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Matérias / Segunda Guerra

Retrospectiva 2019: 80 anos da Segunda Guerra Mundial

O conflito que deixou o mundo diante do mais importante e assustador episódio do século passado

Alexandre Carvalho Publicado em 21/12/2019, às 14h55

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Crédito: Reprodução
Crédito: Reprodução

De perder o fôlego. Assim era a beleza da vista dos Alpes em Berghof, a residência de férias na Baviera do líder máximo do povo alemão. Foi para lá que se encaminhou Kurt Schuschnigg, o homem que entraria para a história como o último chefe de Estado antinazista da Áustria antes da anexação de seu país à Alemanha – uma união forçada que ele tentava evitar na reunião que teria naquele paraíso alpino, em fevereiro de 1938. Diante do Führer, o chanceler austríaco tentou amenizar a tensão da conversa elogiando aquela paisagem de cartão-postal.

Mas a resposta que recebeu do dono da casa não tinha nada de descontraída. “Sim, aqui minhas ideias amadurecem. Mas não estamos aqui para falar sobre a bela vista e o tempo”, disse impacientemente Adolf Hitler, que logo emendou com uma ameaça: “Herr Schuschnigg, o senhor não acredita que pode me deter por meia hora, acredita? Quem sabe? Talvez eu apareça em algum momento em Viena, da noite para o dia, como uma tempestade de primavera. Então o senhor verá”.

Mesmo assustado, Schuschnigg não se curvou às ameaças de Hitler, não aceitou as imposições que na prática deixariam a Áustria sob domínio nazista. Mas a oposição do político só serviu para enfurecer ainda mais o líder alemão, que não tolerava ser contrariado. “Desde sua meninice em Linz, Hitler pensava que o futuro da população austríaca de língua alemã estava na sua incorporação ao Reich”, afirma o historiador britânico Ian Kershaw. E Hitler deixaria isso bem claro logo na primeira página de Mein Kampf, sua autobiografia. “A Áustria alemã deve retornar à grande mãe-pátria alemã, e não por motivos econômicos. Um sangue único exige um Reich único.”

A tempestade de primavera que Hitler anunciava se materializou um mês após o encontro com o chanceler austríaco. Em 12 de março, o Exército Alemão invadiu a Áustria sem nenhum esboço de resistência, e logo um ministro do Partido Nazista local assumia o posto de novo chanceler do país.

 Um dia depois, a Alemanha anunciava oficialmente a anexação da república austríaca, convertendo-a numa província do Terceiro Reich. Kurt Schuschnigg foi imediatamente encarcerado: primeiro teve prisão domiciliar, depois amargou uma solitária no quartel-general da Gestapo até finalmente ser levado para o terrível campo de concentração de Dachau. Ainda assim, o ex-chanceler e sua família conseguiram sobreviver aos mais terríveis dos terrores: seriam libertados pelas forças aliadas em 1945, no epílogo da Segunda Guerra Mundial.

A independência da Áustria havia sido uma das imposições do Tratado de Versalhes, o acordo de paz assinado em 1919 pelas potências europeias, que basicamente responsabilizava a Alemanha pelas perdas e danos da Primeira Guerra. Hitler era um dos incontáveis alemães que não se conformavam com aquela paz da vergonha, que obrigara o país a pagar uma reparação astronômica para seus inimigos – especialmente a França –, a ceder parte de seus territórios e a reduzir suas Forças Armadas a um nível de insignificância.

Crédito: Reprodução

Nos comícios que marcaram a ascensão do líder nazista, desde os anos 1920, o político não perdia a chance de apontar o contraste entre o passado glorioso do Império Alemão e a situação em que o país se encontrava pós-tratado.

 De fato, ao longo da República de Weimar – que foi a democracia parlamentar alemã entreguerras –, a dificuldade de um ressurgimento econômico por conta das restrições do Tratado de Versalhes disseminava um sentimento generalizado no povo: um misto de humilhação, saudosismo dos tempos do império e revanchismo. A política democrata era associada ao fracasso e à rendição, terreno fértil para a acolhida de um ditador com discurso ultranacionalista. Uma retórica preparada mesmo antes que o maior criminoso da história fosse uma personalidade conhecida – e temida – por todo o planeta.

Às portas da França

Ainda jovem, Adolf Hitler já era um admirador das ideias do político de extrema-direita Georg Schönerer, o mais radical entre os defensores do pangermanismo, uma ideologia que pregava a reunião de todos os povos de língua alemã sob o guarda-chuva de um grandioso Estado germânico – e que também tinha uma visão de mundo racista e de apoio a minorias alemãs em outros países.

A recuperação da Áustria era um passo coerente nesse caminho infame para fortalecer um Reich eterno e invencível. Assim, os nazistas levaram sua perseguição aos judeus para a capital cosmopolita e multiétnica que era Viena, forçando o exílio de alguns dos mais ilustres de seus habitantes – como Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Mas, além da realização do sonho pangermânico, aquela agres são militar se revelaria um salto em direção à maior de todas as guerras da humanidade.

Mesmo antes da invasão do território austríaco, Hitler já desafiava a tolerância internacional. Em 1935, divulgou abertamente o rearmamento da Alemanha – um processo que já ocorria de maneira secreta e informal desde os tempos de Versalhes, mas que só se solidificou depois que os nazistas se tornaram a força dominante no país, em 1933.

O envolvimento das indústrias na produção de material bélico foi, inclusive, um importante fator de renascimento econômico depois da depressão que causara desemprego e inflação incontrolável, após o crash de 1929. Com o rearmamento, o país também retomava o alistamento compulsório, uma afronta ao artigo 173 do capítulo 3 do Tratado de Versalhes, que determinava: “Será proibido na Alemanha todo o serviço militar obrigatório. O exército alemão só poderá se constituir por recrutamentos voluntários”. A Inglaterra, a França e outros países da Liga das Nações se pronunciaram condenando o rearmamento proibido, mas nada fizeram além dessas declarações.

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Assim como não tomaram nenhuma atitude quando, no ano seguinte, Hitler violou o chamado Pacto de Locarno ao estabelecer forças militares na Renânia, uma região do lado ocidental do país que fora desmilitarizada pelo acordo, assinado em 1925. A pacificação do local era estratégica para a Europa Ocidental: a Renânia fica justamente na fronteira entre Alemanha e França.

Ao proibir os alemães de erguer fortificações, estacionar tropas ou fazer qualquer preparativo militar naquela margem esquerda do Rio Reno, o acerto garantia que os franceses não precisavam temer uma agressão direta dos vizinhos por aqueles lados. Retomar a soberania da área, portanto, era um ousado movimento do xadrez geopolítico do Führer, que ouviu argumentos contrários à ação de diversos conselheiros militares.

Hitler, no entanto, preferia sempre agir a esperar, ainda que isso fosse contar com a sorte. Ou melhor, com a crença interior de que era um predestinado, e que os rumos da história sempre estariam a seu lado. Era, inclusive, apoiado nessa fé pelos mais fanáticos entre seus apoiadores, como o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, que escreveu na ocasião: “Chegou a hora da ação. A sorte favorece os corajosos! Quem não ousa nada não ganha nada”.

A França, apesar do risco envolvido, achou que não valia a pena acabar com a paz mundial por causa daquela região – e deixou por isso mesmo. “Não havia, na década de 1930, um político capaz de defender, na França ou na Inglaterra, a necessidade de uma nova guerra contra a Alemanha”, escreveu outro historiador britânico, Eric Hobsbawm.

Os franceses não sabiam, mas estavam acionando o gatilho da psique de Hitler que levaria, três anos mais tarde, aos eventos que precipitaram o início da Segunda Guerra – que teria entre suas consequências a ocupação do território francês pelos nazistas. Muitos estudiosos concordam que a Crise da Renânia afetou profundamente a disposição de Adolf Hitler, que viu no sucesso dessa ocupação um sinal de que era infalível.

E a euforia popular com a reocupação contribuiu para esse sentimento. “Milhares de pessoas se aglomeraram nas margens do Reno e lotaram as ruas próximas à ponte”, conta Ian Kershaw na biografia de Hitler. “Os soldados foram alvo de uma recepção delirante ao atravessá-la. Mulheres forraram o caminho com flores. Padres católicos abençoaram-nos.”

Crédito: Reprodução

O fato é que, à época, bastaria uma divisão francesa para destruir a aventura dos alemães que surgiram armados na fronteira – um risco que o próprio Führer não ignorava. “Se os franceses tivessem então entrado na Renânia”, comentaria o líder nazista, “teríamos de nos retirar novamente com o rabo entre as pernas. A força militar à nossa disposição não era sufi ciente nem para uma resistência limitada”.

O erro de cálculo francês foi também um erro de timing: o país só decidiria retaliar as seguidas invasões alemãs em países mais frágeis da Europa quando seu rival já era uma potência militar insuperável – o que provavelmente ainda não era o caso em 1936.

Esse atraso acabaria dando toda a vantagem militar aos nazistas, como explica James M. Lindsay, diretor de estudos do Council on Foreign Relations, organização americana especializada em política externa: “Estados expansionistas e agressivos são mais facilmente bloqueados cedo, quando ainda estão fracos e vulneráveis. Mas, justamente porque sua capacidade ainda está limitada nesse ponto, e suas intenções ainda não podem ser pressupostas com exatidão, costuma ser difícil persuadir outras nações a agir contra eles”.

Se, mesmo diante da militarização da Renânia e da anexação da Áustria, dois anos depois, as principais potências europeias ainda achavam que poderiam aplacar o apetite de Hitler à base de diplomacia, as investidas seguintes do governo nazista fariam com que finalmente a ficha caísse: estavam lidando com um caso patológico de líder predador, para quem sempre era uma questão de tudo ou nada.

Espaço Vital

Em novembro de 1937, ainda antes da anexação da Áustria, Hitler reuniu, na Chancelaria do Reich, os chefes do Exército, da Força Aérea e da Marinha, além do ministro da Guerra. Todos esses militares acreditavam que o motivo do encontro seria definir a alocação de suprimentos de aço para as Forças Armadas.

Faltava matéria-prima para a contínua ampliação do armamento da Alemanha, e isso de fato pedia uma decisão do Führer. Mas o líder nazista tinha mais urgência em outro tema, o que pegou a todos de surpresa. Hitler queria falar de política externa. Num monólogo de cerca de duas horas, explicou detalhadamente a suposta necessidade de expandir o espaço vital alemão.

Exército australiano de mulheres / Crédito: Reprodução

Segundo ele, sem aumentar os territórios do Terceiro Reich, logo faltaria lugar para a produção agrícola, e o país dependeria sempre da economia estrangeira. Como nenhuma nação teria a gentileza de ceder territórios para o fortalecimento da Alemanha, Hitler expôs o que estava ficando claro na mente daqueles militares: o problema alemão só poderia ser resolvido com o uso da força.

E não dava para esperar décadas pelo momento mais propício. Segundo o Führer, questões como o declínio das taxas de nascimento e o envelhecimento do regime nazista tornavam fundamental conquistar esse espaço extra antes de 1943.

Até lá, apontou como estratégico incorporar a Áustria – como já vimos – e ainda a Tchecoslováquia, o que ainda aumentaria a segurança das fronteiras alemãs. Nas contas de Hitler, os nazistas expulsariam 3 milhões de pessoas desses dois países (judeus, comunistas, padres, democratas etc.), resultando numa aquisição de alimentos para até 6 milhões de alemães.

Para quem esteve naquela reunião, não foi surpresa que apenas sete meses após a anexação da Áustria o exército alemão estivesse incorporando a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, onde havia uma maioria de população de origem germânica. O pretexto oficial era de que os alemães que moravam por ali seriam perseguidos pelas autoridades – as crianças não podiam passar férias na Alemanha, por exemplo.

Porém, se o senso de oportunidade de Hitler se mostrara aguçado nas incursões anteriores, atacar os tchecos era visto como loucura por parte do seu próprio comando militar. Não que a Tchecoslováquia representasse algum risco – e aquela democracia no caminho da expansão alemã parecia mesmo uma pedra no sapato para qualquer nazista. O problema era outro: um ataque aos eslavos parecia ser a gota d’água para que as aventuras do Führer abrissem a caixa de pandora de uma guerra contra as potências ocidentais.

O general Ludwig Beck, chefe do Estado-Maior da Alemanha, escreveu um memorando que ressaltava a impossibilidade de o país vencer um conflito generalizado de longa duração, que poderia explodir se os ingleses decidissem por uma intervenção em favor dos tchecos. Hitler reagiu furioso àquelas constatações, e logo Beck perderia seu posto. Hitler não queria ouvir nenhuma voz da razão: ele queria guerra. E estava convicto de que as maiores forças da Europa não tomariam as dores dos tchecos.

Apesar dos temores dos militares, a leitura internacional do Führer mais uma vez estava certa. Os britânicos quiseram tanto evitar o desgaste de uma guerra que colocaram os pesos-pesados de sua diplomacia para convencer os tchecos de que, sim, deveriam aceitar as exigências quanto aos Sudetos, principalmente dar autonomia aos alemães nessa região.

Depois de idas e vindas das negociações, nas quais Hitler sempre tendia a aumentar suas exigências, um acordo foi selado: o país dos tchecos foi desmembrado. Um preço alto para a manutenção da paz – uma paz que desagradava ao líder alemão.

Mas a frustração de Hitler seria amenizada com uma solução em dois tempos. Em março do ano seguinte, ameaças militares dos nazistas, com envio de tropas na direção de Praga e uma banana para os acordos de paz, dariam à Alemanha o “protetorado” do que restava do país vizinho. “Este é o dia mais feliz da minha vida”, o Führer diria a suas secretárias. “Consegui a união da Tchecoslováquia com o Reich. Serei lembrado como o maior alemão da história.”

As potências europeias mais uma vez não agiram em retaliação. Mas a ocupação da Tchecoslováquia mudou definitivamente a percepção de britânicos e franceses em relação a Hitler. Até então, eles achavam que poderiam apaziguá-lo. Daí para frente, sabiam que precisavam detê-lo.

Corredor polonês

Vale registrar que, incluindo a conquista da Tchecoslováquia, os nazistas vinham conseguindo dominar Estados menores vizinhos sempre com base na ameaça do uso da força, mas sem efetivo derramamento de sangue. Tudo mudou quando Hitler estabeleceu seu próximo objetivo expansionista: a Polônia. O pretexto novamente eram as injustiças do Tratado de Versalhes.

Exército feminino polonês / Crédito: Reprodução 

 O acordo forçara a Alemanha a ceder a cidade de Danzig e o chamado Corredor Polonês – uma faixa de terras que dava acesso ao mar para a Polônia, ao mesmo tempo que deixava a Prússia Oriental separada do Reich. Danzig tinha uma população 98% alemã, favorável à anexação, e só 1% polonesa (mais 1% de cidadãos de outras origens). Em sua política que unia expansionismo e revisão do tratado pós-Primeira Guerra, Hitler queria essas terras de volta. Mas a intimidação que funcionara tão bem na Áustria e Tchecoslováquia não surtiria o mesmo resultado desta vez.

Os poloneses não abriam mão de seus territórios. Estavam mais confiantes graças a um acordo com a Inglaterra, firmado justamente para frear os impulsos nazistas. O problema é que o líder alemão que eles enfrentariam estava mais autoconfiante do que nunca. A sucessão de triunfos tinha sido um combustível e tanto para a megalomania de Hitler, que agora vivia se comparando em público a ninguém menos que Napoleão.

Seus instintos agressivos também estavam num ponto nunca visto antes. Em maio de 1939, numa reunião com seu comando militar, o Führer antecipava o que tinha em mente para os conflitos que estavam por vir – um raciocínio que já incluía franceses e ingleses entre seus prováveis oponentes: “Não haverá mais chance de recuo e não será mais uma questão de certo ou errado, mas de ser ou não ser”.

Quando, em 1º de setembro, a Polônia começou a ser bombardeada pelas tropas nazistas, a Alemanha entrava enfim numa contenda global que seu povo não queria – ainda era fresca a memória dos horrores da Primeira Guerra, que tivera um custo tão alto aos germânicos. Muitos dos comandantes das Forças Armadas nazistas também achavam que essa era uma ação prematura, que seu líder estava jogando o país num combate que teria melhor prognóstico se adiado por uns seis anos.

O que ninguém tinha dúvida era de que os motivos para a Segunda Guerra Mundial se concentravam na vontade inabalável de um indivíduo. Era essa a linha de raciocínio do então primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlain, que expôs na Câmara dos Comuns, imediatamente após a invasão da Polônia, sua resignação quanto à impossibilidade de evitar um conflito de dimensões inimagináveis.

“A responsabilidade por essa terrível catástrofe repousa sobre os ombros de um único homem: o chanceler alemão, que não hesitou em mergulhar o mundo na miséria para servir suas próprias ambições absurdas.”

Dois dias após a primeira agressão nazista ao território polonês, 80 anos atrás, Inglaterra e França declararam guerra à Alemanha de Adolf Hitler. E o capítulo mais importante do século 20 começava a ser escrito – uma história que terminaria com mais de 70 milhões de mortos, a maioria civis inocentes.