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Matérias / Segunda Guerra

Gerd e Paul Heinrich Brunckhorst: Os irmãos brasileiros que lutaram em lados opostos na Segunda Guerra Mundial

De um lado Brasil, do outro, Alemanha. Uma família em posições rivais em um dos maiores conflitos do século 20

M. R. Terci Publicado em 02/05/2020, às 11h00

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Os irmãos Brunckhorst: Paul Heinrich e Gerd Emil - Creative Commons
Os irmãos Brunckhorst: Paul Heinrich e Gerd Emil - Creative Commons

Gerir conflitos familiares em momentos em tempos de pandemia, não é fácil. Todo mundo em casa, quarentena e discussões entre irmãos. Embora possa não haver essa coisa de filho preferido e filho preterido, quem tem mais de um filho sabe do que estou falando. Um sempre está reclamando que o irmão tem mais vantagens que ele.

A rivalidade fraterna é bíblica, remonta a Caim e Abel. Queixas frequentes, brigas, a coisa realmente pode ficar série quando os pais demoram a intervir. A hostilidade gera tensões que, quando não mediada pelos pais se tornam permanentes e brutais.

Em casos extremos, se transformam em caso de polícia.

Viram até mesmo narrativa de guerra.

Era uma manhã ensolarada quando, em 1938, Gerd Brunckhorst observou seu irmão mais novo embarcando em um navio, na Baía de Guanabara. Paul Heinrich Brunckhorst tinha 16 anos de idade quando seguiu para Alemanha, onde seria submetido a tratamento médico por alguns meses. Mas, quis o destino que os irmãos nunca mais se vissem, a não ser em lados opostos do front.

Seus pais haviam deixado a Alemanha em 1910 com destino ao Brasil. Paul era o caçula, mirrado, com apenas 1,50 m, tinha problemas glandulares de crescimento.

Quando em 1º de setembro de 1939, as forças da Alemanha nazista de Adolf Hitler invadiram a Polônia e o Reino Unido, França e a Comunidade das Nações declararam guerra ao Führer, as fronteiras foram fechadas e Paul ficou retido no país, hospedado na casa de parentes.

Gerd regressaria ao cais do porto da Baía de Guanabara apenas em julho de 1944, não para recepcionar o irmão, mas para subir a bordo do enorme navio norte-americano que o levaria para a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália.

Gerd Brunckhorst trabalhava em uma companhia de seguros no Rio e foi afastado da empresa por ser filho de alemães quando o Brasil declarou guerra em 1942 e os ânimos nacionalistas se inflamaram. Mas isso não impediu que se apresentasse à uma junta de recrutamento e partisse no primeiro escalão da tropa brasileira. O cabo Gerd serviu na 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia, a primeira unidade a entrar na linha de frente em 1944.

Patriota, como voluntário estava pronto para lutar ou morrer pelo seu país.

 Gerd Emil Brunckhorst / Crédito: Divulgação

"Quando encostei do armazém 10 do Rio de Janeiro estava lá aquele navio monstruoso. Descemos até o quarto porão, na linha d’água. Meu beliche estava bem na pá do navio, o alvo predileto dos submarinos", recordou Gerd, aos 95 anos de idade, em 2015, quando foi entrevistado pela emissora de TV alemã Deutsche Welle.

"Na noite seguinte, Getúlio Vargas apareceu: 'Brasileiros!', com aquele jeitinho de gaúcho. De manhã cedo, já estávamos saindo da Baía Guanabara e só tocavam canções patrióticas. 'Nós somos a pátria amada, fiéis soldados'. O Rio de Janeiro ficava para trás."

Do outro lado do oceano, para desespero da família, Paul Heinrich era recrutado pelo exército alemão.

Os pais dos irmãos Brunckhorst, em São Paulo, capital, recebiam notícias esporádicas através de cartas enviadas por canais de correspondência na Suíça.

Mas, em princípio, sua família não temeu pelo pior. Apesar da tensão sempre crescente, Paul fora designado para trabalhos em uma indústria bélica. Sua baixa estatura o tornara, a princípio, menos qualificado a integrar o poderoso exército de Adolf Hitler.

Mas à medida que o conflito global se estendia, as baixas aumentavam na linha de frente e logo, os nazistas se tornaram menos exigentes. Em 1943, o pequenino Paul Brunckhorst se viu dentro de uniforme alemão, marchando em direção à Frente Oriental, palco do encarniçado combate entre o Reich e a União Soviética.

Os irmãos Brunckhorst estavam oficialmente em guerra, defendendo bandeiras rivais. Um deles bem poderia ter dito: “mãe, olha ele!”; mas a essa altura da guerra, tudo era incerteza, medo, horror.

Uniformes os separavam. Os pais não tinham poder para interferir em um antagonismo de tamanha proporção.  

Tanque de destruição soviético / Crédito: Klimblim

"Quando eu já estava na Itália, soube de uma carta dele escrita à minha tia, de agosto de 1944, dizendo que ele iria embarcar em direção ao front russo. Como cidadão brasileiro, ele não era obrigado a servir ao Exército Alemão, mas até ficou orgulhoso quando foi convocado já no fim da guerra. Foi uma grande perda para a nossa família."

A história dos irmãos Brunckhorst é um exemplo de como a guerra podia separar famílias de imigrantes. Se por um lado, os dois temiam ver um ao outro, no mesmo campo de batalha, na mira de seus fuzis, o sofrimento de seus pais deve ter sido inimaginável.

O destino os separou e os colocou em lados opostos.

O acaso, então, se incumbiria de pôr um fim ao drama familiar.

Um acidente, em novembro de 1944, tirou Gerd do campo de batalha. Uma fratura na perna direita fez com que o pracinha brasileiro permanecesse internado em um hospital de campanha durante um tempo. Como Gerd era trilíngue, foi rebaixado de combatente para interprete entre pacientes brasileiros e médicos estrangeiros.

De volta a Nápoles, Gerd deu início à volta ao Brasil junto com outros feridos. “Entrei numa enfermaria apenas com pessoas que tinham perdido membros do corpo, civis e soldados. Era um salão enorme. Um rapaz que tinha perdido os dois braços pediu para fumarmos um cigarro juntos", contou em 2015.

De volta ao Brasil, o ex-combatente recebeu a notícia do término da guerra em 8 de maio de 1945, sem nenhuma surpresa.

“Já era esperado. Quando ocorreu a invasão do sul da França, eu ainda estava na Itália. Eu vi uma corrente sem fim de aviões atravessando o céu na madrugada. Vi aquilo e pensei: É uma guerra perdida."

Quanto à Paul, no front russo, as  coisas não funcionaram dessa maneira.

"Depois disso, não voltou mais. A gente não sabe exatamente quando ele morreu", contou Gerd. "Ainda tenho as cartas dele."

O corpo de Paul nunca foi encontrado. A família só soube da morte depois da rendição do Japão. Há uma sepultura no cemitério dos Protestantes, em São Paulo, com seu nome.

Outros descendentes de alemães foram para a guerra como voluntários.  Filhos de franceses, britânicos e italianos, que à época da guerra, residiam no Brasil, motivados pelo chamado de Getúlio, também o fizeram.

Um primo de Gerd, o mesmo cujo a família o abrigara na Alemanha, serviu na Força Aérea alemã.

Em um artigo anterior, mencionei o Às Tupiniquim, Egon Albrecht Lemke, natural de Curitiba, Paraná, descendente de alemães e que se tornou um dos pilotos mais condecorados da Segunda Guerra Mundial. Mas o arquivo das guerras secretas dos brasileiros é vasto.

Muitos alunos da Deutsche Schule de São Paulo, a Escola Alemã – hoje Porto Seguro –, lutaram tanto para o Brasil como para Alemanha.

Dois deles, ao contrário de Egon Lemke, se tornaram aviadores da Força Aérea Brasileira na guerra na Itália – Roland Rittmeister, piloto do 1º Grupo de Caça, e Carlos Klotz,da 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação. Mas isso, meus bons, já é uma outra história.


M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de “Imperiais de Gran Abuelo” (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e “Bairro da Cripta” (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.


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