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Matérias / Brasil

Fim do café com leite: Os 91 anos da Revolução de 1930

A ruptura política entre São Paulo e Minas Gerais impulsionou o evento que terminou na posse de um gaúcho e no fim de um sistema

Rodrigo Trespach Publicado em 17/10/2021, às 08h00

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Vargas e outros líderes da revolução em Itararé, São Paulo, depois da deposição do presidente Washington Luís - Wikimedia Commons / Domínio Público
Vargas e outros líderes da revolução em Itararé, São Paulo, depois da deposição do presidente Washington Luís - Wikimedia Commons / Domínio Público

Quando o século 20 começou, a República ainda engatinhava e o Brasil ansiava por grandes transformações. O país tentava acompanhar o surto de progresso tecnológico, a  moda, a cultura e os avanços na medicina que uma Europa efervescente exportava para o mundo. A população brasileira quase que dobrara em relação ao século anterior;
em grande parte, devido à onda imigratória.

Mas embora as expectativas fossem positivas, na prática, o Brasil era uma nação economicamente atrasada. Não contava com indústrias e dependia enormemente do dinheiro da venda do café – produto que correspondia a quase 40% das exportações brasileiras.

Na política, a tão esperada participação popular não passara de propaganda republicana.  O poder, que segundo os princípios democráticos deveria se basear na
vontade do povo, com a Proclamação da República, em 1889, passara das mãos do imperador para as dos militares e, logo em seguida, para as da oligarquia latifundiária. O poder continuava centralizado e na mão de poucos.

Não podiam participar do processo eleitoral as mulheres e os analfabetos – estes últimos
correspondiam a 85% da população da época. Os brasileiros não tinham representação e os poucos que deviam zelar pelos interesses públicos estavam inseridos dentro de um sistema corrupto e fraudulento.

A legislação eleitoral da época recomendava o voto secreto, mas havia a possibilidade do chamado voto descoberto, o que permitia aos “coronéis” – assim chamados os líderes políticos locais – o controle sobre seus eleitores (o conhecido “voto de cabresto”). Tanto a votação quanto o escrutínio não garantiam lisura alguma ao pleito. As urnas não passavam de um acessório necessário apenas para dar ar de legitimidade às eleições.

Em verdade, pouco havia mudado em relação as antigas práticas do tempo do império. Com o tempo, o que ocorreu foi uma centralização e uma dependência ainda maior do poder centrado na então capital federal, o Rio de Janeiro

Oligarquia latifundiária

Na virada do século, o presidente Campos Sales concebeu o que ficaria conhecido como “política de governadores”: os governos estaduais davam apoio ao governo federal, elegendo deputados e senadores favoráveis ao presidente, que em retribuição auxiliava os governadores em questões regionais.

Como não havia o que hoje conhecemos por Justiça Eleitoral, a fiscalização das eleições era realizada pela “Comissão Verificadora dos Poderes” (uma estratégia para excluir
os grupos políticos da oposição).

Subordinada ao Legislativo, que então estava sob a batuta do presidente da República, esta comissão podia alterar resultados das urnas e não dar vitória aos candidatos vencedores, fossem eles governadores, deputados ou senadores – fato que ficou conhecido como “degola”; o postulante vencia nas urnas, mas não assumia o cargo.

Esse sistema de alianças e fraudes permitiu a permanência da oligarquia latifundiária no
poder por mais de duas décadas – período que ficaria conhecido como República Oligárquica ou República dos Fazendeiros, além de Primeira República ou República Velha. Com o tempo, o sistema foi ficando cada vez mais refinado, à medida que um grupo passara a controlar o acesso ao poder.

O acordo entre as elites paulista e mineira resultou, a partir da eleição de Venceslau Brás, em 1914, em uma alternância no poder entre São Paulo e Minas Gerais, estados
onde estavam a elite econômica do país, com os principais cafeicultores e produtores de leite – é daí que vem o nome da “política do Café com Leite”.

A sucessão presidencial transformou-se, dessa forma, em um ritual de passagem.
Nesse interim, o Brasil era sacudido por uma série de revoltas – além da própria Primeira
Guerra (1914-1918), de grande impacto na economia, e das manifestações e greves operárias, influenciadas pela Revolução Russa (1917).

Marcam as primeiras décadas da República, a Revolta de Canudos (1893-1897), a Revolução Federalista (1893-1895), as revoltas da Vacina e da Chibata (1910), a Guerra do Contestado (1912-1916), e a principal delas, a revolta do Forte de Copacabana, em 1922 – a chamada Revolta de 1922 ou dos Dezoito do Forte.

Esta última revolta pretendia derrubar o governo do presidente Epitácio Pessoa e o seu sucessor, Artur Bernardes, envolvido em um escândalo de cartas falsas, publicadas no jornal Correio da Manhã – Bernardes teria chamado o marechal Hermes da Fonseca, ex-presidente e influente líder militar, de “canalha” e “sargentão sem compostura”. O movimento fracassou, mas dele resultariam outras revoltas, principalmente no Rio Grande do Sul e em São Paulo, e a Coluna Prestes (1925-1927).

Aliança liberal

A instabilidade política aumentou quando o presidente Washington Luís, que, embora fosse fluminense de nascimento, fizera carreira política em São Paulo, indicou para seu sucessor o governador paulista Júlio Prestes – e não o mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, como era esperado, segundo estabelecia a política Café com Leite. A posição intransigente do presidente acabou com o acordo entre São Paulo e Minas Gerais, que passou a apoiar a indicação de Getúlio Vargas, então governador do Rio Grande do Sul.

Nascido em São Borja, na Campanha Gaúcha, Vargas era filho de um militar veterano da
Guerra do Paraguai e rico estancieiro. Como membro do Partido Republicano Rio-Grandense, era discípulo e herdeiro de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, líderes incontestes dapolítica gaúcha por mais de três décadas.

Júlio de Castilhos fora o organizador da primeira Constituição do Rio Grande do Sul, em 1891, tendo como base os princípios positivistas de Auguste Comte, o filósofo francês que influenciara os militares que derrubaram a monarquia em 1889 e iria guiar os pensamentos de gerações de políticos rio-grandenses.

A visão positivista de mundo, em que a democracia não era bem-vista, deu a Vargas um fundamento de paternalismo, de que os homens instruídos e intelectuais teriam o direito e o dever de impor às camadas iletradas uma “ditadura científica”, o caminho para o desenvolvimento dos povos.

Vargas, que já fora ministro de Washington Luís, não estava disposto a concorrer, mas acabou aceitando, principalmente devido às articulações de João Neves da Fontoura, que, além de líder da bancada gaúcha no cenário federal, era vice-governador do Rio Grande do Sul. Em junho de 1929, Neves da Fontoura assinou com Francisco Campos, secretário do Interior de Antônio Carlos, um acordo de intenções e, depois de alguns ajustes, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba uniram-se para formar a Aliança Liberal.

O movimento indicou Vargas para a presidência e João Pessoa, governador paraibano, para vice. A chapa foi homologada em setembro. João também era produto de elite oligárquica; estudara na escola militar no Rio de Janeiro, formara-se em direito em Recife e fora indicado ministro do Supremo Tribunal Militar por influência do tio, o ex-presidente da República Epitácio Pessoa.

Multidão reunida na esplanada do Castelo durante o lançamento da Aliança Liberal, em março de 1930 / Crédito: Divulgação / FGV

A Aliança Liberal reuniu descontentes e opositores e prometeu medidas importantes,
inovadoras e populares: concessão de direitos sociais aos trabalhadores, garantia às liberdades individuais, o fim das leis de exceção (o país vivia em constante estado de sítio desde a Proclamação da República, quatro décadas antes), anistia aos tenentes e militares envolvidos nas revoltas entre 1922-1927, reforma eleitoral tendo como base o voto secreto e uma reforma fiscal e burocrática que fiscalizasse a qualidade dos serviços públicos.

O resultado das eleições de março de 1930, porém, era previsível: Washington Luísusou todo o poder que o cargo e a estrutura governamental permitiam: demitiu e removeu funcionários federais ligados à oposição, financiou aliados regionais e criou postos militares fiéis ao governo federal no Paraná e Santa Catarina, com o objetivo de isolar Minas e o Rio Grande do Sul.

A estrutura vigente não seria derrubada de forma democrática, pela força das urnas.
Até mesmo a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, em meio à campanha eleitoral, e a crise econômica internacional, que atingiu duramente o principal produto
brasileiro, o café, não foram suficientes para a queda governista.

Vargas foi derrotado por Júlio Prestes em uma eleição que esteve longe de ser confiável – para qualquer um dos lados. O paulista recebeu pouco mais de 1 milhão de votos, alcançando o título do primeiro presidente brasileiro a ultrapassar a marca. Depois da eleição, Getúlio lamentou a derrota e a influência mineira, que o fizera pensar poder vencer a estrutura federal e lutar por uma causa que não era a do Rio Grande do Sul.

O líder republicano rio-grandense, Borges de Medeiros, também foi aos jornais e garantiu que os gaúchos não iriam brigar por uma causa perdida e desestabilizar a ordem no país. Em maio, Júlio Prestes foi proclamado presidente pelo Congresso Nacional e sua posse foi marcada para novembro.

Em 26 de julho de 1930, porém, JoãoPessoa foi assassinado em Recife. O crime passional deu motivo para que a ala mais radical dos aliancistas gaúchos, entre eles Neves da Fontoura e Oswaldo Aranha, articulasse um golpe para impedir que Júlio Prestes assumisse a presidência. A comoção popular com a morte do governador paraibano serviu de lenha para a fogueira que aquecia um caldeirão fervendo.

Com permissão de Vargas, Aranha começou a articular a “Revolução Liberal”. Comprou
armas no exterior e se aproximou dos militares que haviam participado – contra ou a favor – do movimento tenentista na década de 1920. Depois de várias negativas, incluindo a do capitão gaúcho Luiz Carlos Prestes, líder da Coluna Prestes e então envolvido com o movimento comunista internacional, coube ao coronel alagoano Góes Monteiro a tarefa de liderar o braço militar do movimento que derrubaria Washington Luís.

Vargas e outros líderes da revolução em Itararé, São Paulo, depois da deposição / Crédito: Wikimedia Commons / Domínio Público

Revolução liberal

De início hesitante, Góes Monteiro aceitou o convite de Vargas com uma condição: teria
carta branca. Ele iria liderar as forças revolucionárias a partir do Sul, enquanto Juarez Távora, antigo integrante da Coluna Prestes, atuaria do Nordeste. Aristarco Pessoa,
irmão de João Pessoa, ficaria responsável por sublevar as tropas de Minas Gerais. Vencida a luta armada, Getúlio Vargas seria empossado presidente.

Os conspiradores calcularam que a luta poderia se estender por três meses até que Washington Luís fosse apeado do poder. O cálculo estava errado: o governo cairia em bem menos tempo. Além de teimoso, o presidente era um péssimo articulista e ainda pior líder militar. Custou a levar a sério o levante e quando o fez já lutava por uma causa perdida.

Iniciada em Porto Alegre no dia 3 de outubro de 1930, a revolução se alastrou rapidamente e em 20 dias pusera o governo federal em xeque. Militares não ligados a  Vargas também se rebelaram e exigiram a renúncia do presidente. “Não renuncio!”, declarou Washington Luís, “Só sairei daqui morto!”. Com o Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro, cercado pela artilharia e os canhões dos fortes cariocas a
disparar tiros exigindo sua renúncia, o presidente se mantinha irredutível.

Foi preciso a intermediação do cardeal dom Sebastião Leme. Aconselhado pelo religioso, o político mudou de opinião e aceitou se entregar a uma Junta Governativa Provisória
– composta pelos generais Augusto Tasso Fragoso (que já ajudara na derrubada da monarquia, em 1889) e João de Deus Mena Barreto, além do contra-almirante José Isaías de Noronha.

Preso às 18 horas daquele dia 24 de outubro, Washington Luís, cujo mandato encerrava em menos de um mês, foi levado de carro ao Forte de Copacabana e depois enviado  para o exílio na Europa. Enquanto isso, Vargas se dirigia a capital por via férrea, acompanhado por Góes Monteiro e Neves da Fontoura, entre outros líderes aliancistas.

Sabendo da queda do presidente, do Paraná, Vargas enviou um ultimato à Junta, que o convidou a assumir o cargo vago. Durante o trecho seguinte da viagem até Rio de Janeiro, o comboio revolucionário que levava o político gaúcho foi aclamado em todos os lugares. Em 3 de novembro, a Junta Governativa Provisória entregou o governo a Getúlio em cerimônia realizada no Palácio do Catete.

Vargas tinha “planos grandiosos de reconstrução nacional”, afirmou em seu discurso: conceder anistia, melhorar o ensino público, combater crimes financeiros, modernizar as Forças Armadas, fazer uma reforma eleitoral e no funcionalismo público, cortar despesas, incentivar a produção agrícola, promover a extinção progressiva do latifúndio,
aumentar o número de estradas de rodagem e ferrovias e rever o sistema tributário.

Em menos de dez dias, no entanto, Vargas fechou o Congresso Nacional e suspendeu a
Constituição. Dois anos depois, uma revolta em São Paulo, em 1932, a Revolução Constitucionalista, obrigou o presidente a conceder ao país uma nova carta. No ano seguinte, com o novo Código Eleitoral, os brasileiros elegeram deputados constituintes que, somados a representantes de sindicatos, trabalharam em uma nova Constituição.

Em julho de 1934, o país tinha promulgada uma nova Carta Magna ao mesmo tempo que os deputados elegiam Vargas presidente do Brasil. Para o caudilho gaúcho, no entanto, a nova Constituição tinha um problema: seu governo teria prazo para acabar. Sem direito a reeleição, em 1938 ele deveria deixar o comando do país. Por isso, a Constituição de 1934 tornouse a mais efêmera das cartas brasileiras; durou pouco mais de três anos.

Vargas teria dito: “Eu creio que serei o primeiro revisionista da Constituição”. Ela não seria revisada, mas suprimida. Com auxílio de Góes Monteiro, notório admirador do fascismo italiano, Vargas deu um golpe no próprio governo, outorgando uma nova Constituição em 1937 – chamada de “Polaca”, por ter inspiração no modelo centralizador da carta polonesa.

Elaborada por Francisco Campos, então ministro da Justiça, a nova carta dava supremacia ao poder Executivo, em detrimento do Legislativo e do Judiciário. Tinha início o Estado Novo, uma ditadura que iria durar até 1945, quando Vargas seria forçado a renunciar. Góes Monteiro, o mesmo homem que o levara ao poder, também tramara sua derrocada.


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