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Matérias / Egito Antigo

Akhenaton: O meu deus é o sol

Nos 17 anos em que ficou no poder, o faraó impôs o culto a um deus único, banindo a religião tradicional egípcia. O país viveu uma verdadeira guerra civil religiosa

Maria Carolina Cristianini Publicado em 11/09/2019, às 08h00

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O deus Sol - Reprodução
O deus Sol - Reprodução

O reinado de Amenhotep IV estava no quinto ano quando tudo aconteceu. O faraó alterou o próprio nome para Akhenaton, “a glória de Aton”, o deus Sol. A capital, até então Tebas, partiu de mudança para um ponto a 300 quilômetros de distância, nunca habitado, e que o todo-poderoso egípcio chamou de Akhetaton, “horizonte de Aton” – hoje Tell El-Amarna.

Aton (ou aten) quer dizer disco em egípcio antigo. Era como se referiam ao Sol, o “disco do dia”. Esse era um dos aspectos de Rá, o deus do Sol, que então era tido como sinônimo de Hórus, deus dos céus.

O faraó ordenava o abandono de um panteão de 2 mil deuses e o culto a outra forma de Rá, Amon-Rá, para se dedicar exclusivamente a Hórus-Rá-Aton (ou só Aton, para simplificar). E também o culto ao próprio Akhenaton, representante da divindade na Terra. A forma do Sol e de seus raios tomou o lugar do homem com cabeça de falcão.

O deus Sol / Crédito: Wikimedia Commons 

A novidade só foi até a morte do faraó, em 1336 a.C. Mas foi suficiente para abalar seriamente o Egito. A ascensão de Amenhotep IV ao trono se deu com a morte do pai, Amenhotep III, em 1353 a.C. – embora não haja total concordância nas pesquisas, o Ministério de Antiguidades egípcio chegou a afirmar, em 2014, que há evidências suficientes de que pai e filho governaram juntos por, ao menos, oito anos. A era de paz e prosperidade, mantida por Amenhotep III dentro da 18ª Dinastia egípcia virou de cabeça para baixo quatro anos depois.

Pela primeira vez na História, o Egito se via cultuando um deus único. “O faraó oferecia aos seus súditos a crença na adoração ao disco solar, fonte única da vida, gerador de toda a humanidade, o qual se recriava todos os dias e negava o caos, a escuridão, a morte, assim como todo o rico e tradicional panteão politeísta”, diz Gisela Chapot, mestre em história social, com ênfase em egiptologia, pela UFF, em seu artigo Akhenaton e a construção de uma cosmologia positiva durante a Reforma de Amarna (1353-1335 a.C.).

A origem do panteão antropomórfico egípcio remonta à Pré-História, época em que tribos locais cultuavam deuses e animais.

Quando tudo mudou, o recado de Akhenaton foi apenas o seguinte: “Ninguém, nem mesmo minha esposa, me fará mudar de ideia”. Apesar de o faraó ter duas mulheres, é certo que ele estaria falando da principal delas, Nefertiti.

Obsessão única

O papel de Nefertiti no novo formato religioso é considerado fundamental. Ela só passa a ser conhecida nos registros da época após seu casamento com o então Amenhotep IV, quando tinha 14 anos. Imagens da rainha nas paredes dos templos, que resistiram ao tempo e estão no sítio de Amarna, não deixam a importância de Nefertiti de lado.

Com o passar dos anos, e a evolução do governo de seu marido, ela ganha estatura nas representações e chega a alcançar o mesmo tamanho do faraó. Um sinal de status para a mãe das seis filhas de Akhenaton.

Nefertiti / Crédito: Wikimedia Commons 

A arquitetura do período também demonstra um desejo de romper com o passado. Os templos, antes fechados e com pouquíssima entrada de luz, dão lugar, na nova capital, a locais com muito espaço ao ar livre e contato com a luz solar. Mudanças também estão claras na arte que resistiu e permanece no sítio de Amarna, com representações cheias de detalhes da vida da família real, com direito a demonstrações de carinho entre Akhenaton, Nefertiti e suas seis filhas.

A arte egípcia, antes bem mais monumental, ganhou tons mais vivos durante o reinado do faraó. “Inscrições da época de Akhenaton indicam que o próprio rei instruiu seus artistas e artesãos cuidadosamente nos efeitos que ele queria alcançar. No caso do estilo de Amarna, os efeitos são tão distintos que é altamente provável que eles tenham emergido de uma fonte profundamente neurótica, mas poderosa”, afirma o egiptólogo Michael Rice, autor de Egypt’s Legacy (O Legado do Egito).

Os indícios de que o faraó via a religião egípcia de forma diferente vieram antes da mudança de nome e de capital. Ainda sob o nome de Amenhotep IV, os primeiros anos de seu governo viram templos para Aton serem erguidos na cidade de Karnak, lugar de adoração a Amon- Rá.

Levou três anos, a partir do início da construção, em 1348 a.C., para que a nova capital ficasse pronta, rompendo de vez a relação do faraó, e a do povo egípcio, como ele esperava, com os outros deuses.

O carisma e a empatia de Nefertiti com a população ajudaram em parte nessa mudança – apesar de a transformação ter sido combatida pelos sacerdotes. No lugar da figura com corpo humano e cabeça de falcão que representava Rá-Hórus-Aton, surgiram imagens do casal real, elevando o próprio Akhenaton à posição de deus, recebendo emanações sagradas do disco solar.

O rei era o único a ter acesso ao campo divino, o que fez com que os cultos passassem a acontecer para a família do faraó – também a única a conhecer, de fato, o deus Aton.

O casal com as filhas / Crédito: Wikimedia Commons 

Se o poder antes estava concentrado nas mãos dos sacerdotes, que cultuavam Amon-Rá como principal deus, as mudanças impostas por Akhenaton transferiram toda essa força para o casal real.

O que não agradou em nada os sacerdotes e a nobreza, chegando enfim ao povo em geral. Afinal, era preciso dinheiro para a construção de uma cidade a partir do nada. E os recursos vieram do aumento de impostos e de preços naquilo que era consumido por todos.

Para piorar a insatisfação geral, Akhenaton parecia não se importar muito com guerras e com a política. Tanto que, enquanto esteve no poder, as vitórias antes obtidas pelo exército egípcio deram lugar à perda de territórios na Ásia para os hititas (povo que governava a região da atual Turquia e que tentava uma expansão para o sul, ameaçando regiões da Síria que estavam sob a influência egípcia), o que trazia consequências como menos coleta de impostos e de ouro.

As reações do faraó perante o cenário não davam sinais de retrocesso em suas decisões. No lugar disso, ele ordenou a intensificação da perseguição religiosa – era uma ilusão pensar que, por decreto, todo culto aos outros deuses seria extinto – e mandou mensageiros a Tebas e a Mênfis para destruir qualquer menção que encontrassem a divindades que não fossem Aton, especialmente as feitas a Amon-Rá.

Ao mesmo tempo, sua imagem só piorava: como se recusava a sair da nova capital, passou a ser visto como uma figura fraca, que deixava o Egito vulnerável.

“Essa negligência fica especialmente clara no caso das relações exteriores do Egito. Akhenaton simplesmente deixou de dar atenção às guarnições militares egípcias e aos reis vassalos do país na Palestina e na Síria”, diz Rice.

Uma ideia melhor de qual era a situação naquele momento pode ser vista em tábuas de argila encontradas no sítio em Amarna. Uma delas, enviada pelo governante de um país vizinho aliado do faraó, pede tropas para manter os hititas sob controle: “Já pedi, mas não fui respondido. Não me enviaram a ajuda de que preciso”.

O território acabou caindo nas mãos inimigas. Para Akhenaton, era mais importante que o exército se mantivesse nas missões de expurgo dos velhos deuses.

Legado apagado

Nada mudou até 1336 a.C., quando o faraó morreu. Ele tinha por volta de 34 anos e, embora haja especulações sobre um possível assassinato para pôr fim à situação que ele tinha provocado, tudo indica que as causas do óbito foram naturais – na época, a média de vida local, mesmo para os mais privilegiados, era de 35 anos. Sua sucessão, ainda hoje, é assunto controverso.

Akhenaton / Crédito: Wikimedia Commons 

Inscrições em pedras achadas durante escavações do século 19, em Amarna, falam que o Egito passou a ser governado por um (ou uma) faraó. Seu nome: Neferneferuaton, chamada também de Akhetenhyes, “aquela que é benéfica ao marido”.

“Esse epíteto sugere que ela reinou ao lado do marido”, diz James Karl Hoffmeier, professor de história antiga do Oriente em seu livro Akhenaten and the Origins of Monotheism (Akhenaton e as Origens do Monoteísmo). E teria continuado no posto ao ficar viúva. Evidência que ganha mais elementos com imagens da rainha usando coroas e bastões, itens típicos de faraós.

O que vai contra essa possibilidade é o fato de que, seja lá quem tenha sucedido Akhenaton, o novo governante anulou todas as mudanças promovidas por ele. O culto a Aton foi extinto e a religião, na forma como existia antes, retomada. O que faria Nefertiti abandonar a convicção que manteve por tanto tempo?

Há hipóteses. Entre elas, a crise em que o Egito se encontrava no momento da morte do imperador. Seu falecimento pode ter sido o que faltava para uma revolta contra a situação. E a melhor forma encontrada para acalmar os ânimos foi o retorno do culto a Amon-Rá e ao panteão de deuses. Sinal de que Nefertiti possuía total ideia da importância da religião na política do país. Mas as rédeas ficaram por pouco tempo nas mãos da rainha.

O herdeiro 

Nefertiti morreu, por razões ainda desconhecidas, apenas três anos depois de assumir o poder (se assumiu mesmo). Foi aí que a figura do jovem Tutancâmon surgiu, aos cerca de 9 ou 10 anos, para se tornar faraó. Ele foi um provável filho de Akhenaton. Embora as representações oficiais mostrem o faraó com Nefertiti e seis filhas – nunca há um menino –, registros dizem que Tutancâmon era “filho do rei” e que ele teria nascido no meio do governo de Akhenaton, impossibilitando a ideia de que fosse seu irmão mais novo.

Também há indícios de que a esposa secundária do faraó, chamada Kiya, teve um menino. Poderia ser ela a mãe. O fato é que Tutancâmon se tornou o herdeiro da 18ª Dinastia e ainda se casou com Ankhesepaton, uma das filhas mais novas de seu suposto pai. Era a garantia de seu direito ao posto de faraó. Ele foi coroado em Tebas, e não na capital criada pelo pai.

Apesar de ele e a esposa terem voltado para Akhenaton, a estadia durou cerca de dois anos, quando o casal se mudou de vez para a antiga capital e passou a ser conhecido como Tutancâmon e Ankhesenamon – a incorporação do nome do deus Amon já era um sinal de retorno ao culto anterior.

Os tempos que antecederam Akhenaton estavam prestes a voltar. O novo faraó mandou erguer um monumento em frente ao templo de Amon em Karnak, perto de Tebas, com hieróglifos que diziam: “Quando sua majestade subiu ao poder, os templos dos deuses e deusas tinham caído em abandono. A terra estava em confusão, os deuses tinham abandonado este país. Então sua majestade meditou, procurando o que seria benéfico a seu pai Amon. Todas as oferendas dos templos foram dobradas, triplicadas, quadruplicadas. A celebração agora toma toda a terra, e as condições favoráveis voltaram”.

O exército retornou aos tempos de glória, sendo temido no Oriente Médio sob o comando de Horemheb, que derrotou um movimento que tentava separar a Núbia (norte do atual Sudão). Era o Egito voltando a ser Egito.