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Matérias / Segunda Guerra Mundial

Haavara: Pacto assinado com nazistas salvou inúmeros judeus antes da 2ª Guerra

Conversamos com o historiador Edwin Black sobre o tratado, alvo de debate mesmo após 77 anos do fim do conflito

Pamela Malva e Fabio Previdelli Publicado em 20/03/2022, às 00h00

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Judeus na rampa de seleção em Auschwitz, maio de 1944 - Ernst Hofmann oder Bernhard Walte via Wikimedia Commons
Judeus na rampa de seleção em Auschwitz, maio de 1944 - Ernst Hofmann oder Bernhard Walte via Wikimedia Commons

Durante a Segunda Guerra Mundial, cerca de 6 milhões de judeus foram vítimas da Solução Final de Adolf Hitler, segundo dados do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos (USHMM). Entretanto, mesmo após 77 anos da libertação de Auschwitz, um dos maiores campos de concentração criados pelos nazistas, fatos sobre o Holocausto seguem sendo pouco explorados pelos historiadores. 

Um deles é esmiuçado pelo historiador e jornalista investigativo Edwin Black: o pacto entre judeus e nazistas feito pouco depois de Hitler chegar ao poder. Em ‘Haavara: O Acordo de Transferência’ (publicado pela Idea Editora), Black narra como foi o acordo firmado entre líderes do movimento sionista e a alta cúpula do Terceiro Reich. 

Concluída em 7 de agosto de 1933, o Tratado de Haavara permitiu que cerca de 60 mil judeus e mais de 1 bilhão e 500 milhões de dólares (em valores atuais) fossem transferidos para a Palestina Judaica. 

Capa da obra "Haavara - O Acordo de Transferência"/ Crédito: Divulgação/ Idea Editora

Em troca, os sionistas cessariam o boicote econômico mundial antinazista que ameaçava derrubar o regime de Hitler em seu primeiro ano. No final, o tratado salvou vidas, resgatou bens e foi a base para a criação da infraestrutura do que viria a ser o Estado de Israel. 

“Durante o meio século do meu trabalho, eu me devotei para os fatos conhecidos, os pouco conhecidos e os desconhecidos. E eu nunca fiquei satisfeito com descobrir o que aconteceu, sem descobrir o que fez alguma coisa acontecer ou o que permitiu que ela acontecesse”, diz Edwin em entrevista exclusiva ao site do Aventuras na História sobre o que lhe motivou a pesquisar sobre o assunto.

Nascido nos Estados Unidos, Black, que é judeu, conta que começou a pesquisar sobre o assunto no final da década de 1970, quando as pessoas ainda estavam tentando entender o que o mundo havia passado. 

A vitimização era um assunto recorrente entre os judeus enquanto crescíamos. Nós fomos vitimizados. Mas eu sabia que alguns judeus reagiram, lutaram de volta, meus pais lutaram de volta e eu aprendi, através de fontes cobrindo uma grande marcha neonazista, que existiram tentativas de resgatar judeus”, explica. 

O historiador conta que durante séculos, os judeus sempre tiveram que encontrar formas de escaparem, de garantirem suas vidas e guardarem um pouco de suas propriedades. “Eu descobri esse rumor de um acordo de transferência enquanto existiam muitas histórias de heróis, um diplomata, um fazendeiro ou um trabalhador de fábrica salvando 300, 500, milhares, mas não existia nada como isso que poderia ter salvado um milhão de judeus”. 

Mas quem, de fato, foi responsável por assinar o Tratado de Haavara? 

Edwin Black aponta que não existem evidências das pessoas exatas envolvidas nessa negociação. “Estamos falando de faces desconhecidas entre os nazistas e a liderança da organização sionista. Então, até esse momento, o movimento sionista foi liderado pelos judeus nos governos da Europa e dos Estados Unidos e, claro, governado pela Sociedade das Nações [também conhecida como Liga das Nações]. A organização sionista foi inicialmente chamada para o mandado palestino”.

Ao certo, aponta o pesquisador, o acordo não foi firmado pelos líderes nazistas. “Eles eram burocratas desconhecidos do Ministério da Economia, mas tinham o controle de domínios econômicos específicos. Eles tinham a habilidade de manejar moedas internacionais, porque, sem as libras esterlinas, os judeus não poderiam entrar na Palestina”. Black aponta que da outra parte desse acordo, os judeus do mais alto nível estavam entre os negociadores, porque, é claro, “eles estavam negociando por sua vida”. 

Já sobre a relação entre os dois grupos, ele diz que os judeus, em todos os momentos, não poderiam olhar para os nazistas nos olhos; não podiam respondê-los; não poderiam questioná-los. “Quando eles iam até os conselhos judaicos nos guetos, os nazistas afirmavam ‘precisamos de 40 pessoas em 3 horas’ e, se um judeu afirmava que não conseguia juntar essas pessoas, eles o matavam e se viravam para o próximo judeu”.

O historiador Edwin Black/ Crédito: Divulgação

O autor explica que os grupos sempre recebia ordens de onde poderiam ou não estar, quais trabalhos deveriam fazer, quais campos de concentração deveriam ir. “Esses judeus, que participaram do acordo, tiveram a extrema coragem de olhar os nazistas nos olhos e estabelecer em um acordo burocrático com eles, em uma situação parecida com um negócio formal, de maneira que impressionou os nazistas como nunca fora feito antes”. 

Esse fator é tido por Edwin como modificante em sua forma de enxergar a história. “Contar a história desses judeus bravos, desses sionistas que tiveram a integridade e coragem de conversar cara a cara com os nazistas e negociar. Lembre-se: os judeus não tinham um exército. O mundo todo tinha acordos com os nazistas. As empresas norte-americanas tinham acordos gigantes com os nazistas: Ford, IBM, General Motors, Rockfeller e o próprio governo”. 

Mesmo que existissem sanções, ainda existiam os bastidores. E, nos bastidores, empresas norte-americanas e britânicas queriam o óleo, queriam tolerar, ou trabalhar com, ou lucrar com os nazistas”, completa. 

Ele ainda pontua que esses acordos não foram feitos com assinaturas, mas sim com cartas trocadas, uma espécie de circular. “Era uma declaração pública nas gazetas, que se tornou um decreto”.

Quem foi o maior beneficiado com o acordo?

Embora muito criticado e ainda polêmico, o acordo de Haavara foi importante tanto para judeus quanto para nazistas. Afinal, por um lado, com o dinheiro dos judeus, os nazistas conseguiram se manter fortes; por outro lado, os judeus, que já eram há tempos perseguidos, conseguiram escapar de uma dizimação que poderia ser ainda maior. 

“Em todos os casos onde os judeus escaparam, eles se beneficiaram com suas vidas. Se eles puderam carregar algumas malas com eles, eles se beneficiaram ao conseguir levar suas vidas consigo e se estabelecerem novamente. O opressor se beneficiou do roubo, do falso triunfo da acusação”, explica o pesquisador. 

Edwin afirma que o tratado foi benéfico para os sionistas pois eles ganharam o direito de viver, mesmo que com apenas uma molécula de suas posses, algo equivalente a mil libras esterlinas. 

Entrada do campo de concentração de Auschwitz/ Crédito: Getty Images

“E eles apenas ganharam isso porque a forma de expulsar os judeus para a Palestina — porque ninguém mais os aceitaria — era através de obrigações britânicas de que, ao contrário dos muçulmanos, ou dos cristãos, que entravam na Palestina sem pagar nada, os judeus tinham uma taxa de mil libras esterlinas ao entrar”, revela. 

Black diz que, já que ninguém aceitaria os judeus, conforme o mundo era dividido entre os países que os judeus poderiam ou não poderiam ficar, eles ficavam com essas mil libras em troca de abrir mão de tudo o que eles tinham, de tudo que suas famílias tinham. “Provavelmente, quando terminavam sua viagem, eles coletavam cerca de 200 ou 500 dólares para que pudessem reiniciar suas vidas”. 

Havia 16 mil deles, mas poderia ter um milhão. Então o acordo realmente não é medido pela palavra ‘benefício’, ele é medido pelas métricas da sobrevivência. Claro que, quando os alemães expulsaram os judeus, eles capturaram sua propriedade, redistribuíram suas posições, o que era um objetivo do regime nazista”, completa. 

Entre o revisionismo, o negacionismo e a intolerância

Por fim, Edwin Black defende que o estudo do Holocausto e de todos os horrores cometidos durante a Segunda Guerra Mundial tenham que continuar fazendo parte do nosso cotidiano.

“Para que o ódio prospere, ele requer o vácuo da ignorância e preenche esse espaço com falsidades. É por isso que estamos conversando, porque estamos tentando preencher o vácuo da ignorância com conhecimento. Agora, a história enfrenta um problema: seu próprio legado”.

Em sua visão, os judeus lutam para manter o legado do Holocausto vivo não porque queremos sentir pena de si mesmos, mas porque é óbvio que algo parecido não deve acontecer nunca mais. 

“Lembre-se: foram 12 anos de extermínio e genocídio dos judeus na luz do dia, fatos que cruzaram fronteiras internacionais e os oceanos do mundo. E isso pode acontecer com outras pessoas e, mesmo que digamos que nunca irá acontecer de novo, acaba sendo só questão de tempo”, alerta.

Porque já vimos isso outras vezes, ninguém sabe o que pode acontecer com os ucranianos, eu vi isso acontecendo na Namíbia. Nós queremos que o mundo não repita o que aconteceu no Holocausto. Conforme o tempo passa, o Holocausto que me abalou, não está abalando meus netos da mesma forma”, ressalta Black

Um ponto que corrobora com isso é o aumento de grupos extremistas ao redor do mundo, que são impulsionados com o avanço das redes sociais.

“Acredito que os extremistas e os grupos de ódio não têm recebido rifles, acredito que eles tenham recebido F35 e armas nucleares. E, agora, precisamos confrontar a realidade da ameaça. E tem apenas uma arma que podemos usar, e essa arma é o conhecimento, é a documentação”. 

Prisioneiros no campo de concentração de Buchenwald/ Crédito: USHMM via Wikimedia Commons

Edwin Black diz que a negação do Holocausto não é sobre descobrir um fato escondido, como placas tectônicas ou então decidir se Plutão é ou não um planeta. “A negação do Holocausto e as informações falsas são usadas especificamente como armas contra os judeus”.

“Você pode usar isso como um material extra para alguma outra coisa. O que estamos vendo agora, é uma completa repetição da Segunda Guerra Mundial. Temos um poder asiático e um poder europeu tentando dividir o mundo por propósitos fascistas. E tudo que eu estou vendo hoje, que, pelo tanto que eu conheço sobre o julgamento de pessoas na Europa, pelas muitas décadas nas quais estudei isso, eu estou verdadeiramente chocado, por ver essa situação se desdobrando bem aqui, no século 21. E isso é o nosso desafio: fazer as pessoas menos confortáveis e mais conhecedoras. E se elas estiverem menos confortáveis, elas talvez possam fazer uma curva para longe de seus próprios destinos obscuros”, conclui.


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