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Matérias / Civilizações

Guerreiros a cavalo: os nômades das Grandes Estepes

Por mais de 3 mil anos, esses guerreiros atormentaram as maiores civilizações, das gregas às chinesas

Tiago Cordeiro Publicado em 18/10/2019, às 12h27

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Existe um imenso corredor ligando a Europa ao Extremo Oriente. É uma linha reta com cerca de 8 mil quilômetros de extensão, que vai da Hungria à Manchúria. Seus moradores fundaram a Rota da Seda, forçaram os chineses a construir sua grande muralha e ameaçaram, ao longo de três milênios, as maiores civilizações da Europa, da Ásia e do Oriente Médio.

O longo caminho é formado pelas chamadas Grandes Estepes, um território inóspito para a agricultura e inadequado para o desenvolvimento de grandes centros urbanos,
mas perfeito para a formação de vastas redes de rotas comerciais e militares.

E foi nestas terras que se desenvolveu a maior máquina militar conhecida pela humanidade dos séculos 16 a.C. até 16 d.C.: a carruagem transportada por cavalos e habitada por arqueiros, que não só permitiu destruir civilizações inteiras como também ajudou a transportar bens, invenções e idiomas entre elas. Foi lá também que surgiram alguns dos maiores conquistadores da história, de Átila, o Huno, a Gengis Khan.

De acordo com o arqueólogo britânico Barry Cunliffe, autor do livro By Steppe, Desert, and Ocean: The Birth of Eurasia, as estepes formaram a avenida que possibilitou o desenvolvimento da Eurásia. “E também a ascensão e a queda de dezenas de civilizações”, resume.

Grama e espaço 

Uma característica forte das estepes definiu o tipo de ocupação humana que ali habita até hoje. O fato de serem terras planas, cobertas por grama, mas sem capacidade de suportar florestas ou plantações vastas, favoreceu o estabelecimento de tribos nômades. E vivendo em acampamentos, sempre em locomoção, mantendo pequenas cidades apenas como entrepostos comerciais, os habitantes viram no cavalo um parceiro fundamental.

Não se sabe ao certo quem domesticou o animal primeiro. Mas é fato que foi nas estepes que os cavalos se desenvolveram – há 4 mil anos, eles tinham o tamanho de pôneis e eram utilizados para transportar cargas pequenas. No entanto, a seleção humana favoreceu a disseminação de animais muito maiores e mais robustos. Na Índia de 1.500 a.C., por exemplo, já havia invasão de tropas sobre carroças e, no século seguinte, os chineses, inspirados pelos povos que os atacavam pelo norte, já investiam em carruagens leves.

Por volta do século 2 a.C., os povos das estepes já suportavam correr usando armaduras e carruagens com dois ou três homens – protegidos com peças metálicas. Os cavalos também eram utilizados como montaria para um único guerreiro. Neste caso, a sinergia entre homem e animal impressionava suas vítimas.

Os hunos, por exemplo, costumavam até mesmo dormir sobre os lombos de suas montarias. Civilizações urbanizadas, principalmente no norte da África e no Oriente Médio, também utilizavam cavalos. Mas criá-los era muito mais difícil: na falta de pasto, era preciso plantar para alimentá-los e, em épocas de crises de abastecimento, tinham de escolher entre dar comida aos animais ou às pessoas.

Muros de proteção 

Nas grandes estepes não surgiram grandes metrópoles nem centros de difusão artística ou de produção arquitetônica. Com raras exceções, não era um espaço de inovação nem de desenvolvimento industrial. Organizadas em tribos, as comunidades se aproximavam e se afastavam entre si, na medida em que surgiam líderes capazes de agregar diferentes grupos. Porém, embora não tenham produzido grandes invenções (a não ser as carruagens armadas movidas por cavalos bem adaptados), os moradores dessa região foram respeitados – e temidos.

Os gregos antigos conheciam os citas, que, segundo a descrição do historiador Heródoto, eram os povos bárbaros (ou seja, os não gregos) que, derrotados ao norte da China, migraram na direção da Europa e dominavam a estepe pôntico-cáspia, cuja região corresponde à faixa de terra que vai do Mar Negro até a Ucrânia e o Cazaquistão.

Aliás, há dois anos, uma pesquisa americana, conduzida pela Escola Médica da Universidade Harvard, tendo como base o DNA de ossadas encontradas na Grécia continental, em Creta e na atual Turquia, sugeriu que os gregos compartilham código genético com os povos das estepes. Sinal de que os chamados bárbaros invadiram as ilhas gregas e influenciaram a formação do povo.

Também vale ressaltar que os citas foram um dos primeiros agrupamentos humanos a lutar sobre os lombos dos cavalos com maestria, no século 9 a.C. E, assim, dispensavam a necessidade das carruagens, que podiam ser menos úteis em trechos muito úmidos ou irregulares.

Até serem derrotados e substituídos pelos sármatas, no século 3, os citas ficaram conhecidos por suas incursões rápidas e destruidoras ao Oriente Médio e às atuais Índia e China. Seus hábitos eram tão ligados à montaria que a pecuária na região se aproveitava de poucas vacas e porcos – era principalmente dos cavalos que vinha, além do transporte, o leite e a carne que compunham a base da alimentação.

No extremo leste das estepes, na mesma época, o grupo nômade mais conhecido pela eficácia dos ataques ficou conhecido como xiongnu. Trata-se de um agrupamento de tribos, que ocupou toda a atual Mongólia e parte dos territórios vizinhos. Os mais incomodados eram os chineses, ao sul, que, depois de quatro séculos de conflitos, encontraram uma forma de barrar o avanço dos cavalos e das carruagens: construir muros de terra, que dariam origem, posteriormente, à Grande Muralha da China.

Estratégias de ocupação

Se as condições de vida das estepes favoreciam o estilo nômade e os saques rápidos, por outro lado, os povos nativos dessas regiões encontravam dificuldades em se fixar nos locais que atacavam, onde seria necessário adaptar o modo de vida para uma rotina sedentária, com maior estratificação social e maneiras de plantar e fabricar totalmente diferentes do que já estavam acostumados.

Esse ajuste se mostrou impossível. Alguns povos se tornaram sedentários e abandonaram as características originais. Outros simplesmente tratavam de saquear e destruir tudo o que podiam para, depois, voltar para casa – foi assim no ano 612 a.C., quando Nínive (até então, a poderosa capital da civilização assíria) foi devastada por um agrupamento de guerreiros citas, que depois foram embora e deixaram egípcios, medos e babilônios disputando o espólio.

Os persas também sofreram nas mãos dos guerreiros nômades: Ciro, o Grande, o fundador do império, morreu em 530 a.C. durante uma expedição que tinha por objetivo punir os masságetas, habitantes da região do Mar Cáspio que, com frequência, atacavam a Pérsia. Havia ainda alguns poucos grupos que encontraram uma terceira alternativa: manter as terras derrotadas como Estados vassalos, pagando impostos e devendo obediência. Foi essa a estratégia adotada pelos hunos do século 5 e dos mongóis do século 13.

Em geral, as cidades que se comprometiam a pagar tributos e descumpriam a promessa ou se rebelavam quando as forças de ocupação eram reduzidas ou acabavam sendo massacradas. Que o digam, por exemplo, as vítimas de Tamerlão (ou Timur), o imperador mongol que fundou o último grande território das Grandes Estepes.

Nascido no século 14, ele ficou conhecido como “o manco” ou “o coxo” porque, na juventude, enquanto roubava ovelhas, foi atingido por duas flechas, perdendo os movimentos do braço e da perna direitos. Seu império começou depois que ele matou o cunhado e antigo aliado, Amir Husayn – com quem havia derrotado o governador de uma região da Ásia Central conhecida como Transoxiana.

Tamerlão ocupou a Pérsia, o atual Iraque, e a velha cidade de Déli, na Índia, onde roubou para si dezenas de elefantes. Para os povos que não se rendiam, o líder mongol dedicava castigos cruéis, desde a crucificação até a prática de cimentar os derrotados em paredes, pela cintura, ainda vivos. Quem não morria virava escravo.

Átila e Gengis

Tamerlão é um dos mais importantes conquistadores vindo das Grandes Estepes, assim como Bumin Qaghan, 800 anos antes dele. Mas a região ficou mesmo conhecida é por ter sido o berço de Átila, o Huno, e Gengis Khan. E a fama dos dois é fácil justificar. Como acontece com muita frequência entre os povos das grandes estepes, é difícil diferenciar os hunos de outras etnias que habitavam a região na mesma época. Os nomes dados para as tribos faziam mais referência ao agrupamento político do que ao pertencimento a um grupo original comum.

Os hunos surgiram na Ásia Central e tinham feições orientais e baixa estatura, o que facilitava a relação com os cavalos. Como outros grupos, os hunos migraram para a Europa no século 5. Mas poucos chegaram ao lugar onde Átila os levou: para a Gália (atual região francesa). No caminho, derrotaram diferentes povos bárbaros, como os góticos e sármatas, cujas etnias foram incorporadas às forças militares, em condições de igualdade.

Os arqueiros montados sobre cavalos promoviam massacres tão assustadores que Átila ficou conhecido, entre os romanos cristianizados, como o “flagelo de Deus”. Na verdade, o líder assumiu o poder já durante o esforço de ocupação da Europa, mas foi sob seu comando que os hunos realizaram suas ações mais ousadas. “Átila era arrogante, destemido e brilhante. Um chefe tribal analfabeto e predatório que não tinha interesse em administração, mas era um político hábil que, a partir de sua base na Hungria, usou secretários e embaixadores para trazer informações sobre seus inimigos”, conta o historiador britânico John Man, no livro Átila, o Huno, o Rei Bárbaro Que Desafiou Roma.

Depois que os romanos deixaram de pagar os impostos anuais combinados para evitar invasões, Átila tentou atacar Constantinopla e tomou territórios na França, até ser derrotado pelo general romano Flávio Aécio. Em retirada, seus homens avançaram sobre o norte da Itália, mas precisavam recuar mais uma vez. Átila morreu em 453, talvez por hemorragia interna, talvez vítima de assassinato por sua esposa, Íldico.

Após sua morte, os germânicos tomaram o espaço dos hunos e acabaram se diluindo entre os povos da região central da Europa. Já o grande Gengis Khan nasceu muito depois, em 1162, dentro de uma tribo mongol de pouca expressão. Para chegar ao poder, precisou encarar dez anos de exílio na China, antes de retornar e atacar o chefe do conglomerado de tribos, Jamuka. Alguns anos depois, os mongóis controlavam um território que partia da Ucrânia e seguia até a Manchúria, passando por parte expressiva do atual território da Rússia, além de receber impostos de países vizinhos que não queriam ser incomodados.

Assim como Átila, o grande mérito de Gengis Khan foi unificar tribos e estabelecer uma hierarquia baseada no desempenho militar, sem fazer questão nem mesmo de que os novos aliados mudassem de religião – entre os generais de Khan havia budistas, muçulmanos e cristãos, sem discriminação. Já para os inimigos, o massacre era impiedoso.

A cidade chinesa de Zhongdu, por exemplo, que tinha 1 milhão de habitantes e que posteriormente ficaria conhecida como Pequim, era fortemente murada, mas foi derrubada até o chão em 1215. Tudo porque seus moradores, que no ano anterior haviam sido cercados e concordado a pagar tributos em troca de paz, decidiram reagir.

Os muros não foram suficientes para resistir aos homens extremamente disciplinados, organizados em grupos de cem, que formavam unidades de mil e que, por sua vez, compunham massas compactas de dez unidades. Usando armaduras feitas de couro de cavalo curtido, os mongóis pareciam ter uma energia inesgotável – e muito maior que a de outros guerreiros, como compara o antropólogo americano Jack Weatherford, autor do livro Gengis Khan e a Formação do Mundo Moderno. "O império mongol subjugou mais terras e povos em 25 anos do que os romanos em 400”, diz.

Decadência militar 

Khan morreu em 1227. E seus filhos deram continuidade ao império mongol por mais algumas décadas, chegando a tomar partes do Japão, da Coreia e da Ilha de Java. Os desentendimentos entre os descendentes posteriores, porém, provocaram o colapso do grande império.

E depois de um último esforço de retomada, lançado por Tamerlão, os mongóis nunca mais recuperariam o antigo poder. No século 16, enquanto a Europa descobria as Américas e novas técnicas militares, em especial a pólvora, reduziam a importância estratégica dos cavalos – maiores do que homens, eles eram alvos fáceis para os tiros. E após 3.200 anos aterrorizando as maiores civilizações construídas nas bordas das estepes, os povos da Europa e da Ásia Central perderam fôlego militar.

Enfraquecidos, assistiram ao desenvolvimento de nações fortes e extensas, como a Rússia e a China. A Mongólia atual, por exemplo, tem apenas 3 milhões de habitantes, o equivalente à população de Brasília, para uma área 1,5 milhão de quilômetros quadrados, semelhante ao estado do Amazonas.

Contudo, as Grandes Estepes ainda são estratégicas. Em seu esforço de reconstruir a Rota da Seda, a China vem investindo em ferrovias, rodovias e estações de transmissão de gás e energia elétrica que, para chegar à Europa, passam pela região. As novas conexões de infraestrutura entre os chineses e os russos também dependem de acordos com os proprietários das terras planas, cobertas por gramas e conhecidas pelo tempo seco e temperaturas agressivas.

Em outras palavras, para dialogar, a Europa e a Ásia ainda dependem das Grandes Estepes. A pouca influência política e militar dessa região, no entanto, persiste. Restando apenas as lendas sobre os grandes e cruéis conquistadores, montados nos lombos de cavalos bem adestrados e numa época em que não havia sequer um rival à altura.


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Átila: O fim do mundo virá do leste, William Nappier, 2009 - https://amzn.to/2J22cEA

Os inimigos de Roma: De Aníbal a Átila, o Huno, Philip Matyszak, 2013 - https://amzn.to/2MuirMW

Gêngis Khan, Eduardo Almeida de Araujo, 2018 - https://amzn.to/33A4zX4

Breve História de Gengis Khan, Borja Pelegero Alcaide, 2012 - https://amzn.to/2MTKsMB

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