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Matérias / Guerras

Guerra do Paraguai: A terrível origem da guerra bacteriológica

Durante o conflito com o Paraguai, marchando em território inimigo, inóspito e desconhecido, quando a engenhosidade bélica adormeceu na fadiga, a monstruosidade dos soldados despertou enraivecida

M. R. Terci Publicado em 28/09/2019, às 08h00

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Reprodução
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Não há dúvida de que a Guerra do Paraguai (1864 – 1870) e Guerra Civil Americana (1861 – 1865), foram os mais sangrentos conflitos travados no continente americano.

Armas, táticas e estratégias de combate eram as mesmas. Apenas para exemplificar tanto norte-americanos, como sul-americanos, fizeram uso tático de balões tripulados para observar as linhas inimigas.

Igualmente, os exércitos envolvidos nos dois conflitos municiavam seus rifles de longo alcance com balas minié, uma espécie de projetil capaz de esmigalhar ossos e estraçalhar membros. Assim, em número absoluto de mortos, feridos e desaparecidos, incluindo civis, a Guerra do Paraguai e a Guerra Civil Americana se equiparam.

Mas o horror da guerra não estava na somatória de mortes.

Venham comigo, pelos caminhos mais escuros da história, descobrir o verdadeiro horror da guerra, aquele que sempre supera todas as expectativas: a terrível certeza de que tanto o armamento pesado quanto o individual do inimigo foram aprimorados para provocar maior número de baixas nas linhas adversárias.

Hórrida epifania decorrente do avanço da tecnologia bélica.

Leigh Van Valen, biólogo evolutivo norte-americano, propôs a chamada hipótese da Rainha Vermelha (alusão a Alice através do Espelho de Lewis Carroll), onde explica que por mais que um organismo evolua, desenvolva adaptações, ele irá permanecer no mesmo lugar, pois outros organismos que com ele se relacionam irão também desenvolver adaptações e assim de maneira contínua para que cada espécie consiga fazer frente às adaptações adquiridas pela outra.

Acredito que a indústria da guerra, muito tempo antes, já tivesse pleno domínio da hipótese da Rainha Vermelha, pois, já se apropriara dela para uso próprio. Cá estamos, então, sempre dispostos a decidir, de uma vez por todas, quem dará o último tiro. Presos a uma cadeia de eventos trágicos e contínuos, correndo o máximo possível, sem nunca sair do lugar, porque os horrores da guerra sempre haverão de se equivaler. 

Guerra do Paraguai / Crédito: Reprodução

Foi assim quando Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai abandonaram a diplomacia e decidiram a Questão do Prata na bala.

Há ainda muita controvérsia sobre a que nível desceu o gênero humano na Guerra do Paraguai. Sabe-se, contudo, o quanto os soldados imperiais de Dom Pedro II foram postos a prova.

De maneira que é fácil presumir que após seis longos anos marchando em território paraguaio, inóspito, muito desfavorável e desconhecido, chafurdando em pântanos empesteados de mosquitos, sujeitos às constantes inundações, submetidos a todo tipo de provações, doenças, fome e vendo companheiros de longa data morrer no campo de batalha, os ânimos dos soldados da Tríplice Aliança estivessem um tanto quanto abespinhados.

Sabemos, pois, que quando a engenhosidade humana adormece na fadiga, a monstruosidade desperta enraivecida.

Cartas enviadas pelos comandantes brasileiros ao Imperador Dom Pedro II, hoje em uma biblioteca na Argentina, sugerem que os exércitos do Brasil e da Argentina atiravam cadáveres de soldados mortos pela cólera em rios para contaminar as populações ribeirinhas e em poços de maneira a infectar o suprimento de água do inimigo, fato este que inaugura, a nível mundial, aquilo que na época contemporânea conhecemos como guerra bacteriológica.

Tal hipótese foi aventada pela primeira vez em 1979, com a publicação do livro Genocídio Americano – A Guerra do Paraguai, brilhantemente penejado pelo jornalista Júlio José Chiavenatto e até hoje coleciona opositores entre historiadores, escritores e os próprios militares brasileiros, que não gostam de ter sua imagem associada a crimes de guerra.

Muito embora, não haja como comprovar a origem dos documentos a que Chiavenatto se refere, não seria a primeira vez que, na defesa de seus interesses, o brasileiro faz uso de expedientes escusos. O vírus da varíola e do sarampo já foi utilizado como arma biológica para exterminar índios no Brasil, muito antes da Guerra do Paraguai.

Existem três casos documentados que demonstram que o contato dos índios com as doenças dos brancos ocorreu de forma proposital, com o objetivo deliberado de dizimar comunidades hostis.

Em Caxias, no sul do Maranhão, por volta de 1816, quando criadores de gado presentearam um grupo de 50 índios com roupas de moradores da vila que haviam contraído varíola. A epidemia mortal se alastrou tão depressa pelo sertão que atingiu aldeias a 1800 quilómetros de Caxias.

Auguste de Saint-Hilaire, renomado naturalista francês que viajou pelo Brasil entre 1816 e 1822, denunciou na Europa as atrocidades da guerra bacteriológica contra os índios botocudos, no vale do Rio Doce.

Após 1839, no decorrer da colonização de Santa Catarina e do Paraná, os imigrantes alemães se valeram da varíola e do sarampo para se livrarem dos Xokleng e Kaiangang, espalhando roupas contaminadas pelas matas.

No século 16, quando o conquistador europeu alcançou os territórios latino-americanos, ele trouxe consigo novas doenças que dizimaram as populações nativas. Isso ocorreu de forma casual, mas em diversas ocasiões, como no contato entre espanhóis e astecas, também foi intencional e terrivelmente monstruoso.

Até esse ponto, contudo, não se tratava de estratégia em campo de batalha.

A guerra biológica ou bacteriológica, como a conhecemos e repudiamos, pode muito bem ter nacionalidade verde e amarela. Assumir a paternidade é que são elas. Há um proverbio português que diz o seguinte: Filho feio não tem pai.