é tão simples assim

André Nogueira Publicado em 21/09/2019, às 12h00

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Travessia do Mar Vermelho - Reprodução
Travessia do Mar Vermelho - Reprodução

Praticamente todo mundo que já teve contato com o texto bíblico conhece a passagem do Êxodo, em que Moisés guia seu povo da escravidão no Vale do Nilo até a Terra Prometida. Porém, quando os historiadores, partindo das fontes da época, vão analisar esse momento da História do Antigo Oriente Próximo, as informações apontam para outro lado. Vamos entender essa História.

A primeira vez que aparece o nome Israel

No século XIII a.C., governou o Egito um faraó chamado Merhenptah, um grande líder militar que conduziu o Egito numa rápida expansão pelo território do Oriente Antigo, incluindo a importante região do Levante, ou corredor sírio-palestino. Como é comum na época, perto de sua morte, Merhenptah ordena a inscrição de uma estela de pedra marcada com os grandes feitos militares do faraó. Há um trecho deste monumento que é interessantíssimo:

Trecho do texto / Crédito: Reprodução


No texto, aparece “Israel foi destruída e não prospera mais”. Esta é a primeira ocorrência conhecida do nome “Israel” num documento. Porém, isto não é o que mais se destaca entre os especialistas em Egito, principalmente se levarmos em conta o funcionamento do hieróglifo. Neles, existem os determinativos, símbolos que acompanham as palavras na parte escrita, mas não são pronunciadas em fala, e destacam a classe da palavra, expondo uma categoria a qual faz parte o nome.

 No caso específico, o nome Israel é acompanhado por um determinativo (na imagem acima, está marcada com a indicação “det.”) em que aparecem duas pessoas sentadas sobre três linhas verticais e uma quarta linha que toca uma espécie de losango arredondado.

Segundo os especialistas em hieróglifos, este determinativo indica que o nome é relativo a uma pequena comunidade, de caráter mais tribal e sem complexidade econômica e social, nem um Estado ou identidade social. Ou seja, a partir desse documento, concluímos que na época não havia propriamente uma cidade e um culto a um deus estruturadamente, além de ser inconcebível a noção de um “povo israelita” à época. Outros nomes possuem determinativos que indicam esse tipo de cidade, em que os glifos de humanos sentados são acompanhados por uma montanha. Isso, somado à completa falta de vestígios de uma migração em massa do Egito ao Levante, passando pelo Sinai e o Mar dos Juncos (“mar vermelho”), fundamentaria a hipótese de que nunca houve uma fuga do Egito.

Estrela de Merhenoptah / Crédito: Reprodução


Com a crise da Idade do Bronze, há um misterioso processo de desestabilização em massa dos Impérios na região. Muitos acabam e outros, como o Egito, se desestruturam. Com isso, o Egito recua do Levante e possibilita o desenvolvimento da comunidade e da cidade. Por um tempo, Israel consegue se desenvolver autonomamente. Porém, pouco tempo depois, outra carta entra nesse baralho: a Babilônia, ponto chave para entendermos esse evento, segundo historiadores.

 Em disputa com a Assíria, o Império Babilônio inicia empreendimentos de expansão pelo Oriente e conquista o Levante, e assim, Israel. E, neste momento, a Babilônia investe numa ferramenta de dominação que consistia no deslocamento de blocos populacionais de um lugar para outro como uma espécie de escravo. Neste caso, é visível um tom mais próximo da narrativa bíblica.

Mapa da dominação da Mesopotâmia / Crédito: JW

A crise da Babilônia

Não é à toa que a Babilônia aparece na Bíblia como um grande inimigo. Ao mesmo tempo, a Pérsia aparece como um presente divino, e Ciro, como um libertador. Com o tempo, o poder babilônico começa a se deteriorar e em 539 a.C., a cidade da Babilônia é destruída pelos persas e o império é oficialmente extinto. Para os hebreus, esse é um momento de libertação, o que os faz criar uma narrativa bastante positiva sobre os persas.

A chave desse processo está no fato de que os historiadores concordam que é a partir de 539 que se inicia o esforço de compilação e escrita de textos populares na tradição sírio-palestina num único unificado: ou seja, é nessa época que criam a Bíblia Hebraica. Segundo esse pensamento, o texto bíblico teria sido criado pelos deuteronomistas durante esse momento de transição em que os judeus fogem da Babilônia, destruída, em direção a Canaã. Essas pessoas, portanto, seriam um povo sem terra, sem um rei e sem o templo de culto ao seu deus. Seria necessário criar algo que desse coesão para essa sociedade não se perder no esquecimento. Para isso, cria-se um livro que serve como referência para todos sobre como pensar e agir.

Monumento a Ciro da Pérsia / Crédito: Wikimedia Commons


Tá... Mas e o Egito?

Nesse esforço de se criar uma memória social sobre o passado, que fundamente a coesão entre os diferentes e crie um tecido social unido para a ocupação da Terra Prometida (que lhes foi privada com a invasão babilônica), as elites sacerdotais que se responsabilizaram pela compilação dos textos para a formação da Bíblia remeteram toda a tragédia que os hebreus passavam para um passado longínquo. O Egito aparece como elemento de criação de um “outro” ao mesmo tempo em que serve como história para naturalizar a situação de êxodo pela qual passam e, portanto, naturalizar também a vitória na conquista da Terra Proibida.

Assim, remetendo o êxodo a um tempo rememorável e antigo, os hebreus podem projetar o êxodo da Babilônia no passado e, assim, forjar a ideia de que o povo hebreu é uma grupo antigo e de grande tradição de resistência. Com isso, se cria uma espécie de mito fundacional que não se passaria no tempo presente, mas numa história sobre o passado que pode ser contada e auxiliar a vida. É assim que o Egito se torna o personagem principal de uma fuga que na verdade partiu da Babilônia.